Crepúsculo - Parte I: Algo Impossível
Chuva. Gelada. Caindo em torrentes sobre minha pele, cortando, machucando. Caindo sobre meus olhos, um fogo frio que me cega, faz minhas pálpebras fumegarem, faz minha visão ficar embaçada. Caio em meus cabelos, escorre por minha testa, desce por meu pescoço, caminhando em um silêncio mortal, procurando me rasgar. Minha respiração quente e arfante enche o ar de nuvenzinhas de vapor, brancas, e faz minhas narinas pegarem fogo, em chamas. Não há vento nesta gélida noite, mas minha respiração é suficiente para deixar meus ossos congelados. Minhas juntas estão enregeladas enquanto caminho devagar por esta chuva ardente, e minhas pernas me ameaçam de cederem a qualquer momento, deixando-me desamparado na escuridão. Meus músculos relutantes me obedecem por mais algum tempo, antes que eu desabe no chão. Agora, minhas pernas se dobraram numa posição estranha, uma grudada à outra, dobradas ao meio. E, junto á água em temperatura glacial, lágrimas ferventes rolam por meu rosto, arranhando, com suas mãozinhas ossudas, todo o caminho, deixando um rastro que não posso dizer ser quente tórrido, ou frio álgido.
Neste momento percebo o quanto sou sem sorte. Amo uma pessoa. Alguém que não devia nem ao menos pensar em amar. A pessoa que namora a garota mais linda – e inteligente, e gentil, resumindo, perfeita – do mundo, e que a ama com toda a sua força, todo seu espirito, com todo o âmago de seu ser. Ama-a, e faria tudo para satisfazê-la. E mesmo que ele também me amasse, não deixaria seu amor por mim sobrepujar seu amor por ela; Porém, amo também uma pessoa que não me ama. Este alguém sabe disto. Sabe que o amo, sabe o que sinto, e se afasta de mim por isso. A dor física que sinto não se compara à dor emocional que me aflige esta cruel realidade. Por ele, meu coração sangra, e toda vez que seu nome vem à minha mente, tenho de me cruzar meus braços no peito, para impedir que meu corpo se desmonte, para impedir que meu coração deslize por entre as rachaduras. E minhas lágrimas caem por meu rosto, tão fortes e incessantes como a chuva que se derrama por sobre o meu corpo. Quero correr. Sair daqui, viajando numa velocidade em que ninguém possa me parar... Fugir... Mas não posso. Nunca conseguirei. Não enquanto estas pesadas e sólidas correntes me prenderem aqui. Não enquanto ele for inocente sobre mim, inconsciente sobre o quanto o amo.
Em frente à sua casa, meus músculos me impossibilitando de me mover, tento gritar seu nome. Porém as palavras não querem sair. O bolo em minha garganta só fica cada vez maior. Quero gritar – e poder me livrar dele -, mas imagino o quanto isso não irá me custar. Então, só deixo que a atmosfera me guie nesta dança infernal, triste, fúnebre.
-Sua intenção é pegar um resfriado? Se for, vai conseguir em pouco tempo – diz uma voz divina, suave como plumas, grave, porém na medida perfeita. Reverbera em mim, ecoa em minha mente, acaricia meus ouvidos com seus dedos sussurrantes. Sei perfeitamente a quem pertence esta voz. E por isso, além de me fazer tão bem, me machuca como lâminas. Noto, então que a chuva parou. Não se derrama sobre mim com suas torrentes gélidas e intermináveis. –Você está bem?
-Não... – digo, minha voz sussurrante e machucada.
-Quer me contar? – pergunta ele. Não sei se é sincero, mas suponho que ele realmente esteja interessado. Porém não serei capaz de dizer. Este era meu objetivo, desde o início: dizer a ele o que sinto, o quanto sinto. Assim ele não poderia ser julgado inocente. Mas simplesmente não posso. Não posso permitir a mim mesma deixá-lo sofrer, mesmo que minimante, por isso. Eu o amo, então esta é minha obrigação. Deixá-lo fora disso, longe de meus pensamentos. – Escute, está chovendo bastante, então... Por que não entra? Poderemos conversar sobre isso lá dentro...
-Conversar? – a palavra escapa de mim, antes que eu posso impedi-la de ser proferida. Porém não tenho tempo de repreender a mim mesma. As palavras começam a sair em um jorro, quase gritadas, impossíveis de serem pegas. Como se fossem objetos enlameados ou cheios de limo. Escapam-me dos dedos, e sou incapaz de segurá-las. – Não... Não quero conversar! Porque o que eu teria a dizer a você é o quão injusta é a vida para comigo. Que eu gostaria de poder ter uma oportunidade de ser o que ela é. De ser a pessoa que te faz feliz. A pessoa que estará sempre com você, que não deixará você cair, pois sempre estará lá. A pessoa que você ama... Mas eu não terei essa chance. Nunca terei esta chance. Por que eu conheço sua devoção a ela. E que você nunca a deixará. Então... – só então percebo que uma nova chuva teve início. Cai em torrentes em minhas roupas, salgadas, incessantes. Escorrem por meus rostos molhado, cansadas e quentes, como pequenos rios que fluem de mim. Escorrem de meus olhos, uma após a outra após a outra após a outra. Começo a soluçar, tentando me livrar do enorme e desforme bolo em minha garganta. Só consigo soluçar ainda mais.
Um braço quente passa por cima de meu ombro, e me puxa para perto. Pare de ser tão gentil, berra minha mente, minha voz em meus pensamentos. Pare de tentar me fazer sentir melhor! Isso só vai me machucar ainda mais!, Porém ele não escuta. Sua mão segura a minha, fumegando contra minha mão enregelada, e a chuva natural recomeça, molhando a nós dois.
-Tenho que dizer algo para você – diz ele, sua voz baixa, como a minha.
Continua...
Agradecimentos:
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao leitor. Sem você, livros seriam apenas papel!
Este é apenas um conto, mas saibam que, em um futuro não muito distante, você poderão ler livros meus completos.
Dedico à minha amiga Ana Karolina, por menos que isso faça sentido (fará, garanto...)
Agradeço à cantora incrível que é Avril Lavigne, por sua canção simplesmente perfeita, Nobody's Home, à banda Delain, com a música Electricity, e à cantora Mary Elizabeth McGlynn, por sua canção Your Rain. Se não fossem estes três (e muitos mais, mas estou me focando primeiramente nesta série de contos), jamais poderia ter me livrado do bloqueio de escritor.