Tempo de Mudança

Ela então decidiu esquecê-lo. Deixar pra trás o que não aconteceu. Deixar tudo fenecer na areia do tempo para que ela própria não afundasse na ilusão de ser querida e ser gostada um dia. Por ele, pelo menos. Ou seria por qualquer um? Seria ele ele próprio ou um amálgama, uma massa amorfa, de todas as suas não-relações? Sua vida é cheia de não-coisas. Ela saiu do olho do furacão carregando a essência do mesmo dentro de seu ser, entranhada no mais íntimo de sua alma. O vento bravo à levou para longe de si mesmo por pena. Não a devoraria, na sua brutalidade implacável, pois na verdade nela não havia o que devorar. Era oca. Completamente vazia à essa altura. Só o que sobrava nela era uma não-existência.

Apaixonava-se por tudo e todos. O cupido pelos Deuses à ela reservado apresentava-se completamente esquizofrênico e sem controle. Qualquer um que dela se aproximava com palavras minimamente gentis já tomava-lhe de assalto o coração. Era patético. Imaginava-se já carregando a prole da criatura que lhe desejava um bom dia com um pouco mais de atenção e carinho. Um carinho que partia não na companhia de um querer profundo mas de uma educação rara. Tão rara e tão descabida que era estranha e sem precedentes. Seu disco rígido corrompido por sua carência e solidão absorvia aquele fluxo de dados humano desesperadamente. Desejava tão ardentemente ser desejada ardentemente que projetava no outro seu próprio desejo, que não era nunca a verdade dos fatos.

Encerro por aqui essa história triste e melancólica com uma boa notícia: ela decidiu esquecer. Não dele. Não deles. Mas de si mesma. De sua autoconsciência destruidora e vândala. Viveria absorvida pelo mundo e não mais por ela própria. Viveria, apenas.