Adão (parte 1)
Adão é um rapaz correto que vive no centro de Tenebron, uma cidade imensa, mas com a simplicidade e paz de uma cidade do interior. Ele e seus 24 anos de juventude e criatividade vivem num apartamento que parece ser só mais um dos imensos prédios da cidade - lar de centenas de artistas, escritores e músicos.
Adão era um desses rapazes sem muitos amigos - ou até mesmo nenhum. - que decidem se mudar da casa dos pais com um sonho na cabeça e faminto pela busca de liberdade. Mas não é simples assim.
Adão rabiscava, pintava e idealizava, mas nada saía bem como ele queria. Para Adão, um mico-leão andando em um monociclo em um cemitério parecia uma ótima crítica ao uso de animais em circos, mas todos acharam que era uma piada. Adão tentou de novo, pintando uma metrópole em cima de um monte de esqueletos, mas sua obra passou despercebida pelo mundo da arte. Ele foi mais a fundo, pintando uma mulher nua abraçada em um orangotango, tentando compartilhar um sentimento de sensibilidade com os animais, mas foi extremamente criticado. Chegou a perder seu amado carro devido aos processos.
Uma forte depressão o consumiu, e só cresceu com a notícia de que sua mãe havia falecido. Adão estava no chão. Não tinha dinheiro para pagar os remédios e as contas estavam apertando.
Numa segunda-feira chuvosa Adão decide sair, sem destino nem sequer e previsão de volta. Pegou um guarda-chuva, vestiu um sobretudo e saiu do prédio sem sequer trancar o apartamento.
Adão andou, andou e se irritou com um motorista que o molhou, voltando a andar depois de alguns resmungos.
Após andar algumas quadras, Adão percebeu coisas que nunca viu antes. Viu as árvores, viu os pássaros, viu os músicos de rua, mas o que realmente chamou a sua atenção foi um garoto de rua. Ele deveria ter uns seis anos e morava numa caixa de papelão que não servia nem para mantê-lo seco. O garoto tremia de frio enquanto segurava uma velha caneca de metal.
Adão não suportava somente ver isso. Ele chegou perto do menino, se abaixou e perguntou “Qual é o seu nome?”. O menino olhou pra cima, com um gigantesco olhar de tristeza. A caneca balançava, mas não podia-se ouvir sequer uma moeda dentro. “Henrique...” respondeu o garoto, “O meu nome é Henrique, senhor.”. Adão se perguntava “como poderiam ignorar uma criança?”, mas nenhuma resposta chegava aos seus pensamentos. “Onde estão os seus pais, Henrique?” perguntou Adão. “Mamãe saiu para comprar pão já fazem três dias e ainda não voltou...” respondeu Henrique. Adão olhou para todos os lados buscando algo que nem ele sabia. “Você já comeu hambúrguer, Henrique?” pede Adão. “Não, senhor.” é respondido. Adão estendeu a sua mão para Henrique, que a segura, se levantando.
Adão levou Henrique para uma lanchonete. Os dois comeram até não conseguirem caminhar direito, e então Adão pagou com seus últimos 40 reais. Ao saírem da lanchonete, Adão esbarra em uma moça. “Me desculpe moça...” disse Adão, até perceber a incrível beleza da mulher em sua frente. “Tudo bem, eu que não vi você e o seu filho saindo.” responde a moça, que tem longos cabelos negros, que destacam seus belos olhos azuis.
Adão e Henrique seguem seu caminho, mas a linda imagem da moça não sai da cabeça de Adão. “Eu nem perguntei o nome dela...” pensa.
Os dois chegam de volta à velha caixa de papelão, onde Henrique estava quando Adão o encontrou. “O que você pretende fazer, Henrique?” pergunta Adão, crente de que Henrique iria começar a segui-lo. “Eu vou ficar aqui esperando a minha mãe, senhor.” respondeu o garoto, agora com um olhar de esperança. Nesse momento, o pequeno Henrique joga suas mãos nos bolsos da calça, procurando com toda a vontade do mundo. “O que está procurando?” perguntou Adão, mas nada lhe é respondido. Após alguns segundos de luta, o menino puxou uma moeda. “Olha senhor, isso é tudo o que eu tenho, mas pode ficar para você!” oferece, com um grande sorriso no rosto. Adão sorriu segurando as lágrimas e aceitou o presente.
Adão voltou para casa feliz, como nunca havia sido antes. Não havia luz elétrica no apartamento já que ele não tinha dinheiro para pagar a conta, mas mesmo assim, deitou na cama sorrindo, feliz pelo Henrique, feliz pela moça bonita, feliz pela moeda... Adão conseguiu a inspiração que precisava para pintar.
Puxou seu velho cavalete, umas tintas e seu velho pincel. Tentou conseguir alguma iluminação da rua abrindo a janela, mas foi em vão. Começou a pincelar com várias cores vivas, sem ter a menor noção do que fazia por causa da escuridão. Depois de umas duas horas pintando, Adão decide que a pintura está pronta. A felicidade era tanta que ele decide pendurar abaixo da janela do seu apartamento, que fica no 3º andar. Ele vai dormir, agora aliviado e ansioso para ver o seu trabalho.
Adão estava tão ansioso que se esqueceu de um detalhe: a chuva continuava a cair. A chuva molhou a tinta, manchando totalmente o quadro, e o vento o derrubou em uma poça de água suja.
Adão acorda com alguém batendo na porta de seu apartamento desesperadamente, o que o faz atende-la às pressas. “Adão! Onde está o quadro, Adão?!” resmungou Bartolomeu, o dono e síndico do prédio. “O senhor viu? É linda, não?” Adão se bajulava. “Seu imbecil! Ligue a televisão.” disse Bartolomeu. Curioso, Adão ligou a TV. “Lixeiro leiloa hoje à noite o quadro caríssimo que encontrou em uma lata de lixo, com o primeiro preço estimado em 300 mil reais.” saía da televisão.