CAFÉ COM LEITE
Ela se chamava Aurora, uma mulata de uma beleza radiante, seus olhos negros como a noite, mas uma vida sofredora dentro de uma senzala. Escrava do barão Lionel, um dos homens mais ricos de toda a cidade, ela sofria com seus mal-tratos e sua pele guardava marcas de cicatrizes cruéis.
Numa manhã, recebem a notícia de que Charlles, o filho do barão estava chegando de sua viajem.
-Meu filho! Vou buscá-lo!
Magda, sua esposa, vai até a senzala e chama por Aurora.
-Menina venha aqui.
Aurora se aproxima e Magda a leva até o casarão. Lá troca suas vestes e leva-a para a cozinha.
-Vai servir o chá. Meu filho Charlles está chegando e quero que o sirva bem, entendeu? Ajeite esse cabelo.
Charlles chega sorridente conversando com o pai, mas logo que Magda o ver não poupa lágrimas.
-Charlles meu filho!
-Mamãe, que saudade senti do teu abraço!
-Sente-se,vou pedir para que Aurora lhes sirvam o chá.
Aurora entra e mal notam, pois estão em muita conversa. Charlles fala para a mãe:
-É como eu te disse mamãe, lá não é como aqui. As pessoas são mais fechadas, é cada um por si...
Aurora o serve.
-Obrigado.
Ele sorrir e quando olha atentamente para o rosto de Aurora fica encantado com sua beleza e até esquece do que dizia.
-O que dizia meu filho?
-O que eu dizia? Esqueçamos disso. Por que não me mostram a casa? Noto que desde minha ida muitas coisas mudaram por aqui.
-Tudo bem.
Quando chegam até a senzala o pai comenta com Charlles a compra de novos escravos.
-Mais oito escravos, aqueles ali!
-Só vejo sete.
-Mais Aurora.
-Quem é Aurora?
-A negrinha que nos serviu o chá.
-Ah. Ela é muito educada.
-Claro. Pago caro por esses escravos e educação é o mínimo que eles devem ter!
Quando anoitece, antes do jantar, Magda chama novamente por Aurora.
-Escute aqui, você demostrou ser educada para com eles, por isso não precisará voltar à senzala. Diante em hoje trabalhará nos serviços da cozinha. Ah, antes de servir qualquer coisa lembre de lavar bem as mãos.
Na mesa eles conversam. Charlles conta do dia que ele junto aos amigos fugiam de capatazes imbecis.
-Estou dizendo papai, eram capatazes de Mário Léleo e estavam por toda...
Outra vez é tocado pela presença de Aurora enquanto serve o jantar. Sem querer ele acaba derrubando o copo e Magda repreende Aurora.
-Veja o que você fez sua negrinha idiota! Limpe já isto!
-Não mamãe, a culpa não foi dela! Eu quem...
-Claro que foi!
Charlles tenta ajudá-la a limpar mas o pai o impede.
-Deixe que ela mesmo fará isso!
Antes de ir se deitar, Charlles ouve uma discussão de Magda com Aurora. Magda grita muito irritada enquanto Aurora assustada se mantém em silêncio.
-O que está havendo aqui mamãe?
-Nada que lhe interesse Charlles, vá dormir!
-Ela não teve intenção de derrubar aquele copo, não é mesmo Aurora?
Ela fica calada. Magda pede para que ela se retire. Minutos depois Charlles vai à procura da escrava e por trás da porta de seu quarto ouve um choro baixinho. Ele bate na porta e Aurora teme em abrir.
-Abra Aurora, sou eu, o Charlles!
Ela abre a porta e timidamente responde:
-Senhor.
-Não me chame de senhor. Apenas Charlles. Eu sei que não fez aquilo de propósito. Pode acreditar em mim. Ela te culpou sem causa, não foi? Fale!
Aurora balançou a cabeça e baixo respondeu:
-Sim.
-Compreendo seu silêncio. Não tem direito algum para eles de contrariar suas palavras, ou será castigada. Mas não vou deixar que te façam isso.
Ele sorrir para ela que mesmo assim se sente muito tímida ao seu lado.
No dia seguinte, o barão recebe a visita do conde Amadel e sua esposa Elvira, excelentíssimas pessoas de alta classe, mas assim como ele rigorosas.
-E como vai sua filha Luzia, conde?
-Ah ela está ótima! Acabou de se casar com Martins.
-O filho de nosso amigo Cassiano?
-Exatamente.
