As Férias
É final de ano letivo, Bianca ansiosa fala ao celular com sua melhor amiga Marília contando que já está tudo pronto para a viagem de férias.
Ao desligar o celular Marília se joga na cama e fica pensando em como a sua vida é diferente da vida de Bianca, que sempre está animada, adora estar rodeada por gente nova, nunca se preocupa demais com as coisas, vive cada segundo da vida. Os seus relacionamentos não duram muito, mas ela não dá a mínina pra isso, ama e é feliz até que termine, mesmo que dure apenas 1 mês.
Marília é bem diferente, é mais sonhadora, reservada, e ainda está sofrendo pelo ex, que a deixou à 3 meses.
Enquanto estavam juntos tinham planejado que nestas férias de inverno, iriam para um vilarejo do qual os amigos dele indicaram, ficava distante numa cidadezinha do interior.
Ela é professora, mora e trabalha em Lisboa. Tem um pequeno apartamento onde tudo já estava pronto para morar com o namorado, quando numa bela manhã ele terminou dizendo que precisava de um tempo para colocar as coisas no lugar, porque não se sentia preparado para um relacionamento mais sério.
Uma semana depois descobriu que ele estava com outra. Ela estava desatinada e confusa, até esta manhã, quando decidiu que viajaria sozinha.
Arrumou as coisas que não eram muitas porque estava indo para um lugar onde não tinha restaurantes, boates, cinema, nada do que ela conhecia muito bem e gostava de frequentar. Era um vilarejo calmo, lugar para descansar a cabeça.
Mal dormiu, tomou o seu café, pegou suas coisas e foi de ônibus até as estação de trem. A viagem estava maravilhosa, o barulho do trem, a fumaça, a paisagem, tudo estava maravilhoso, partes das montanhas estavam cobertas por neve, o ar estava gelado. Com as luvas ela limpou um pedaço do vidro e viu que já estava quase escurecendo. Nem havia percebido o tempo passar. Jantou e se retirou para o dormitório, estreito, mas aconchegante. E pela primeira vez, não pensou no ex-namorado, e pode pegar no sono em paz.
No meio da madrugada ela acordou com um barulho ensurdecedor e foi arremessada ao chão batendo com a cabeça na parede da cabine. Começou a entrar em pânico com os gritos vindos de fora do seu dormitório. Alguém bateu forte na sua porta, gritou chamando por ela, pedindo para que ela pegasse as suas coisas e se encaminhasse a saída mais próxima o mais rápido possível.
Ela nem se quer teve tempo de perguntar o que havia acontecido. Lá fora lhe contaram que o trem precisou frear bruscamente porque metros adiante uma ponte pela qual iriam passar havia se rompido, e com a freada muitos eixos haviam se quebrado.
Depois de se acalmar um pouco é que ela percebeu o corte enorme na cabeça e o sangue escorrendo.
Foram encaminhados para um vilarejo muito pequeno que ela nunca havia ouvido nada sobre ele. Um lugar que parecia ter parado no tempo, tudo era lindo e muito antigo, até as pessoas tinham um comportamento antiquado para a época.
Tentou não reparar e mesmo tendo o corte estancado apenas com um pano que lhe deram, e que ela pressionava com a mão, foi deixada entre os últimos na fila, pois mães e crianças foram acomodados primeiro, depois homens sozinhos encaminhados as pousadas.
Sobrou um grupo de 5 pessoas, 2 casais e ela.
O velho padre do vilarejo os acolheu levando-os para a igreja. Ele ficou muito preocupado com ela, pois seu ferimento estava feio. Foram acomodados. Os casais disseram q retornariam para a cidade na manhã seguinte, mas ela nem cogitou esta idéia, não queria perder as suas férias de jeito nenhum.
Seu ferimento foi curado e limpo, mas quando se deitou começou a passar mal e a ter febre alta, chegou a delirar e enxergar um padre jovem, depois um idoso, depois o jovem de novo, o idoso, e por fim só enxergava o padre jovem. Achou que tinha morrido.
