179 - ALIANÇAS DE COMPROMISSO...
Sorrateiramente ele havia conseguido a medida exata do dedo da sua amada, e no mais absoluto sigilo mandou confeccionar um par de alianças de compromisso, naquele dia ele se esmerou no vestir, olhou várias vezes no espelho, e se achou bonito, apropriadamente trajado para aquela ocasião tão especial, o dia em que iria sacramentar aquele namoro tão desejado.
Com uma pontualidade britânica ele adentrou na casa dela, abraçou-a, beijou-a, se sentia o homem mais feliz do mundo, foi quando ele lhe ofereceu a bendita aliança de compromisso, se aceita iria firmar de vez aquele namoro, que da sua parte já era um compromisso sério!
A moça balançou a cabeça pensativa, olhou para o alto como que se estivesse perdida, um tanto distante, mais distante ficou quando ela pausadamente começou a falar:
- Olha! Eu acho que ainda é cedo para eu usar esta aliança, não tenho a certeza que você é o homem da minha vida, não tenho ainda a plena convicção que somos um par perfeito, se fomos feitos um para o outro, vamos dar tempo ao tempo, só assim meu coração decidirá de uma vez por todas que rumo darei aos meus sentimentos, eu não gostaria de compromisso com toda essa seriedade, com toda essa pompa, apesar de ser muito elogiável a sua atitude, acho que é prematuro o uso destas alianças de compromisso...
O moço ouvia tudo aquilo calado, estático, toda aquela prosa ia aos poucos destroçando o seu sonho, ia destruindo tudo que imaginara, ia jogando por terra seu castelo de amor, quando por fim ela arrematou:
- Talvez seja melhor que nos afastemos um pouco, assim saberemos se fazemos falta um para o outro, dissiparemos esta dúvida, se for verdadeiro o que existe entre nós, haveremos de nos reencontrar, eu estou cheia de dúvidas, estou um tanto confusa, guarde estas alianças para um momento mais apropriado, pois eu sinto que não estou preparada para usá-las!
O moço no momento ficou praticamente sem voz, balbuciou algumas palavras, concordou com tudo o que ela disse, e com muita dificuldade conseguiu dizer adeus, e até uma outra oportunidade se assim Deus o permitir.
Ela educadamente o acompanhou até o portão da sua casa, ficou pensativa, e por um longo tempo permaneceu silenciosa, acenou com a mão várias vezes até o rapaz desaparecer na distância dos seus olhos, quando ela em desabalada correria se refugiou no seu quarto e se pôs a chorar, como que se tivesse arrependida da sua atitude, se achava um tanto grosseira, um tanto orgulhosa, o rapaz não merecia aquele tratamento.
E ele caminhou sem rumo, perdido, desabotoou a camisa, queria ar fresco pelo corpo, se sentia agoniado, sufocado, foi quando se deu em conta que se encontrava em uma praça, por um longo tempo ficou sentado em um banco no mais absoluto silêncio, lembrou-se das alianças de compromisso, olhando-as como se olha um objeto repugnante, nojento, asqueroso, sem titubear as atirou no meio do canteiro de arbustos e flores, se levantou e partiu.
Caminhou algumas quadras quando um arrependimento repentino invadiu todo o seu ser, não deveria ter jogado fora as alianças que não tinham culpa alguma pelo acontecido, afinal nem tudo estava perdido, voltando apressado, no mesmo local agora já entre flores procurava desesperadamente pelas alianças, foi quando foi interpelado pelo guarda noturno que o observava atentamente:
- Meu filho! O que você faz em meio às flores, você esta amassando as plantinhas, perdeu alguma coisa?
Ele que neste momento estava de joelhos para melhor observar entre as plantas, com a cabeça abaixada, tristonho, contou ao guarda todo o acontecido, todo o seu infortúnio, e este condoído, pesaroso, também já fora jovem um dia, também tivera paixões arrebatadoras, compreendia perfeitíssimamente o que estava acontecendo com aquele jovem, podia imaginar o tamanho da dor que estava latejando em seu peito, oferecidamente se pôs a ajudar na busca pelos anéis, e depois de muito trabalho, de muito procurar, primeiro encontraram a aliança que tinha o nome da moça, para depois encontrar a que tinha o nome do rapaz.
Sem nada dizer, o moço deu um longo e afetuoso abraço de agradecimento no guarda, e partiu...
Partiu com a alma destroçada...
Partiu com o coração destroçado...
Partiu com o sonho destroçado...
Mas o que importava é tinha recuperado o par de alianças...
E ele seguiu por caminhos distantes do caminho dela, mas continuava a carregar em sua carteira o par de alianças de compromisso, quem sabe num momento de surpresa e de estupefação ela voltasse, e abraçando-o, meigamente solicitasse a aliança, pois estava ansiosa em usá-la, sonhava... Sonhava acordado...
E assim dez anos se passaram, ele já fora casado, descasado, amigado, juntado, nunca conseguiu encontrar a felicidade, agora, morando em outra cidade, numa tarde de sábado, na praça de alimentação do shopping, saboreava a sua preferida comida chinesa, lá estava ele se deliciando entre frango xadrez, rolinho de queijo, peixe empanado, macarrão...
