Hotel Fazenda

Akira, um engenheiro filho de japonês nascido no Brasil, era muito competente e bem sucedido. Trabalhava numa construtora e foi lá que conheceu Suzana, uma secretária carioca, morena clara, muito simpática e charmosa. Akira tentava puxar assunto toda vez que a via, mas esta não lhe dava bola. Até que um dia, Dr. Fabrício, o dono da construtora, um senhor elegante, cabelos grisalhos e porte atlético, apesar de seus quase setenta anos, resolveu premiar seus funcionários com um pacote de final de semana em um hotel fazenda em Petrópolis, região serrana no Rio de Janeiro. Akira pensou: "Esta é minha chance de conquistar Suzana. Agora vou ter mais tempo para estar com ela fora do ambiente de trabalho. Vamos nos conhecer melhor, ficar juntos..."

O grande dia chegou. Às sete horas do sábado, o grupo de dez funcionários foi levado no ônibus da empresa rumo ao hotel. Já no trajeto, Akira tentou uma aproximação com a moça. Ele se desdobrava em gentilezas. Se oferecia para segurar o espelho enquanto ela retocava o batom ou passava o pente nos cabelos (Suzana era muito vaidosa). Akira falava de assuntos os mais variados, ria muito e concordava de pronto com tudo o que Suzana dizia. Tudo em vão. Ela o tratava da mesma forma com que tratava a todos.

Às dez em ponto chegaram. O guia anunciou que teriam a manhã livre, e conduziu o grupo ao restaurante do hotel para o café. Suzana sentou-se perto de uma janela. Akira fez-lhe companhia e foi logo dizendo:

_ Está um dia lindo. Vamos andar a cavalo?

A carioca, que já estava um tanto irritada com o excesso de atenção do japonês, resolveu pregar-lhe uma peça. "Vou vence-lo pelo cansaço", pensou ela mal sabendo que o feitiço iria virar contra o feiticeiro.

Concordou em cavalgar desde que ele fosse na frente puxando o animal.

_ Tome as rédeas e cavalgue você mesma.

_ Não. Tenho medo. E se o cavalo desembestar por esses caminhos e eu não conseguir fazê-lo parar, já pensou? É melhor você pegar as rédeas e ir na frente puxando.

_ Está bem. Venha. Vou-lhe ajudar a montar.

Depois de ter acomodado sua paixão na sela, Akira pegou as rédeas. Quando ia começar a puxar, Suzana comentou:

_ Onde é que eu vou segurar?

_ Na crina. Segure na crina.

Ela ia estender as mãos para segurar nos pelos do animal, quando um súbito pensamento a fez retroceder como se tivesse levado um choque: "Não. Não vou segurar na crina. Eu posso puxar o pelo do cavalo com força e ele se assustar e sair correndo, e, até mesmo pisotear meu colega. Ah, já sei! Vou segurar no pescoço." Suzana estendeu os braços para realizar seu intento, mas naquele exato momento o cavalo virou a cabeça em sua direção e a olhou fundo nos olhos, mostrando-lhe todos os dentes (o que ela interpretou como sendo um riso debochado). Suzana gritou:

_ Akira! Pare! Pare que eu quero descer.

_ Mas o que houve? O cavalo nem começou a andar.

_ Nem vai começar.

_ Por quê?

_ Este cavalo está curtindo com a minha cara. Ele olhou para mim e sorriu e, cavalo quando ri para alguém, é porque vai aprontar alguma.

Mal Suzana acabara de falar e o animal balançou a cabeça como se estivesse confirmando suas palavras.

_ Eu não disse?

_ Disse o quê?, perguntou Akira.

_ Não. Vamos fazer outra coisa. Chega de cavalo.

_ O que você quer, então?

_ Quero que você me tire daqui!

Ele a ajudou a descer. Na tentativa de se desculpar, ela proferiu uma "meia-verdade":

_ Oh, sinto muito. Eu... Eu não gosto muito de cavalos. Tenho medo de cair, de me machucar...

_ Esqueça. O importante é que você se divirta. Que tal andar de pedalinho no lago?

Foram para o lago e Suzana foi logo dizendo:

_ Você se importaria de pedalar por nós dois? É que eu estou cansada. O incidente com o cavalo me estressou.

_ Ora, mas nem precisava pedir. É claro que eu é que vou pedalar.

Estavam no meio do lago. Akira parecia incansável. Falava animadamente com Suzana, quando esta, sem quê nem porquê, lhe disse:

_ Vamos voltar? Estou ficando enjoada.

O japonês estranhou o pedido, mas concordou. Em terra firme ele sugeriu que fossem caminhar um pouco.

_ Talvez caminhar me faça bem, disse ela.

A fazenda era realmente bonita. Estavam caminhando lado a lado. As hortências ao longo da estrada de terra formavam verdadeiros corrimãos de flores tornando ainda mais romântica a paisagem bucólica. Ele estava feliz apreciando a natureza, quando Suzana olhou para trás e perguntou:

_ Você não acha que nós já andamos muito? Minhas pernas estão doendo. Vamos voltar para o hotel? Preciso de um banho. Estou empoeirada.