Na manhã seguinte quando acordou naquele quarto simples, com as paredes frias que só era aquecida pela pequena lareira, percebeu que estava viva. Se assustou quando o padre entrou lhe trazendo o café da manhã, perguntando se ela estava bem.
Percebendo o desconcerto dela pela sua presença, ele se apresentou. Era o padre Jorge, o padre mais jovem que o vilarejo já teve, e por isso não tinham muita credibilidade nele. O antigo padre, o Sr Antônio, estava sendo encaminhado a cidade para um tratamento médico, pois andava doente, Naquela manhã ele partiu para a cidade e ficara apenas Jorge em seu lugar.
Ele relatou tudo o que tinha acontecido durante a noite.
Ela só ouvia, estava perplexa, curiosa, se sentia bem e a vontade agora, até se esqueceu de perguntar pelos outros 2 casais. Jorge foi quem contou que eles haviam retornado aquela manhã mesmo.
Marília quiz saber tudo sobre aquele vilarejo, que ela nunca tinha ouvido falar.
Jorge revelou que havia ficado surpreso quando ali chegou. Por carta o padre Antônio já havia lhe informado sobre os costumes e modo de viver daquele povo, mas ele só acreditou quando ali chegou e presenciou as atitudes de pessoas que pararam no tempo. Contou a Marília que não tinham telefone, que mulheres sozinhas nunca eram bem vistas e nunca eram aceitas em pousadas, não comiam nos restaurantes das pousadas, não faziam compras desacompanhadas, e só aprendiam a ler depois de grandes e com as suas mães, pais, ou irmãos.
Ela ficou absuradmente espantada, mas riu de algumas coisas, ele também, pois apesar de ser padre era como outro homem qualquer e moderno como a professora que veio da cidade grande.
Os dias passaram e ela foi se sentindo a vontade para confessar as suas dores e sofrimentos ao padre que sempre atento a ouvia.
Ela queria sair, passear, não queria perder as suas férias tão esperada. Mas não podia chegar ao seu destino porque a ponte ainda não havia sido consertada.
O padre lhe contou que as pessoas estavam falando da moça da igreja. Ela se magoou. Percebendo a mágoa dela ele tocou-lhe a mão querendo afagá-la.
Aquele toque despertou sensações nos dois, que percebendo se afastaram dando as costas um ao outro disfarçando.
Ele só voltou horas depois, quando ela já se sentia enclausurada, prisioneira numa cela fria. Estava sorridente e perguntou se ela toparia uma caminhada as escondidas do povoado. Teriam que sair pelos fundos da igreja e subir a montanha. Disse que ela não perderia as férias, e que as dores do coração poderiam ser curadas com um bom passeio.
Marília riu e disse que em toda a sua vida, nunca tinha imaginado que poderia conhecer um padre tão diferente e maluco.
Aí foi a vez dele rir.
Se agasalharam muito, pegaram as suas mochilas e foram. Conversaram, riram muito enquanto caminhavam. Ela ficou imprescionada com o homem que ali estava, sua mãe teria dito que é um partidão!
Tentou espantar os pensamentos pecaminosos, apesar de não frequentar a igreja, respeitava quem assim o fazia e seguia. Desejou que o celular tivesse sinal apenas uma única vez para ligar para Bianca, e contar das suas férias maluca. Tiraram muitas fotos com o celular, juntos e separados.
Jorge lhe mostrou o lago quente, as árvores centenárias, e prometeu que no dia seguinte pegariam escondidos o trem de carga que dava uma parada rápida ali numa antiga estação e seguia um caminho montanha a dentro.
Ela amou a loucura e topou na hora.
A noite ele celebrou a missa. Escondida no escuro da escadaria lá em cima, ela presenciou a fé e a devoção dele ao pronunciar as palavras, e também a fofoca correndo solta entre as pessoas, que observavam atentas cada canto da igreja à sua procura. Quando todos já haviam saído, pelo menos foi o que ela pensou, seguiu até o altar para falar com ele, se escondeu atrás do pilar e ouviu as duas senhoras dizendo-lhe que já havia passado da hora de mandar aquela mulher embora, que não era aceito uma mulher sozinha com um homem, ainda mais um padre, e com ameaças disfarçadas disseram que algumas pessoas estavam escrevendo aos seus superiores para relatar o que estava acontecendo.
