Conquista
O concreto do banco estava quente mesmo sem estar em contato com o sol daquela abafada manhã de domingo. Ainda assim, Aline estava lá, esperando seu ônibus para ir ao cinema sozinha, como sempre tivera o costume de fazer, quando Eduardo chegou e se sentou ao seu lado, mantendo um profundo silêncio que permitia apenas ouvir o barulho dos carros transitando pela avenida. De repente, com a cabeça voltada para o chão, ele disse:
-Você vem sempre aqui?
-Só quando preciso - ela estranhou.
-Me sinto ridículo puxando assunto com uma frase tão clichê qanto essa, mas precisava puxar um papo pra dizer que fiquei encantado por você.
Ela virou o rosto e sorriu, com os cabelos escondendo sua face:
-Obrigada.
-Não sei se estou sendo muito direto, mas gostaria de saber se você gostaria de casar comigo - indagou, passando a mão pelas costas da moça.
Aline quase deu um pulo do banco, mas apenas se afastou, olhando aterrorizada para Eduardo, que era um simples desconhecido para ela.
-Calma, eu estou apenas fazendo uma pergunta do fundo do meu coração - disse ele, erguendo as mãos.
-Mas, para se casar com alguém, é necessário conhecer essa pessoa, namorar, conviver...
-Quem disse que não te conheço? Estou aqui com você faz mais de quinze minutos, me chamo Eduardo, estudo em um colégio que fica a duas ruas daqui e temos o mesmo interesse: esperar um ônibus. Falando nisso, aonde você vai, amor? - ousou Eduardo, voltando a passar a mão pelas costas dela.
-Amor!? Aonde eu vou não te interessa! - berrou Aline, virando as costas para Eduardo - Você certamente não me conhece e já se mostra muitíssimo mal educado! Tire essa mão de perto de mim agora!
-Ok, me desculpe - concluiu Eduardo.
Apenas o barulho dos carros se ouviu até Aline se sentir à vontade e tornar à sua posição inicial, de frente para a avenida. Passados alguns instantes:
-Eu realmente fui muito apressado - recomeçou Eduardo.
-Tenho certeza! - exclamou ela.
-Podemos começar de novo? Como é o seu nome?
-Aline - respondeu secamente.
-Acho que te conheço de algum lugar, Aline.
-Você citou que estuda em um colégio a duas ruas daqui, eu também estudo lá - disse ela.
-Oh! Bem que pensei ter te visto por lá, não apenas por aqui - empolgou-se Eduardo.
-Eu também - respondeu, fria.
-Vou ser sincero com você: eu estava passando por aqui e resolvi tomar coragem para falar com você, pois você possui algo que toca o meu coração.
Ela apertou os lábios e balançou a cabeça.
-Eu penso em você há algum tempo, Aline, fico te olhando de longe, observando como Deus fez alguém tão perfeito - continuou Eduardo, sensibilizando-a.
-Obrigada - disse Aline - Mas como assim você fica me observando?
-Eu... bem... vejo quando você passa, só isso... - hesitou Eduardo.
Ela levantou as sobrancelhas, desconfiando da veracidade do discurso ao qual estava sendo exposta.
-Entendi - disse, apenas.
-Por isso eu gostaria de saber aonde você está indo, para te acompanhar e te conhecer melhor - sondou Eduardo, receoso.
-Já disse que não é da sua conta! Ah, que bom! Meu ônibus chegou!
Eduardo, sem titubear, levantou-se juntamente com ela para sinalizar com o braço para o motorista estacionar. Porém, ao perceber a movimentação de Eduardo, Aline recuou e se sentou novamente.
-Não. Errei o ônibus. Pode ir.
-Também errei o ônibus - imitou Eduardo, sem argumentos.
-Você tem algum problema? Eu estou aqui, na minha paz, e vem um estranho me perturbar! - disse Aline, conferindo a hora em seu celular.
-Não sei se você me entendeu... Eu estou apaixonado por você e quero uma oportunidade de te conhecer melhor.
-Ainda não entendo como é possível você estar apaixonado por uma desconhecida! - gritou Aline, olhando-o como se fosse um alien.
-Tudo bem... você me obriga a admitir! Eu observo você quase todos os domingos atrás daquela árvore - disse ele, apontando uma árvore do outro lado da rua.
