Inesquecível Manaus "M" de Manaus e de Meg
Inesquecível Manaus
"M" de Manaus e de Meg
De todas as funções que já exerci na vida nenhuma deixou tantas recordações e me proporcionou maiores alegrias como a de guia turístico. E foram muitas coisas em tão pouco tempo! Paradoxalmente devo acrescentar que foi onde obtive os mais insignificantes ganhos salariais. Para começar, a região onde exerci esta profissão é uma das mais cobiçadas do mundo pelo seu diferencial em beleza e encantamento. Falo da região amazônica, especialmente a área que corresponde ao norte do Brasil, no estado do Amazonas.
O turismo ecológico é uma das principais fontes de riqueza do estado do Amazonas; de Manaus, mais precisamente. Fui atraído por um anúncio de emprego nos classificados de um jornal e saí do Rio de Janeiro para viajar quase seis horas de avião e me embrenhar na selva; até hoje me surpreendo de quão rápido tomei essa decisão. Não nego que uma frustração amorosa lanhava-me por dentro havia já algumas semanas e eu procurava um jeito de amenizar a perda fugindo do ambiente que, em tudo, lembrava o ser amado; foi quando surgiu a vaga e eu a agarrei com entusiasmo. Contudo, valeu a pena. Não pelo amor fracassado de que não me esqueço até hoje, mas pela insubstituível experiência de ter vivido o que poucos no meu estado, senão no meu país inteiro, jamais terão a chance de, um dia, vivenciar.
Manaus é um mundo à parte. Tão distante quanto acolhedor. Quando deixei o aeroporto pela manhã e entrei num taxi até ao bairro aonde eu iria me hospedar já senti no ar a diferença de ambiente. Não propriamente o clima, sem dúvida, úmido e abafadiço, mas das pessoas, do ritmo das coisas, do compasso de todos os movimentos. Ainda nos anos de 1980, mas vivendo em uma cidade como o Rio de Janeiro, já sob intenso estresse e alvoroço, ao ver o manauara, calmo, com seu passo lento e silencioso, senti-me como que em outra esfera de gravidade. No transcorrer do meu primeiro dia testemunhei o ritmo desacelerado da vida; a despreocupação com o que vem depois; o olho no olho nas comunicações e nos contatos, como a paciência em conversar, dar uma informação completa, caracterizada pela preocupação e pela hospitalidade.
Por conta de alguns dias que desfrutei na cidade antes de me dirigir ao meu setor de trabalho; ou seja, a selva, enchi meu espírito de encantamento ao visitar alguns lugares que minha intuição indicou. Na verdade, andei pelas ruas para conhecer um pouco dos hábitos da população. Os restaurantes típicos e seus pratos de água doce, as diversas modalidades do Pirarucu, do Tucunaré e das sopas de tartaruga. As barracas do assaí, do cupuaçu e da castanha. As casas de música espalhadas por todo lado, com seus vastos salões abertos para a rua, com o forró e o sertanejo, apinhadas de simpatizantes já no início da noite. O alvorecer da cidade traz o apito das barcas que saem em direção às inumeráveis cidades amazonenses.
O turbilhão de pessoas, ainda meio que sonolentas, a dividir os espaços limitados das embarcações. O aceno de mãos dos que ficam e o rastro de espuma iluminado pelos primeiros raios de sol. De um aconchegante bar flutuante, na apreciação do delicioso vaivém das águas do rio, enquanto saboreio o meu suco de abacaba e mastigo a tapioca caseira do ribeirinho, contemplo as pequenas lanchas voadoras que rasam na frente da construção. Em segundos já vão longe; a conduzirem um casal de jovens, possivelmente alemãos, sempre ali em grande número e depois mais outra com o idoso e solitário turista, embevecido e filmando cada detalhe.
Foi numa dessas que deixei para trás a cidade, pois que a obrigação me esperava; mas, longe disso. Tudo para mim não foi além de um inesquecível passeio. Na função de divertir aqueles que, de longe vieram para esse fim e tiveram que pagar para isso, acabou sendo eu o maior beneficiado pois que, recebendo um salário, aprendi, desfrutei ilimitadamente e enriqueci minha vida com aquela experiência. Não é possível, no espaço exíguo exigido por um conto descrever uma fração do que vivi, presenciei e trouxe comigo durante os onze meses em que residi e trabalhei no interior da floresta amazônica. Se tivesse que repetir, pagando, todos os passos que dei, os encontros que tive e as amizades que conquistei, mesmo que a juros de hoje, com certeza eu não hesitaria. Especialmente por Meg; é dela que tenciono falar mais adiante.
Eu servia de guia, recepcionista e cantava nas horas vagas. Isso mesmo! Era quando, à noite, nos reuníamos no barzinho do hotel. Os bangalôs de madeira eram enfileirados dois a dois, para as laterais da recepção. A um lado desta o restaurante e, no outro, o bar. Ali, ao som do meu violão e animados pela caipirinha entrávamos madrugada adentro. Ao redor de nós o silêncio e a escuridão da selva. Com frequência chegavam aos nossos ouvidos o suave mergulho de um crocodilo e o esgarçar das águas provocado por este seu movimento; o coaxar e a música do vento lançando nas águas do rio sementes que se acumularam nas árvores do igapó ou o soçobrar de algum peixe.
No mesmo terreno onde, semanas atrás eu desembarcara, tendo que caminhar numa ponte sobre águas rasas que impediam a navegação e no campinho que, ali por trás, joguei futebol e passeei entre as árvores já encostavam agora os barcos que traziam os nossos turistas.
Foi mesmo naquela margem, sobre a ponte do ancoradouro - de onde, não raro, mergulhei e me diverti, nadando, saltando de árvores submersas a expor suas copas ricas e balouçantes e comendo os peixes que ali mesmo pescávamos e fritávamos - que me despedi de Meg, incapaz de conter o pingo de lágrima que, furtivamente, me molhava a face.
Meg; aonde quer que estejas não deves mais pensar em mim. Porém, tão grande quanto a amizade que nasceu entre nós, naqueles três dias em que passeamos ao redor do hotel e eu te mostrei as jaulas dos nossos amiguinhos da selva é a minha certeza de que um laivo de lembrança pervague ainda em sua memória. A linda menina branca de quinze anos, que deixou a longínqua África do Sul com os pais simpáticos e o irmãozinho loiro e sapeca já deve ser hoje mãe e ainda jovem e bela.
Desculpa pelo meu inglês mal falado da época e pela interpretação chula de Hello acompanhada com tanto carinho e atenção por ti e teus pais na escada entre o barzinho e a recepção enquanto o almoço, esfriando, nos aguardava; sorte minha o Lionel Richie não estar presente naquele momento. Obrigado pelas cartas que me enviaste e desculpa por não saber o destino delas. O que me importa é que nunca mais te esquecerei. Valeu a pena conhecer a Meg e aproveitar para viver e trabalhar em Manaus.