Ele gentil como sempre, ouviu sem argumentar e levou as senhoras até a saída, fechou a porta e ficou encostado nela perdido em pensamentos.
Ela observou-o por alguns instantes e saiu de trás do pilar e foi ao seu encontro, que despertou ao vê-la, pedindo que ela não se preocupasse com as pessoas, e que ele já havia sido advertido pelos seus superiores da rigidez daquele povoado. Jantaram e ele contou para ela que amava esportes e praticava sempre que podia, nadar, correr e pedalar eram os seus preferidos. Conversavam sobre tudo, menos sobre religião, evitavam entrar em discussão, pois sabiam que tinham visões completamente diferentes a respeito disso e nunca chegariam a um consenso.
Ela adormeceu rápido e se deixou viajar num sonho que virou pesadelo. Ele vinha no corredor entre os bancos da igreja sedento de desejo. Ela ardia em chamas à sua espera no altar, se abraçaram, se beijaram com fúria e se entregaram aos desejos carnais. Ele ainda estava em cima dela quando ela observou Jesus na cruz com olhar furioso, vermelho de ódio. Sangrando muito ele se soltou dos pregos que o prendiam fazendo espirrar sangue nas costas de Jorge, abrindo os braços, ele veio para pegá-la.
O coração disparou, ela gritou de horror. Acordou em prantos, e a cena repetia sem parar na sua mente, gritava pedindo perdão sem parar.
Ele acordou assustado, correu até o quarto dela. Sentou-se na beira da cama e tentou segurar os seus braços, tentando acalmá-la.
Quando ela percebeu que ele a tocava, gritou com ele pedindo para que tirasse as mãos dela, como se tivesse sendo atacada por ele.
Que no susto deu um salto e saiu da cama pedindo desculpas.
Ela despertando do seu disparate, escondeu o rosto entre as mãos e pediu desculpas a ele, deixou que as lágrimas viessem para lavar o terror que o pesadelo lhe causara.
Jorge se aproximou receoso do nervosismo dela, sentou-se novamente dizendo coisas para acalmá-la, passou-lhe a mão pelos cabelos num ato não premeditado e sem qualquer intenção.
Ela pendeu e recostou a cabeça no seu peito, que ficou sem saber o que fazer, apenas ficou em silêncio deixando que ela repousasse até se acalmar.
Quando ela já estava melhor, ele saiu, foi buscar um chá. Ao retornar, tentou puxar conversa, queria saber o que tinha provocado tudo aquilo. Desistiu quando percebeu que ela estava absorta em seus pensamentos, tinha o olhar vago, perdido. Ela deitou calada, Jorge a cobriu e foi dormir também.
Marília não dormiu, não conseguia, ficou procurando um sentido para o pesadelo. Num estalo se descobriu apaixonada pelo padre. Um misto de emoções desencontradas fervia dentro do peito. Se sentiu feliz por ter descoberto que já não se lembrava e nem sofria mais pelo ex, e imensamente triste por saber que aquela paixão jamais teria futuro.
Pegou no sono muito tarde, e foi acordada por ele que já estava pronto para o passeio. Já estava recomposta da noite passada e se sentia feliz, estranhamente feliz. Tomou seu banho , se perfumou, se arrumou e só parou de se emperequetar quando se deu conta de que estava exagerando.
Quando se viram, ele não soube disfarçar o impacto causado por ela, que até ouviu um elogio dele, muito sútil é verdade, mas ouviu.
Foi um dia incrível, entraram escondidos de carona num vagão de carga, passaram por lugares lindos. Havia muito tempo que ela não se sentia tão feliz assim. A cada mão dada para se apoiar, a cada encostada, era possível perceber a química, a atração, o desejo entre eles, a vontade de estarem mais próximos.
