Noite de Natal

Como é triste a tristeza de ser triste, quando se está só, sem ter em que pensar e na dor da solidão sentir o pesar no choro das águas que se vão para o mar. Este é o único e mais autêntico sentimento “eloqüente” que se pode ter ao sentir os respingos da água esbatendo-se por sobre as pedras que ali estão. Então, no sítio se faz vida sobre a terra quente que a gente passa a admirar. Um mudo novo que surge com o cantar do galo ao alvorecer e termina com o desabrochar da flor, Rainha da Noite, de fragrância que inebria... Branca como a areia ao redor do meu pequeno ribeirão, que, até o nome “Água Fria” faz gelar todo e qualquer coração.

Ali, frente ao rancho todo torto sentado, rádio de pilha ligado e a canção que eu não esperava... Rancho Fundo, interpretada por Chitãozinho e Chororó. Pensava eu no moreno da viola que, num desafio embalava sua própria introspecção e por si adentro caminhava, enquanto seus dedos deslizavam sem medos em seus melancólicos tons, atingindo o âmago bucólico da imaginação. E no repente levanta-se a serpente em ondas de mágoas e seus dentes pontiagudos crava na sombra da poesia que a alma da gente envenena. Devo estar morto! Murmuro em vão.

O arrulhar das pombas sinalizam a época de acasalamento, se aninham no velho pé de angico, fico no isolamento total, fugindo até de mim mesmo... Assim, no sítio encontro a paz e não critico, nem sou criticado por nada, nem quando a noite vem! Não há luz, mas há o encanto até no coaxar dos sapos na lagoa que reflete o brilho das estrelas revelando ao mundo o céu do mês de dezembro.

A boa cachaça “Providência” tem na garrafa a chave das algemas do meu departamento censor, e me embebeda, rechaça todo e qualquer tormento que existe e me dá o imenso prazer de estar só no sítio que não tem dono e nem é de ninguém, está ao léu gerando lamentos que se perdem na imensidão dos discretos filhos da terra. Encerro no peito o jeito caipira de ser e vou me refrescar, bem protegido pelos pinheiros que simbolizam a existência utópica do lugar.

Ainda, tenho na falange do dedo médio o anel dourado que cintila, destila lembranças que não voltam nunca mais. Lembranças do séqüito ao som da marcha nupcial que não houve! Ao abrir a porta do rancho que me aninha, abrigo nele todas as minhas desditas e os meus sofrimentos... Sítio do “Rancho Torto”, assim que o chamo agora, bem me lembro, era o dia vinte e três de dezembro que me veio à mente como raio, numa língua de fogo, a imagem da noiva que jamais existiu! Duas lágrimas escorreram por sobre o meu nariz transformando-se numa só gota em sua ponta, apontada para o chão e bem de leve, levemente no “te gosto muito, mas tu não me entendes” pela falta do não saber se expressar, quem sabe? Fez-me chorar e, essa gota, toda minha bonança, caída sobre a mão direita que continha a aliança... Brilhou com tamanho esplendor que o sítio, num mágico encanto, pela primeira vez viu em seu rancho um enfeite de Natal.

Valdir Merege Rodrigues

Pinhalão - Paraná

Valdir Merege
Enviado por Valdir Merege em 07/04/2014
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