Amores no tempo

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O vento é fofoqueiro. E traiçoeiro também! Ele levou você. Carregou todas as minhas angústias, encheu-me de desesperanças. E ainda me disse, em formato de tapa na cara, que hoje, justamente hoje, você não viria.

O tempo e o vento são traiçoeiros... E o vento levou. Levou a afeição de Rhett Butler à Scarlett. E me surpreendeu quando o sucumbir da afeição dele refletiu na imediata revelação do amor de Scarlett. Nascimentos e mortes. Fins e recomeços. A tragédia do amor que nos persegue ao longo do tempo. Sim, o tempo é traiçoeiro e Margaret Mitchell sabia disso.

As janelas também sussurram. E nos contam histórias incríveis! Sabia que a voz das janelas nos toca e nos arrepia? É! Tente. Recline-se à janela de sua casa... E sussurre o nome do seu amado, baixinho. Ele escutará você! Sinto ruídos que me chegam agora. Jane Eyre foi majestosa ao me revelar isso, que as janelas fofocam! Charlotte Bronte, que primorosa criação romântica! Por que não me diz, mais claramente, o que tanto desejo ouvir? Entre nós há janelas, mas podemos criar pontes... Venha! Pule! Estou com as mãos estendidas esperando por você, do outro lado. Sussurre meu nome... Pode ser sílaba por sílaba – ajudaria o transporte, entre plumas e suspiros arrepiantes da brisa que agora me enternece.

Ah, mas Sophia recebia cartas, inúmeras missivas. E no mundo que se descortinava e surgia, mágico, repleto de encantamentos, Sophia se embriagava rumo ao ápice do enlevo, do encantamento... Algumas cartas, entretanto, nunca chegaram. Thomas Hardy foi por demais cruel com a pobre Tess – por que a carta, ‘enfiada’ debaixo da porta da enamorada jovem, nunca teve a honra do olhar da destinatária? Maldade? Armadilhas do amor? Por que o vento não conduziu a correspondência para junto de Tess? Por que as cartas não são postas em janelas que aceitam sussurros de amor? Por quê?

Busco um amor feliz, embora goste da dessemelhança que existe imbricada na infelicidade. Busco um amor com saliências e reentrâncias, com altos e baixos típicos da paixão exacerbada. Pena que as paixões arrefecem e o amor que damos não pode, por vezes, compensar o amor que se perdeu. Quando entre os amantes existem elos, vínculos maternais, a separação se torna ainda mais angustiante... Liev Tolstoy nos emocionou quando fez Anna abandonar o filhinho. O filho foi desamparado e a mãe, com o esfriamento de Vronsky, sentiu dissipar-se o ardor do amante. Novamente, o tempo resolveu as incertezas e fez sussurros na agonia de quem ama. E a morte do amor, apesar dos gritos, segreda dentro de nós, na solidão que o abandono causa.

E quando o amor fica russo, exigindo partidas, exílio... Amar é constante guerrilha, pois que lutamos contra nossas primeiras impressões. Nada de flechadas nem cupidos; nada de primeiro olhar, à primeira vista. Ele chega e pronto, instala-se como peste! Doutor Jivago. Doutor? Do amor o que somos mesmo é paciente. Pacientes quando ele nos acomete e nos deixa sempre a quarenta graus; pacientes quando as guerras nos separam do ente amado e o que nos resta é esperar. Esperar. Esperar. Ainda bem, Boris Pasternak, que o exílio serviu como pano de fundo para a reaproximação... E os panos, quando retirados dos calorosos corpos e jogados ao chão, no frio da Rússia, serviram de cobertores de corpos que se queriam devorar, digladiando até o êxtase, ao final da contenda. Heroicos corpos, paciente e sedentos, que se fundiram nas penugens do tempo, contrapondo-se ao belicoso e assassino viés humano.

O amor também é caprichoso e procura o companheiro perfeito – busca fechada em si mesma, sem precedentes, apesar de cíclica.

Quando o tempo de espera se passa nas ruas e caminhamos largados, sem fitar o horizonte, perscrutando inexistente candidato ao nosso solitário amor, o casuísmo pode confrontar corpos aparentemente proibidos. Descreva-me o amor, poderia? E se amar for tornar-se o caso de um homem casado? Você, jovem, livre, cobiçada e cortejada por onde passa. Cheia de pretendentes, jovens e solteiros homens... Sem que o deseje, descobre-se apaixonada por um homem... Casado. Apocalipse? Ineditismo? Casualidade? Repito: Defina-me o amor. Poderia? Honesta e sensata viagem fazemos nos braços de Lehmann. Quanta honradez há na espera e nos momentos de esperança da jovem apaixonada. O amor não escolhe seus convivas – ele, simplesmente, manifesta-se.

Se o amor cria histórias, ele mesmo, o amor, tem sua própria narrativa de solidão e de oportunidades perdidas. Deparando-se com as perdas, buscamos o sentido da vida. Entretanto, perdemos ou jogamos fora? Partiram ou mandamos ir embora? O amor que nutriam morreu ou foi assassinado por nós, em razão do medo de amar e das sucessivas manifestações de desinteresse? Matamos o amor. A gênese é unilateral – ele simplesmente nasce, brota, mas exige alteridade para morrer. Sinta o gosto da morte do amor que poderia ter sido seu. Amarga? Fere? Dói? Se nós renascemos, ressuscite o que perdeu, enquanto coabitam. Atravesse a ponte – o amor normalmente fica do outro lado da travessia.

Seguimos a vida, mas a vida nos persegue. Já é tarde. Ainda estou sentado, observando a paisagem, e o vento, traiçoeiro, não me diz nada de novo – a única impressão que tenho é a de ouvir sussurros renitentes, leves e graciosos, em forma de carinhosas declarações.

Iguatu-CE, 25 de fevereiro de 2014.

15h34min

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 26/02/2014
Reeditado em 17/04/2014
Código do texto: T4707575
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