Já na sua cama Marília sonhava acordada com aquele dia, olhou mais uma vez para o celular e nada de sinal, olhou as fotos. Começou a ouvir gemidos de dor e sussurro, caminhou até o quarto do padre, empurrou devagarinho a porta e pela fresta pode ver ele rezando pedindo perdão e se auto-flagelando. Levando a mão ao peito, como se sentisse o coração doer, Marília correu para o seu quarto, trancou a porta e chorando pedia perdão pela dor provocada no padre, jurou que iria embora e começou a arrumar as suas coisas. De repente ouviu o estrondo de um tacho caindo e correu ver o que estava acontecendo. Encontrou ele debruçado no fogão à lenha, apertando a barriga com força, e nas suas costas manchas de sangue na camisa.
Em silêncio e sem olhares encontrados, ela o socorreu, colocando sentado numa cadeira, tirou sua camisa e curou-lhe os ferimentos.
Num determinado momento ele pegou uma das mãos dela e trouxe até sua boca. A respiração quente dele foi sentida por ela que parou de respirar. Beijou com carinho a mão de Marília, que se abaixou e se entregando ao desejo sem pensar em nada. Se beijaram com sentimento e fervor por minutos, mãos e línguas se acariciaram. O desejo entre homem e mulher se acendeu.
Ela despertou desconcertada, se levantou e foi até o quarto. Cheia de remorsos, teve o impulso final para ir embora, apenas terminou de arrumar as coisas. Teve vontade de sair naquele instante, e só não foi porque sabia que ninguém a abrigaria, que não existia locomoção pra sair daquele lugar e já era tarde da noite.
Jorge bateu na porta, que ela não atendeu, ele insistiu, forçou, até que a porta se abriu.
Deixou claro que partiria de manhã, e pediu perdão à ele que já recomposto e tendo muito mais de padre do que do homem que acabara de se entregar as carícias e desejos, a fez compreender que deslizes e fraquezas, todos estamos sujeitos a cometer, já que somos seres humanos e fracos, totalmente expostos ao pecado. Sofreu em dobro ao ouvir isso, se viu apaixonada e sozinha novamente. Ele fechou a porta e foi para o seu quarto.
Ela não pregou os olhos a noite toda, se acalmou, mas não dormiu. Se culpou por ser assim frágil e apaixonada, por entregar o coração sempre a quem nunca respondia a altura.
Jorge pegou no sono de madrugada.
Quando ela saiu estava escuro, eram 4:00 da madrugada, olhou para o quarto frio, para as paredes de pedra, ficou relembrando os dias felizes que viveu ali dentro de uma igreja, lugar onde ela já não entrava fazia anos. Olhou para a sacristia e pediu perdão pelo seu pecado, saiu devagarinho, a lua iluminava a estrada de ferro por onde ela caminharia retornando até encontrar outro vilarejo. Começou a sua caminhada sem saber onde e nem quando iria chegar, só sabia que queria sumir daquele lugar o quanto antes.
Horas depois com o sol ofuscando a vista e as pernas não aguentando mais, ela levou a mão ao bolso da mochila procurando o celular para ver as horas. Não encontrou, procurou por tudo e se deu conta de que havia esquecido. Achou que assim foi melhor, nada de lembranças e menos sofrimento. Continuou e logo a frente avistou uma estação de trem um alvoroço, porque o trem já iria partir, tentou andar depressa, mas caiu de fraqueza, as pessoas viram e socorreram-na levando até o trem e acomodando no banco. Lhe deram de comer pois estava fraca e faminta, quando perguntou as horas, ficou assustada em descobrir que por 4H e 30MIN andou sem parar.
Horas mais tarde já estava na cidade pegando um ônibus de volta a sua casa. Tarde da noite estava destrancando a porta do seu apartamento, se jogou no sofá, ligou a secretária e ouviu as dezenas de mensagens deixadas, a maioria da sua mãe, e o resto eram mensagens cortadas porque com certeza Bianca só conseguia ligar de telefones públicos. Tentou ligar para o celular da amiga e nada de chamar. Bateu a solidão e a tristeza novamente.
Por uma semana ela ainda teve a esperança de atender o telefone e ser ele, ou Bianca, mas nenhum dos dois ligou. Ainda faltavam 2 semanas de férias, para ela seriam 2 semanas de sofrimento e solidão.
