DESACERTOS

Quando repisei nossa cama antes tão solitária, sai com gesto de enfado do quarto ligeiramente frio pela nossa solidão a dois.

Precisava respirar o ar lá de fora. Vesti minhas roupas, beijei sua testa (como há tempos só a ela beijava) e ganhei a porta da rua.

Antes de ligar o carro, fiquei alguns minutos ali, perdida, aflita, abandonada, carente... sei lá!

Rodei pelas ruas, sob o neon azulado das luzes da cidade, enquanto no som do carro ouvia as mesmas histórias de desacertos, musicadas em todos os ritmos e em todas as línguas.Porém, minha alma não cantava; apenas se entorpecia pelo silêncio da noite quente de verão.

O silêncio dormia pelas cidades, envolvente, escaldante, viscoso. O silêncio me dominava e quis a minha angústia que eu estacionasse em um lugar qualquer que me trouxesse a paz que alguns anos de relacionamento com Marcos haviam se estraçalhado sob a batuta da rotina exasperante e, depois, sob o desconforto da "infidelidade".

Não sei se algum dia amei Marcos. Foi um envolvimento assim tão atropelado e, quando dei por mim, estava envolvida, presa na sua rede tão sem calor, no entanto necessária naquele momento de extrema necessidade de me sentir importante para alguém. Ainda muito menina, não medi consequências e sequer aventei ou presumi que um casamento supõe ser para a vida inteira.

Abri a porta do carro e comecei a caminhar a pé, sentindo o vento que vinha contra meu rosto lívido. A brisa me trazia o cheiro úmido do lago que estava à minha frente. Senti frêmitos de tocar meus pés na água, molhar minha alma tão árida naquele líquido e frio. Sentei no banco de cimento e coloquei as mãos nos olhos, fechando-me para o mundo, querendo me fechar para a vida.

Tanta coisa me angustiando. E todas elas com apenas uma origem: Pedro!

_ Deus, como eu o amo! Por que as coisas acontecem comigo assim intempestivamente? Não que meu casamento com Marcos estivesse às mil maravilhas, mas estava assim meio que como uma lago tranquilo, sem corredeiras assustadoras. Na verdade, esta monotonia estava me exasperando pelo seu gosto insosso. Marcos é um homem bom, trabalhador, honesto... e só. Eu acho que ele nunca me percebeu como a mulher que tem sonhos, que é erótica, que se queima de desejos. Para ele, eu sou apenas a esposa dona de casa com quem divide o mesmo teto... Daí que surgiu Pedro com sua gentileza, com seu romantismo, olhando-me por dentro, vasculhando meus mínimos detalhes.

Seu aperto de mão já me atiçava e seus olhos me viam na plenitude da minha carência íntima e esconda bem lá no fundo, onde somente meus olhos (e os dele, agora, alcançaram).

Foi fulminante! Sem nos darmos conta, estávamos entrelaçados, vibrando juntos, nos querendo, nos doando, nos amando.

Pedro me levava às nuvens. Seu toque me queimava a alma. Seu beijo esmagava minha boca e comprimia meu peito tão vazio de paixão.

Pedro não é um rapaz bonito. Aliás, longe de ser... mas a sutileza dele, aliada ao seu falar me decifrando como mulher foram tornando-o lindo para mim. Seu cheiro impregnava-se em mim, suas mãos tocavam-me na medida correta, no ponto exato, causando-me choques de desejos há tanto reprimidos. Com isto, gradativamente me descobri amando aquele homem, querendo partilhar com ele tudo aquilo que eu sentia... E ele me amava. Sei que me amava... que me ama... que o amo.

E onde estará ele agora?

Por que não está comigo aqui agora, como prometeu que sempre estaria enquanto eu quisesse? Isto!... Enquanto eu quisesse.

Mas, da última vez que nos vimos, foram tantas as coisas que eu disse sobre medos, sobre o que eu achava certo ou errado, sobre primar pelas convenções sociais, sobre meu temor em arriscar um divórcio, que lhe pareceu ser hora de se retrair. Fui meio fria e blindei-me para ele.

_ Por que ele não é como a maioria dos homens que, sempre inconsequentes, vão à caça e não medem esforços para ter uma mulher nos braços?

Uma vez, durante nossos raros encontros, ele me respondeu, parece que antevendo o que estou me perguntando hoje: _ Não quero uma mulher nos braços, se não a tiver no coração. Se tiver de escolher, prefiro amar de longe, do que ter somente meus desejos saciados.

_ É! Pedro realmente é diferente de todos homens... e eu o expulsei de minha vida!

Paulo Pazz

Paulo Pazz
Enviado por Paulo Pazz em 09/04/2014
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