-Como?! Você é algum tipo de psicopata que quer me matar? - delirou ela.
-Você acha sinceramente que, se eu fosse um psicopata e quisesse te matar, estaria contando tudo pra você parado neste ponto de ônibus? Eu sou um louco apaixonado, só isso.
Aline ignora o comentário.
-Há sete anos eu estudo na mesma escola e durante todo esse tempo eu observo você de longe, andando com meninas da minha turma, mesmo sendo da outra. Eu nunca tive coragem suficiente pra olhar no fundo dos seus olhos e dizer que eu quero você na minha vida como ninguém jamais esteve.
Aline sentiu uma vontade quase incontrolável de abraçar Eduardo, mas percebeu que estava falando com um desconhecido que a pedira em casamento minutos antes. Por isso se manteve sem dizer nada.
-Eu sinto que esse silêncio significa que você está pensando - continuou Eduardo.
-Talvez esteja pensando em como me livrar de você.
-Eu sei que é difícil pra você entender que, de repente, tem um cara apaixonado por você querendo te namorar - insistiu ele.
-Pra mim, só é difícil entender o porquê da perturbação!
Eduardo abaixou a cabeça, analisou a situação e percebeu que de nada adiantaria continuar insistindo.
-Aline, não vou mais insistir. Agora, eu não quero saber aonde você vai nem com quem, mas eu gostaria de ir ao cinema com você para te conhecer melhor e, depois de um passeio rápido comigo, você vai poder me dispensar com total certeza.
-De onde você tirou a ideia de que eu vou ao cinema com você? - indagou Aline - Você nem sabe se eu tenho namorado!
-Eu fiz um convite, uma proposta, não uma intimação. Sempre que posso, acesso seu perfil na internet e sei que você não tem namorado. Você vai se quiser, porque o que eu sinto por você pode ficar guardado por mais tempo, até você conseguir me engolir e me conhecer como eu sou. Dispensar um louco nervoso que te abordou no ponto de ônibus é fácil...
Os cintilantes olhos castanhos de Aline fitaram Eduardo por alguns instantes enquanto ela refletia as consequências de uma resposta positiva.
-Você ainda está pensando em como me dispensar? - perguntou Eduardo.
-Claro! - blefou Aline.
-Então eu vou te dar um tempo pra pensar - ele disse, já se levantando e, calmamente, afastando-se dela.
-Eduardo! Eu não devia falar isso, mas... estou indo ao cinema. - com alguma resistência, ela disse.
-E daí? Você não vai querer minha presença - disse, de pé.
-Eduardo, desculpe se fui rude. Não quis te decepcionar. Mas acho um abuso você chegar me pedindo em casamento e se encostando em mim! - reclamou Aline.
Eduardo se sentou novamente, chegando perto da moça com um sorriso, o qual ela retribuiu timidamente.
-O que eu sinto por você não vai se abalar facilmente e, pra você saber, eu jamais pediria uma desconhecida em casamento. Eu te conheço mais do que você imagina. Eu nunca me relacionei com ninguém e, por isso me impus um objetivo: observar todas as meninas até encontrar aquela que eu queira que seja minha companheira durante a minha vida.
Os olhos de Aline foram se enxendo de lágrimas até uma escorrer por suas arrojadas bochechas. Vendo isso, Eduardo não proferiu palavra alguma, apenas passou carinhosamente seu polegar pela trilha que a lágrima formara no belo e claro rosto de Aline, borrando sua maquiagem. Nesse instante, Eduardo já estava bem próximo de Aline, e ela se sentia incrivelmente confortável com aquele desconhecido ali, secando suas lágrimas. Ele apoiou a palma de sua mão no rosto dela e começou a acarinhá-la com os dedos como se fosse sua namorada. Ele posicionou seu rosto a centímetros do dela, fitando-a, e ela mirou uma face sem beleza e com defeitos estéticos, mas se encantou com os olhos apaixonados que a tornavam bela.
Assim, os centímetros de distância entre os rostos se tornaram poucos milímetros, até os lábios se tocarem, os corações acelerarem, e o tempo parar. Eduardo estava sem fôlego, mas estava imóvel apenas recebendo o beijo de Aline, que lhe parecia o toque de pétalas em seus lábios. Àquela hora, Aline certamente não encontraria ingressos para o filme que queria. Mas ela mesma já não se importava com isso.