Numa sexta-feira de manhã, que estava fria e nublada tocou a campainha, ela pensou: -É Bianca!!! Deixou o copo de leite na pia e foi atender. Para sua surpresa era o entregador do seu celular que disse:
-Achei que você não iria querer se desfazer das lembranças dos nos nossos dias juntos.
Sem pensar, ela se jogou nos braços dele, que retribuiu em sentimento e desejo. Tiveram o primeiro final de semana juntos, (de milhares deles), e o resto das férias na montanha.
Na segunda-feira, quando ela já entrava no carro para rumar as montanhas com Jorge, lá dentro do apartamento o telefone toca até a secretária atender, era Bianca:
"-Amiiiga, a única ligação sua que recebi foi uma chamada do seu celular. E para espanto meu, uma voz de homem, e que voz! estava desesperado atrás de notícias suas, do seu endereço. Só depois que ouvi parte da história é que mandei ele aí. O que você andou aprontando nestas férias, hein? kkkk. Quero a história completa quando voltar...te amo, beijo, beijo, beijo."
Homenagem feita por Bianca à sua amiga Marília, que partiu hoje, 26/04/2077, aos 96 anos, 1 ano após a morte do seu amado esposo Jorge, com quem viveu e continuará a viver, como sempre repetiu ela, por toda eternidade.
Eu Bianca, nunca vivi um amor assim, mas fui imensamente feliz, por saber que alguém que tanto amo pode desfrutar do amor mágico, puro e sincero.
É final de ano letivo, Bianca ansiosa fala ao celular com sua melhor amiga Marília contando que já está tudo pronto para a viagem de férias.
Ao desligar o celular Marília se joga na cama e fica pensando em como a sua vida é diferente da vida de Bianca, que sempre está animada, adora estar rodeada por gente nova, nunca se preocupa demais com as coisas, vive cada segundo da vida. Os seus relacionamentos não duram muito, mas ela não dá a mínina pra isso, ama e é feliz até que termine, mesmo que dure apenas 1 mês.
Marília é bem diferente, é mais sonhadora, reservada, e ainda está sofrendo pelo ex, que a deixou à 3 meses.
Enquanto estavam juntos tinham planejado que nestas férias de inverno, iriam para um vilarejo do qual os amigos dele indicaram, ficava distante numa cidadezinha do interior.
Ela é professora, mora e trabalha em Lisboa. Tem um pequeno apartamento onde tudo já estava pronto para morar com o namorado, quando numa bela manhã ele terminou dizendo que precisava de um tempo para colocar as coisas no lugar, porque não se sentia preparado para um relacionamento mais sério.
Uma semana depois descobriu que ele estava com outra. Ela estava desatinada e confusa, até esta manhã, quando decidiu que viajaria sozinha.
Arrumou as coisas que não eram muitas porque estava indo para um lugar onde não tinha restaurantes, boates, cinema, nada do que ela conhecia muito bem e gostava de frequentar. Era um vilarejo calmo, lugar para descansar a cabeça.
Mal dormiu, tomou o seu café, pegou suas coisas e foi de ônibus até as estação de trem. A viagem estava maravilhosa, o barulho do trem, a fumaça, a paisagem, tudo estava maravilhoso, partes das montanhas estavam cobertas por neve, o ar estava gelado. Com as luvas ela limpou um pedaço do vidro e viu que já estava quase escurecendo. Nem havia percebido o tempo passar. Jantou e se retirou para o dormitório, estreito, mas aconchegante. E pela primeira vez, não pensou no ex-namorado, e pode pegar no sono em paz.
No meio da madrugada ela acordou com um barulho ensurdecedor e foi arremessada ao chão batendo com a cabeça na parede da cabine. Começou a entrar em pânico com os gritos vindos de fora do seu dormitório. Alguém bateu forte na sua porta, gritou chamando por ela, pedindo para que ela pegasse as suas coisas e se encaminhasse a saída mais próxima o mais rápido possível.