-Bom rapaz.
Aurora entra na sala e serve café para todos. O conde Amadel a olha de baixo para cima até que ela se retire da sala.
-Ouça meu amigo Lionel, por quanto me vende essa negrinha?
-Quem? Aurora? Sinto em dizer mas, acabei de comprá-la do amigo Dircel e seus serviços aqui são muito úteis.
-Mas você tem muitos escravos...
-Sinto muito Amadel mas...
Magda entra na sala e os cumprimenta. Logo depois comenta o casamento da filha.
-Mas tão rápido! E soube que vocês tem outra filha, a mais nova, também já casou?
-A Helena? Não, e nem quero que se case com um qualquer, eu a gosto muito.
-Por que não a traz qualquer dias desses para cá e assim apresento meu filho para ela.
Eles sorriem.
Os dias vão se passando e a cada café e refeição que Aurora serve Charlles se sente mais atraído por ela. Até um momento em que não consegue mais esconder. Aurora já percebendo os olhares de Charlles também começa a gostar dele, mas isto jamais diria a ninguém. Enquanto os pais conversam na varanda, Charlles caminha discretamente para o corredor e segura Aurora pelo braço, ela se assusta.
-Calma, só quero conversar com você. Talvez já tenha mais ou menos ideia do que estou sentindo, é porque não resisto mais à você! Quero te beijar.
Ele aproxima seu rosto ao de Aurora e toca suavemente seus lábios,mas ela recua rapidamente.
-O que foi Aurora?
Magda vinha se aproximando dos dois.
-O que acontece aqui?
-Mamãe! eu...
-O que faz com essa negrinha?
-Eu estava... estava procurando por você e perguntei se ela sabia onde você estava. Boa noite!
Ele foi dormir e Magda, desconfiada, puxou Aurora e perguntou:
-Diga-me a verdade ou juro que te mato de chibatadas! O que estavam fazendo?
Aurora fica calada e Magda insiste.
-Fale negra!
-Ele tentou me beijar, senhora baronesa.
-O quê?
Magda, furiosa, vai falar com Lionel.
-Quero essa negrinha longe daqui!
-O que? Meu filho beijando uma negra? Essa me paga!
O barão sai em busca de Aurora e na calada da noite a amarra no tronco e lhe chicoteia.
-Isso é para você aprender sua imunda!
Charlles deitado na cama consegue ouvir os gritos de Aurora e se levanta para ver o que acontece. Quando se depara com Aurora já de joelhos, toda ensanguentada.
-Pare! Pai pare! O que está fazendo?
-Saia daqui Charlles, essa negra vai ter o que merece!
-Ela não fez nada!
-Saia daqui, já mandei!
Charlles empurra o pai que pára. Mas Aurora já está aos chãos.
-Isso vai te servir para não mais esquecer de seus deveres.
Charlles se ajoelha e segurando o rosto de Aurora lhe pergunta:
-O que você o fez?
Ela poupando a voz, responde:
-N...nada.
O barão a leva para a senzala e lá os outros escravos cuidam de suas feridas.
Charlles joga as coisas do quarto irritado, ainda sem entender o porquê daquilo.
Dia seguinte, Charlles é apresentado à Helena, filha do conde. Eles conversam.
-Então Charlles, por que seu pai resolveu tão rápido vender a escrava?
-O quê? Ele a vendeu para seu pai?
-Sim, esta manhã. Não sabia?
Charlles vai desesperado ao encontro do pai.
-Por que não me disse que vendeu Aurora ao conde?
-Ah me poupe! Aquela negrinha! não a quis mais aqui.
Charlles monta o cavalo.
-Aonde pensa que vai?
-Vou buscar Aurora!
-Nem se atreva! Volte aqui!
-Não vou me casar com Helena!
Ele segue até a estação, mas o trem em que está Aurora já ia partindo. Com o cavalo ele acompanha o trem e consegue se aproximar do vagão em que Aurora está e grita pela janela:
-Aurora!
-Senhor Charlles!
-Me perdoe, eu não poderia ter deixado isso acontecer.
-Volte, isso é problema meu!
-Aurora, eu gosto de você!
-Senhor Charlles, pare, isso é loucura!
Ele já não consegue acompanhar o trem, e distanciando-se de Aurora grita uma jura:
-Eu vou te buscar Aurora! Vou te buscar!
O trem já vai longe e nele vai Aurora, onde em sua pele negra como a noite, a aurora chora.