O Ultimo Beijo
Naqueles lábios pude sentir o conforto de um ultimo beijo. Aquele doce sabor e aquele morno toque me seguiram pelos segundos em que minha vida se esvaia de meu corpo. Sua pele brilhava em frente aos meus olhos e me atingiam as retinas, já sem brilho, como flechas flamejantes. Aquela presença me fazia pedir por outra chance, me fazia esperar por um milagre, algo muito além do meu alcance. Agarrei-me forte aos seus delicados braços, forçando meu espírito a se prender ao mundo dos mortais. Usei minhas ultimas forças para me prender por segundos entre os braços daquela linda mulher, que em silêncio assistia minha, angustiante partida para longe de sua vista. Meu velho corpo queria se mover o suficiente para confortá-la uma ultima vez, e sanar de seus, já envelhecidos, porém lindos olhos castanhos, as lágrimas infinitas que não deixavam de cair. Seus cansados braços já suportavam o peso de meu corpo, me pareceu injusto ainda lhe fazer, por mim, chorar. Com os resquícios de força lhe sequei os olhos, e com meus últimos esforços, lhe soltei o mais belo dos sorrisos que um dia já a demonstrara. Senti o tempo parar, e naquele momento, fui o mais egoísta que pude ser, e rezei para todos os deuses, de todas as crenças, para que me concedessem forças para pronunciar as palavras que tanto queria dizer, mas que já não tinha forças para fazer. E como uma onda se chocasse violentamente contra meu corpo, o ar pôde, finalmente, sair dos meus pulmões uma ultima vez.
“Não importa o quanto eu tenha vivido ou o quanto eu tenha sido ferido, não me importa o quanto eu tenha errado ou o quanto eu tenha sofrido, não me importa o quanto eu tenha sentido ou ter praticado ações por puro egoísmo. Te amei, te amo e quando me for, ainda assim te amarei. Só sinto, no fundo do meu peito, partir antes de ti, e não poder sentir no seu lugar a dor de perder o amor da minha vida em meus braços. Nem chorar suas lágrimas, ou me perder em nossas lembranças, mas te prometo que ouvirá o bater de minhas asas, e o brilho frente ao seus olhos sempre que, corretamente, tomar uma decisão, e saberás que não estarás sozinha, e sim que não poderá apenas me ver mais, não com os olhos humanos pelo menos, porém que estarei lá te vigiando e te protegendo até o dia em que poderemos nos encontrarmos outra uma vez.”
Meu ultimo suspiro foi longo e doloroso, mas agradeci a dor em meu peito já imóvel, e agradeci a todos os deuses aos quais implorei tal milagre. Por fim pude ver, já não com meus olhos humanos, mas sim com minha alma, o lindo sorriso daquela mulher que um dia me conquistou com aquele mesmo brilho, e aquele mesmo semblante tantos anos antes. Finalmente me entreguei ao torpor e a uma vida nova, da qual poderia ter novas experiências e me senti novamente uma criança, que assistia tudo com tamanha curiosidade, mas que carregava a sabedoria de uma vida inteira de aprendizado. Dia após dia, assisti aquela mulher como havia prometido e ainda espero ela vir me encontrar, porém sem pressa, porque ela ainda tem muito a aproveitar.