Ela nem se quer teve tempo de perguntar o que havia acontecido. Lá fora lhe contaram que o trem precisou frear bruscamente porque metros adiante uma ponte pela qual iriam passar havia se rompido, e com a freada muitos eixos haviam se quebrado.
Depois de se acalmar um pouco é que ela percebeu o corte enorme na cabeça e o sangue escorrendo.
Foram encaminhados para um vilarejo muito pequeno que ela nunca havia ouvido nada sobre ele. Um lugar que parecia ter parado no tempo, tudo era lindo e muito antigo, até as pessoas tinham um comportamento antiquado para a época.
Tentou não reparar e mesmo tendo o corte estancado apenas com um pano que lhe deram, e que ela pressionava com a mão, foi deixada entre os últimos na fila, pois mães e crianças foram acomodados primeiro, depois homens sozinhos encaminhados as pousadas.
Sobrou um grupo de 5 pessoas, 2 casais e ela.
O velho padre do vilarejo os acolheu levando-os para a igreja. Ele ficou muito preocupado com ela, pois seu ferimento estava feio. Foram acomodados. Os casais disseram q retornariam para a cidade na manhã seguinte, mas ela nem cogitou esta idéia, não queria perder as suas férias de jeito nenhum.
Seu ferimento foi curado e limpo, mas quando se deitou começou a passar mal e a ter febre alta, chegou a delirar e enxergar um padre jovem, depois um idoso, depois o jovem de novo, o idoso, e por fim só enxergava o padre jovem. Achou que tinha morrido.
Na manhã seguinte quando acordou naquele quarto simples, com as paredes frias que só era aquecida pela pequena lareira, percebeu que estava viva. Se assustou quando o padre entrou lhe trazendo o café da manhã, perguntando se ela estava bem.
Percebendo o desconcerto dela pela sua presença, ele se apresentou. Era o padre Jorge, o padre mais jovem que o vilarejo já teve, e por isso não tinham muita credibilidade nele. O antigo padre, o Sr Antônio, estava sendo encaminhado a cidade para um tratamento médico, pois andava doente, Naquela manhã ele partiu para a cidade e ficara apenas Jorge em seu lugar.
Ele relatou tudo o que tinha acontecido durante a noite.
Ela só ouvia, estava perplexa, curiosa, se sentia bem e a vontade agora, até se esqueceu de perguntar pelos outros 2 casais. Jorge foi quem contou que eles haviam retornado aquela manhã mesmo.
Marília quiz saber tudo sobre aquele vilarejo, que ela nunca tinha ouvido falar.
Jorge revelou que havia ficado surpreso quando ali chegou. Por carta o padre Antônio já havia lhe informado sobre os costumes e modo de viver daquele povo, mas ele só acreditou quando ali chegou e presenciou as atitudes de pessoas que pararam no tempo. Contou a Marília que não tinham telefone, que mulheres sozinhas nunca eram bem vistas e nunca eram aceitas em pousadas, não comiam nos restaurantes das pousadas, não faziam compras desacompanhadas, e só aprendiam a ler depois de grandes e com as suas mães, pais, ou irmãos.
Ela ficou absuradmente espantada, mas riu de algumas coisas, ele também, pois apesar de ser padre era como outro homem qualquer e moderno como a professora que veio da cidade grande.
Os dias passaram e ela foi se sentindo a vontade para confessar as suas dores e sofrimentos ao padre que sempre atento a ouvia.
Ela queria sair, passear, não queria perder as suas férias tão esperada. Mas não podia chegar ao seu destino porque a ponte ainda não havia sido consertada.
O padre lhe contou que as pessoas estavam falando da moça da igreja. Ela se magoou. Percebendo a mágoa dela ele tocou-lhe a mão querendo afagá-la.
Aquele toque despertou sensações nos dois, que percebendo se afastaram dando as costas um ao outro disfarçando.
Ele só voltou horas depois, quando ela já se sentia enclausurada, prisioneira numa cela fria. Estava sorridente e perguntou se ela toparia uma caminhada as escondidas do povoado. Teriam que sair pelos fundos da igreja e subir a montanha. Disse que ela não perderia as férias, e que as dores do coração poderiam ser curadas com um bom passeio.