Ele novamente concordou. Voltaram para o hotel. Akira acompanhou seu amor até a porta do quarto. Ela foi breve:

_ Até amanhã, Akira.

_ Até amanhã? Mas não são nem cinco horas da tarde e ainda falta muito para o jantar.

_ Não vou descer para o jantar. Estou exausta. Vou tomar uma ducha e dormir.

_ Bem, sendo assim, até amanhã.

Ele estava decepcionado. Tinha feito tantos planos, sonhado tanto com este fim de semana... Tomou o rumo de seu quarto e, sequer havia colocado a chave na fechadura, quando um grito cortou o ar. "É Suzana", pensou, e correu em direção à sua porta. Antes mesmo que tivesse tido tempo de bater, Suzana apareceu. O rosto lívido, as mãos trêmulas.

_ Akira, me ajude, me salve!

_ O que foi?

_ Tem uma... Ah... Eu me arrepio só de pensar nesse nome.

_ Fique calma. O que aconteceu?

_ Tem uma barata no meu quarto. Eu tenho pavor de barata!

_ Não se preocupe. Me mostre onde ela está.

_ Está bem ali no chão, perto da minha mala.

Ele entrou no quarto enquanto ela esperava do lado de fora. Uma pisoteada certeira e pronto!

_ Pode entrar, disse ele sentindo-se poderoso por ter livrado a amada do asqueroso inseto.

Naquele momento, Suzana olhou para Akira com admiração. Ele fora rápido e eficiente. Algo havia mudado. Suzana começou a enxergar melhor a figura daquele homem, por quem até então só sentira indiferença. Akira era diferente. Enquanto seus amigos e familiares não entendiam sua fobia e riam-se dela, Akira sequer questionou o fato. Não. Definitivamente não era mais o engenheiro japonês que estava de pé à sua frente. Era um samurai, que com um golpe de espada, vencera o monstro inimigo.

_ Pode entrar e tomar seu banho.

Ele já ia se afastando quando ela o deteve:

_ Akira... Obrigada e, mais uma vez, me desculpe. Eu... Eu realmente tenho pavor de barata.

_ Tudo bem. Precisando é só chamar.

Na hora do jantar Akira foi ao restaurante do hotel e, tal foi sua surpresa quando, ao chegar, avistou sua paixão confortavelmente instalada numa poltrona. Ela estava muito elegante. O vestido azul turquesa realçava a cor de sua pele. Ele a olhou com desejo e entusiasmo. Percebendo sua presença, Suzana levantou-se e foi cumprimentá-lo.

_ Boa noite.

_ Boa noite, respondeu ele sentindo-se envolver pelo perfume da moça.

_ Eu resolvi descer. Depois do banho relaxei e, aí me deu uma fome!

_ O restaurante já abriu. Vamos?

Sentaram-se. Akira apreciou e elogiou os pratos que foram servidos. Suzana, porém, não compartilhou de sua opinião e começou a reclamar da comida. Nada agradava ao seu paladar. Akira tentou várias vezes mudar de assunto, falar de coisas agradáveis que facilitam a digestão. Tudo inútil. Ela fazia questão de se concentrar na comida e reclamar, reclamar, reclamar! Sem mais argumentos, ele sugeriu que fossem dormir, pois, na manhã seguinte teriam que voltar cedo para o Rio de Janeiro. Ele a acompanhou até a porta do quarto. Despediram-se:

_ Boa noite, disse ele tentando disfarçar a chateação.

_ Boa noite, respondeu ela com um certo carinho na voz.

De volta ao quarto, Akira pensava enquanto vestia o pijama: "Que chata! Quem diria que aquela moça alegre, espontânea e comunicativa fosse assim? Desde que chegamos, ela não gostou de nada. Tem medo de cavalo, enjoa no pedalinho, sente dor na perna quando anda, tem pavor de barata e, ainda reclamou o tempo todo do jantar! No trabalho ela só faz tipo. Se ela demonstrasse como realmente é, já teria sido despedida, ou talvez, nem tivesse sido contratada. Eu vou é partir pra outra. Não vou mais perder meu precioso tempo com ela."

Enquanto isso, em seu quarto, Suzana vestia sua camisola de seda e sonhava acordada: "Akira é um bom sujeito. Tem bom coração. É paciente, atencioso e tem demonstrado que gosta muito de mim. E eu também estou começando a gostar dele. Quem diria? Aquele japonês introvertido... Jamais imaginei que ele fosse assim. Se ele tivesse demonstrado como realmente é, eu já teria me apaixonado por ele. Mas, ainda há tempo. De agora em diante, vou me aproximar mais, lhe dar mais atenção..."

A carioca espreguiçou o corpo esbelto na cama e suspirou:

_ Ah... O amor é lindo...

Nesse mesmo instante, o japonês desiludido, esticava o corpo cansado na cama murmurando:

_ É... Estou começando a acreditar que o amor é cego.

Denise Larangeira
Enviado por Denise Larangeira em 05/03/2014
Código do texto: T4715563
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