Olhou pro lado como se olha para alguma coisa que instintivamente o atraísse, estendeu os olhos para uma mesa ao seu lado e tempo parou, uma explosão de imagens e cores acudiu na sua mente, era todo um passado que sem pedir licença assomava e se mostrava com todo o seu esplendor, uma moça parecidíssima com a sua antiga paixão, os mesmos cabelos encaracolados, os mesmos olhos verdes, a mesma boca, a mesma altura, e ele afoito parou imediatamente de comer, e se concentrou na moça, por fim não resistindo pediu licença e se sentou ao seu lado e lhe contou todo o seu drama, e não se esqueceu de mostrar o par de alianças que ainda hoje carregava consigo, disse o nome da sua paixão, mas a moça um tanto constrangida disse que muito gostaria que fosse ela a sua amada, pois nunca vira um amor tão pungente e verdadeiro, que infelizmente não era ela a musa procurada, e disse o seu nome, que em nada tinha em comum com o nome da sua amada.
E ele se desculpando se afastou, mas por vias de dúvidas deixou com ela um cartão de apresentação que continha o seu e-mail, segurou ternamente na sua mão e mais uma vez pediu desculpas pelo incômodo, e partiu...
Partiu com o seu sonho destroçado...
Partiu com o seu coração destroçado...
Partiu com a sua alma destroçada...
E assim se passaram alguns dias quando ele inesperadamente recebeu um e-mail, e este dizia assim:
- Meu grande amor, aquela moça que você encontrou no shopping que era muito parecida com a sua grande paixão, na verdade era a sua própria paixão, não quis me revelar, pois fiquei abismada com tudo que você me contou, então fui ligando os fatos, relembrando todo um passado que poderia ter sido tão feliz, mas que por minha ignorância coloquei tudo a perder!
Meu amor, hoje eu sei o quanto que te amo, mas agora é tarde, amor...
Agora é muito tarde, amor...
Eu já estou casada, tenho filhos, e amo muito a minha família, faça de conta que na sua vida eu fui apenas um sonho, na distância rezarei por você, no meu silêncio eu te amarei, mas não voltarei a comunicar com você, pois vi no brilho dos teus olhos a mesma paixão de outrora, nem amigos poderemos ser, pois existe o perigo desta paixão incendiar os nossos corações! Na minha paz eu estarei contigo e você estará comigo, quem sabe em outra existência a gente volte a se encontrar, então viveremos este grande amor que as circunstâncias impediram que se tornasse realidade...
Adeus, meu grande amor!!
Lágrimas rolaram pela sua face, leu e releu o e-mail, imprimiu-o, e carinhosamente guardou uma cópia na sua carteira, ele seguiu os seus conselhos, não mais a procurou, não mais saiu pelas ruas na tentativa de encontrá-la, nem mais voltou àquele shopping, se recolheu pra dentro de si, guardou profundamente contra o peito tudo que ela lhe disse naquele e-mail, deu-se por satisfeito, conformou-se, acomodou...
Hoje seus cabelos já estão brancos, anda com dificuldades pelo apartamento, perturba a faxineira com a sua eterna desconfiança que ela esta lhe roubando seus pertences, vive no computador, se transformou em um escritor, adora escrever poemas de amor, principalmente sobre amores impossíveis, publica tudo que escreve em um site de escritores amadores, o famoso Recanto das Letras, e assim vive os seus dias de velhice.
Fazendo a sua habitual caminhada da tarde sentiu um sacolejo, seu coração palpitou diferente, teve falta de ar, lá no seu íntimo concluiu que seus dias estavam chegando ao fim, imediatamente procurou o seu grande amigo de infância, passou as suas contas bancárias em conjunto com ele, lhe entregou alguns objetos e penhorou recomendações, entre elas que pagasse as despesas do seu funeral, e o dinheiro que sobrasse doasse ao Hospital do Câncer, pediu também que mandasse gravar na sua lápide um pequeno poema de sua autoria, aliás, este foi o último poema que escreveu, e numa tarde sentiu novamente as palpitações, faltou-lhe o ar, balanceou e estatelou no chão, já estava morto, partiu.
O amigo procedeu da maneira recomendada, antes do caixão baixar na sepultura colocou no bolso do paletó do falecido, o famoso par de alianças e um papel dobrado, amarelecido pelo tempo, era a cópia do e-mail que recebera há muito tempo da sua inesquecível paixão, queria levar consigo estes objetos, tido por ele como os bens mais valiosos que ajuntara durante toda a sua existência, por fim mandou gravar aquele pequeno poema na sua lápide, e o poema dizia assim: “Aqui mora um homem que perdidamente amou, tão perdidamente amou que perdidamente ficou.”
E aquela moça, por onde será que ela anda? Será que ainda está viva, será que já faleceu...
Ao que parece, no outro lado da vida eles têm um encontro marcado, e desta vez que sejam felizes, muito felizes...