Marília riu e disse que em toda a sua vida, nunca tinha imaginado que poderia conhecer um padre tão diferente e maluco.
Aí foi a vez dele rir.
Se agasalharam muito, pegaram as suas mochilas e foram. Conversaram, riram muito enquanto caminhavam. Ela ficou imprescionada com o homem que ali estava, sua mãe teria dito que é um partidão!
Tentou espantar os pensamentos pecaminosos, apesar de não frequentar a igreja, respeitava quem assim o fazia e seguia. Desejou que o celular tivesse sinal apenas uma única vez para ligar para Bianca, e contar das suas férias maluca. Tiraram muitas fotos com o celular, juntos e separados.
Jorge lhe mostrou o lago quente, as árvores centenárias, e prometeu que no dia seguinte pegariam escondidos o trem de carga que dava uma parada rápida ali numa antiga estação e seguia um caminho montanha a dentro.
Ela amou a loucura e topou na hora.
A noite ele celebrou a missa. Escondida no escuro da escadaria lá em cima, ela presenciou a fé e a devoção dele ao pronunciar as palavras, e também a fofoca correndo solta entre as pessoas, que observavam atentas cada canto da igreja à sua procura. Quando todos já haviam saído, pelo menos foi o que ela pensou, seguiu até o altar para falar com ele, se escondeu atrás do pilar e ouviu as duas senhoras dizendo-lhe que já havia passado da hora de mandar aquela mulher embora, que não era aceito uma mulher sozinha com um homem, ainda mais um padre, e com ameaças disfarçadas disseram que algumas pessoas estavam escrevendo aos seus superiores para relatar o que estava acontecendo.
Ele gentil como sempre, ouviu sem argumentar e levou as senhoras até a saída, fechou a porta e ficou encostado nela perdido em pensamentos.
Ela observou-o por alguns instantes e saiu de trás do pilar e foi ao seu encontro, que despertou ao vê-la, pedindo que ela não se preocupasse com as pessoas, e que ele já havia sido advertido pelos seus superiores da rigidez daquele povoado. Jantaram e ele contou para ela que amava esportes e praticava sempre que podia, nadar, correr e pedalar eram os seus preferidos. Conversavam sobre tudo, menos sobre religião, evitavam entrar em discussão, pois sabiam que tinham visões completamente diferentes a respeito disso e nunca chegariam a um consenso.
Ela adormeceu rápido e se deixou viajar num sonho que virou pesadelo. Ele vinha no corredor entre os bancos da igreja sedento de desejo. Ela ardia em chamas à sua espera no altar, se abraçaram, se beijaram com fúria e se entregaram aos desejos carnais. Ele ainda estava em cima dela quando ela observou Jesus na cruz com olhar furioso, vermelho de ódio. Sangrando muito ele se soltou dos pregos que o prendiam fazendo espirrar sangue nas costas de Jorge, abrindo os braços, ele veio para pegá-la.
O coração disparou, ela gritou de horror. Acordou em prantos, e a cena repetia sem parar na sua mente, gritava pedindo perdão sem parar.
Ele acordou assustado, correu até o quarto dela. Sentou-se na beira da cama e tentou segurar os seus braços, tentando acalmá-la.
Quando ela percebeu que ele a tocava, gritou com ele pedindo para que tirasse as mãos dela, como se tivesse sendo atacada por ele.
Que no susto deu um salto e saiu da cama pedindo desculpas.
Ela despertando do seu disparate, escondeu o rosto entre as mãos e pediu desculpas a ele, deixou que as lágrimas viessem para lavar o terror que o pesadelo lhe causara.
Jorge se aproximou receoso do nervosismo dela, sentou-se novamente dizendo coisas para acalmá-la, passou-lhe a mão pelos cabelos num ato não premeditado e sem qualquer intenção.
Ela pendeu e recostou a cabeça no seu peito, que ficou sem saber o que fazer, apenas ficou em silêncio deixando que ela repousasse até se acalmar.
