"Se Alice lesse..." Cap 2

... Querido leitor, contar esta história é tanto doloroso, quanto prazeroso, é como uma fusão dos sentidos, física inexplicável pelos ciêntistas dos sentimentos, um oposto atraído pela parte desaparecida que é logo achada e se completa. Alice sempre fora minha parte, embora pessoas que conheçam minha história digam o contrário. Mas eu não as condeno, como poderia? Eles eram incapazes de compreender-me, mesmo que os explicasse, muitos deles nunca viveram algo como vivi e por isso, minha história não passava de loucura. Sim, leitor, loucura mesmo. Tenho consciência que cada pessoa vê a vida a sua maneira e mesmo que respeitem a visão alheia, tentam sempre encontrar seguidores para suas ideologias, é uma questão social, e o mesmo eu tento fazer com esta história. Porém, a única coisa que gostaria que você compreendesse, é que o sentimento mais puro, mesmo falho, pendura através de uma vida e o meu se iniciou naquele princípio do verão de 1940, quando a vi pela primeira vez.

Em minha ingenuidade, não fazia ideia que aquele acontecimento mudaria minha vida para sempre, como são todas as coisas relacionadas ao destino, incertas. Hoje penso que se talvez pudesse ter previsto o futuro, mesmo que apenas uma partícula dele, eu tivesse me afastado, tivesse feito com que aquele encontro casual desvanescesse da mémoria. Mas logo me recomponho e percebo que está é uma ideia tola. Sei que se desaparecesse a tristeza, também desapareceria com ela a alegria e mesmo sendo essa felicidade uma alegria melancólica, é a única que eu tenho, então, sentado aqui, observando em enquanto o Sol se põe por entre os milharais, sei que aprendi a aceitar o meu destino e retirar o melhor que ele pode me proporcionar.

Meu nome é Domingos Oliveira, hoje moro sozinho em uma casa de duas assoalhadas na porvíncia de Lagoa do Ouro, uma casa que herdei do meu pai há uns trinta aniversários. Não era uma casa grande, pelo menos, a casa, o quintal, no entanto, estendia-se por um hectare adjacente que terminava em um pequeno lago, onde eu costumava pescar quando criança. Logo quando me mudara, tive que fazer um grande trabalho de reforma para mantê-la habitável, um antigo amigo me ajudara no trabalho. Naquela época, já não via Alice há alguns anos, mas ainda assim tinha esperança de revê-la novamente, não vou mentir, tinha deixado tudo de forma impecável para quando ela aparecesse. Aguardava ansiosamente o fim de cada tarde pensado eu que ela apareceria milagrosamente em minha porta, como sempre o fizera. Subindo os degraus de madeira naquele vestido azulado, uma franja no cabelo e um sorriso doce. Mas não aconteceu, nem mesmo uma só vez e isso me machucou bastante. No entanto, essa dor ensinou-me outras coisas que eu nunca pensei que existira. Aprendi a apreciar aquele entardecer de uma forma bastante incomum, se tornou minha fulga. Invariavelmente aqueles gestos naturais me suscitavam emoções como nem uma outra coisa era capaz de o fazer, nem mesmo, outras mulheres. Todo final de tarde eu sentava-me em uma cadeira de balanço e apreciava o entardecer. Gostava daquela mudança de cor no céu, aquele azul claro que seguia estendendo-se em um laranja e vermelho até que por fim, as estrelas tomavam o seu lugar. Fiz isso por vários dias após parar de vê-la e, quando me dei conta, já havia se tornado um hábito. Tomava um banho com a água a lavar a sujidade do dia e sentava-me no alpendre, como faço agora. Lá, esquecia-me de tempo e lugar e com aqueles pensamentos flutuantes olhava o céu. Enquanto parado, pensava nela e em todas as coisas que passamos juntos e perguntava-me todas as vezes se ela passava as horas do dia da mesma maneira, a pensar nas mesmas coisas, se pensava em mim com a mesma intensidade. Quando o céu já se encontrava escuro e os sons noturnos tomavam conta do ambiente, eu entrava, tomava uma chávena de chá e sentava-me em uma mesa de carvalho onde escrevia a luz do candeeiro. Mesmo com a chegada da eletricidade, ainda gosto do candeeiro, acredito que sua luz romântica me inspira, ou talvez, seja apenas a lembrança que ele me proporciona.

Escrevia horas afim, apenas o que vinha em minha mente, aqueles papéis eram meus confidentes e me ajudavam a expressar aquilo que estava preso dentro de mim e penso também, que serviram de prática para que hoje esteja escrevendo esta história. Foi a própria Alice que ensinou-me a escrever, não da forma alfabética, claro, mas literária. Lembro-me que foi exatamente esse fato que nos aproximou.

Jhonny River
Enviado por Jhonny River em 03/02/2014
Código do texto: T4676456
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