Despedida
-Você a ama? - perguntou-me com olhos enxutos de quem faz uma pergunta retórica.
Seus lábios rosados estavam levemente secos, pediam por umidade, pediam por um beijo morno de verão ou uma enxurrada de inverno. Aqueles olhos olhavam-me tão secos como não podia imaginar. O sentimento, que ali morava, estava acabando. Era melhor assim.
O som vazio das primeiras gotas de chuva que, lentamente, fazia subir um bafo quente de mormaço. Elas foram testemunhas daquele momento insalubre, mas digno de um abalo sísmico da Ásia menor.
- É complicado. - respondi-lhe.
Tão complicado era o sonho daquele amor impossível que jamais deveria despertar. Assim, eram as promessas, os risos aos sonhos e as músicas tocadas nas aquarelas de fins de semana do mês de outubro, principalmente, na véspera do dia das crianças, onde a aquarela era pintada com cores mais vivas e o luar era mais claro na escuridão do ser patriota que morava em meu coração. Outubro era um mês suave, bem diferente de Agosto, cheio de desgosto, pois a vida voltava a ser como era antes.
Os sonhos de liberdade em meu jovem peito cheio de novas andanças por terras secas ou por aquelas paisagens sertanejas de inverno e nesses desertos de solidão que são nossas capitais. Queria mais uma vez sentir a brisa em meus olhos e o sereno cheiro salgado do mar de outrora. Queria sentir o vento frio das serras planando tão altas sobre a paisagem seca do sertão, empoeirar-me em rodagens secas de amigos. Queria, novamente, voltar a viver, mas em meu peito uma angústia não me libertava; seria a escolha do meu fim, seria a escolha de um dia aceitar amar.
Nessa renúncia de outra vida foi quando notei que tudo que possuí não valia muito, mas que tudo que possuo, hoje, em minha vida, mesmo que menos importante do que pareça e mesmo que não tenha o devido valor em minha companhia ou em ausência de estranhos, ou mesmo solitário em meu peito, ainda grita uma saudade de não ir embora. Sou filho deste peito, mesmo que amargo, instável, e cheio de sarro de cigarro. Em matéria de simpatia a nota é pior ainda. Mas, filho desse peito antigo que em outro tempo perdera-se, não consegue resistir na modernidade por muito tempo, pois, deve ser aproveitado.
- A vida nos abre muitas possibilidades, você bem sabe. Acredito em universos paralelos ao nosso, tudo uso de uma escolha, multiverso.
- É a questão básica da vida, o que fazer antes de morrer. - disse-me com um sorriso amargo.
São em situações como essa que as tensões dos nervos ligadas aos simples cálcio de nossa vida nos fazem refletir sobre o futuro, passado ou entretanto. Algum tempo atrás, correria de volta aos braços bandoleiros de meus amores, mas hoje, a situação é diferente. Um novo amor se faz, um amor continuum, forte e repentino, mas dissolvido em meu ser. Se pensas que sou problemático por ter esse amor dissolvido em meu sangue, és um completo tolo, mas se diz que é uma passagem simpática e bonita é mais tolo ainda, pois o homem é feito de verdades e a única verdade que há no universo da humanidade é o amor. Pena que está tão esquio e calado nos calabouços da contemporaneidade.
- Lembra do sonho que se sonha só? - pergunte-lhe.
Hoje, eu sonhava só, mas minha realidade era outra. Meu pensamento também. Estava eu entregue entre os meus amores passados e os meus amores presentes. Não se trocam os amores velhos pelos novos, minha mãe sempre me disse, mas ela esqueceu-se de falar que os amores novos às vezes são mais estáveis, te fazem se sentir melhor ou, apenas, são melhor para o coração solitário que habitava em meu peito.
- Sonhe junto comigo, por favor.
- O Sonho nunca vai morrer, ele sempre resistirá em meu peito, em minha memória ou mesmo na minha tatuagem. Enquanto tiver pele, ele viverá. Enquanto vivermos, ele viverá e depois que partirmos para o cosmos, ele continuará em nossa lembrança que passaremos.
- Por isso vais ficar? - perguntou-me - Se ficar, prometo: não volto.
- Se partires e não mais voltar ou nunca aparecer, serás culpada de nossa separação.
- Não há dinheiro que pague ternura antiga, já dizia aquela velha música, lembra-se?
Ternura nenhuma, antiga ou nova, jamais me comoveu. Sempre fui como uma semente que, quando pequeno, eu via voando em uma pequena pena. Onde ela caísse nasceria ali uma nova planta que geraria novos frutos, novas sementes e estas partiriam mais uma vez para que a nova pena fosse sempre um motivo para o doce sorriso amargo de recordação.
- Sou um pássaro que voa para bem longe, sempre, mas que um dia voltará.
- Vai, vida! Fica aqui comigo só a lembrança, que contigo partiu sorrindo.
Ela deu um beijo em minha testa, passou a mão em meus cabelos, deu-me um abraçou forte, notei que nunca mais sentiria aquele abraço, mas que pelo menos nunca o esqueceria. Deu a volta e subiu no ônibus.
Ia de mochila às costas. E, assim, partiu.