Adão (parte 2)
“Na lixeira?!” perguntou Adão, espantado. “É, você é o único pintor no prédio e eu pensei que era só mais um dos lixos que você pintava, então simplesmente joguei no lixo.” explica Bartolomeu. O mundo de Adão volta a desabar.
“Adão, eu sei que não é a melhor hora para isso, mas faz quatro meses que você não paga aluguel... Adão eu sinto muito, mas você está despejado.” diz Bartolomeu, com certa pena de Adão.
Adão está sozinho de novo. Na rua, sem nada para comer, sem suas ferramentas de trabalho, e sem esperança. Ele anda para a grande praça da cidade, senta num banco e filha olhando para a moeda que Henrique lhe deu. Adão nunca teve tanto tempo para pensar na vida. Ficou assim por algumas horas, até que decidiu andar um pouco.
Enquanto caminhava, a moeda caiu da mãe de Adão, e começou a rolar rua abaixo. Tudo o que sobrou de Adão era a moeda, e ele não iria deixar ela simplesmente ir embora.
Adão começou a perseguir a moeda, correndo por cima de bancos e desviando das pessoas da calçada. Após longos segundos a perseguindo, moeda para nos pés de alguém. Uma bela e jovem mulher - a moça da lanchonete. Ela se abaixa e pega a moeda, deixando Adão sem qualquer reação a não ser ficar de queixo caído. Ela dá um gentil sorriso ao olhá-lo, e estende o braço, oferecendo a moeda de volta. “Oi, ela é sua, certo?” pergunta a mulher com um doce sorriso. “Si... Sim, é minha.” Adão gagueja, pegando a moeda. “Desculpa, acho que nunca nos apresentamos... Meu nome é Amanda.” se apresenta. “Meu nome é Adão... Prazer.” responde Adão, com medo de falar alguma besteira.
Após algum momento de silêncio, Amanda puxa assunto: “E o seu filho? Onde está?”. “Bem, a verdade é que ele não é o meu filho.” responde Adão. “E então?” pergunta Amanda, curiosa. “Ele é um garoto de rua que eu encontrei sozinho na chuva... Resolvi fazer caridade.” diz Adão, rindo da ironia. “E onde ele está agora?” Amanda encanta-se com o ato de Adão. “Eu queria levar ele para algum abrigo ou coisa assim, mas ele insistiu em voltar para rua, dizendo que sua mãe iria voltar logo, mesmo que ele não a via por três dias...” respondeu Adão, entristecendo o olhar.
Os dois começam a andar após um certo tempo de silêncio, até chegarem no parque da cidade, onde se sentam num banco e ficam conversando, sem ter noção do tempo que passava. Antes que percebessem, a tarde inteira já havia passado e começava a anoitecer. “Bem, está ficando tarde e eu preciso ir...” disse Amanda. “É verdade... O tempo passou bem rápido conversando com você!” Adão sorri. “Olha, aqui está o meu número... Me liga qualquer hora dessas!” Amanda entrega um bilhete com seu número. Adão ficou tão envergonhado e vermelho que nem conseguiu falar nada.
Amanda saiu andando e Adão ficou no banco, olhando fixamente para o bilhete. “Como eu vou ligar para ela?” pensava, já que não tinha um telefone nem dinheiro para ligar para ela.
Adão começa a vagar sem rumo pela cidade com o estômago roncando descontroladamente, já que não comeu nada o dia todo. Após algum tempo andando, ele se encontra na frente do seu antigo prédio. “Eu poderia estar morando com o meu pai, mas não quero que ele me veja nesse estado...” pensou Adão. Ele sentia-se perdido, mesmo sabendo exatamente onde estava.
Sem que Adão percebesse, um homem de terno chega ao seu lado, e também começa a olhar o prédio. “Tempos difíceis, não é?” disse o estranho homem, com seus curtos cabelos grisalhos. “É...” responde Adão, numa forma de suspiro. “Quem é você, afinal?” pergunta Adão, após perceber a situação. “Ah, que falta de educação de minha parte. Me chamo Hope.” responde o homem, oferecendo a sua mão para Adão. Adão o cumprimenta, “Meu nome é...” mas é interrompido pelo homem: “Adão, correto?”. Adão fica espantando e pergunta “Como você sabe o meu nome?”. “Bem, Adão, eu sou um velho colecionador e me interessei muito pelo seu trabalho.” diz Hope. “Mas até agora eu só fiz porcarias...” diz Adão, intrigado pelo gosto de Hope. “Aí é que você se engana, Adão.” responde. “Eu me apaixonei pela sua pintura, aquela achada pelo lixeiro, e, como você vem sofrendo com problemas financeiros, eu gostaria de financiar você.” Hope esclarece. Adão nunca se sentiu tão acolhido desde o dia em que saiu de casa. Sua face era uma mistura alegria e espanto. Hope continua, dando um cheque para Adão: “Com esse cheque você vai pagar o que deve para o Bartolomeu. Amanhã de manhã um caminhão virá com tudo o que você precisa para pintar e...” Hope é interrompido por um abraço desesperado de Adão, que não tem palavras para agradecê-lo.
Bem, após isso não há muito mais o que contar. Adão voltou a morar no seu antigo apartamento, e ficou algumas semanas pintando quadros e fazendo visitas a Henrique, que nunca mais passou fome, até conseguir coragem de ligar para Amanda. Pouco tempo depois os dois começaram a namorar e um ano depois se casaram. Após muita insistência, eles conseguiram convencer Henrique a morar com eles, desde que deixassem o novo endereço num bilhete, que está até hoje na velha caixa que ele morava, para que assim se a mãe dele voltasse, ela saberia onde ele estava morando.
Adão, Adão, Adão...
A cada dia amou mais, pintou mais e viveu mais.
O conceito de felicidade é sempre relativo, mas todos os três estavam felizes, e nada poderia mudar isso.