Quando ela já estava melhor, ele saiu, foi buscar um chá. Ao retornar, tentou puxar conversa, queria saber o que tinha provocado tudo aquilo. Desistiu quando percebeu que ela estava absorta em seus pensamentos, tinha o olhar vago, perdido. Ela deitou calada, Jorge a cobriu e foi dormir também.
Marília não dormiu, não conseguia, ficou procurando um sentido para o pesadelo. Num estalo se descobriu apaixonada pelo padre. Um misto de emoções desencontradas fervia dentro do peito. Se sentiu feliz por ter descoberto que já não se lembrava e nem sofria mais pelo ex, e imensamente triste por saber que aquela paixão jamais teria futuro.
Pegou no sono muito tarde, e foi acordada por ele que já estava pronto para o passeio. Já estava recomposta da noite passada e se sentia feliz, estranhamente feliz. Tomou seu banho , se perfumou, se arrumou e só parou de se emperequetar quando se deu conta de que estava exagerando.
Quando se viram, ele não soube disfarçar o impacto causado por ela, que até ouviu um elogio dele, muito sútil é verdade, mas ouviu.
Foi um dia incrível, entraram escondidos de carona num vagão de carga, passaram por lugares lindos. Havia muito tempo que ela não se sentia tão feliz assim. A cada mão dada para se apoiar, a cada encostada, era possível perceber a química, a atração, o desejo entre eles, a vontade de estarem mais próximos.
Já na sua cama Marília sonhava acordada com aquele dia, olhou mais uma vez para o celular e nada de sinal, olhou as fotos. Começou a ouvir gemidos de dor e sussurro, caminhou até o quarto do padre, empurrou devagarinho a porta e pela fresta pode ver ele rezando pedindo perdão e se auto-flagelando. Levando a mão ao peito, como se sentisse o coração doer, Marília correu para o seu quarto, trancou a porta e chorando pedia perdão pela dor provocada no padre, jurou que iria embora e começou a arrumar as suas coisas. De repente ouviu o estrondo de um tacho caindo e correu ver o que estava acontecendo. Encontrou ele debruçado no fogão à lenha, apertando a barriga com força, e nas suas costas manchas de sangue na camisa.
Em silêncio e sem olhares encontrados, ela o socorreu, colocando sentado numa cadeira, tirou sua camisa e curou-lhe os ferimentos.
Num determinado momento ele pegou uma das mãos dela e trouxe até sua boca. A respiração quente dele foi sentida por ela que parou de respirar. Beijou com carinho a mão de Marília, que se abaixou e se entregando ao desejo sem pensar em nada. Se beijaram com sentimento e fervor por minutos, mãos e línguas se acariciaram. O desejo entre homem e mulher se acendeu.
Ela despertou desconcertada, se levantou e foi até o quarto. Cheia de remorsos, teve o impulso final para ir embora, apenas terminou de arrumar as coisas. Teve vontade de sair naquele instante, e só não foi porque sabia que ninguém a abrigaria, que não existia locomoção pra sair daquele lugar e já era tarde da noite.
Jorge bateu na porta, que ela não atendeu, ele insistiu, forçou, até que a porta se abriu.
Deixou claro que partiria de manhã, e pediu perdão à ele que já recomposto e tendo muito mais de padre do que do homem que acabara de se entregar as carícias e desejos, a fez compreender que deslizes e fraquezas, todos estamos sujeitos a cometer, já que somos seres humanos e fracos, totalmente expostos ao pecado. Sofreu em dobro ao ouvir isso, se viu apaixonada e sozinha novamente. Ele fechou a porta e foi para o seu quarto.
Ela não pregou os olhos a noite toda, se acalmou, mas não dormiu. Se culpou por ser assim frágil e apaixonada, por entregar o coração sempre a quem nunca respondia a altura.
Jorge pegou no sono de madrugada.
Quando ela saiu estava escuro, eram 4:00 da madrugada, olhou para o quarto frio, para as paredes de pedra, ficou relembrando os dias felizes que viveu ali dentro de uma igreja, lugar onde ela já não entrava fazia anos. Olhou para a sacristia e pediu perdão pelo seu pecado, saiu devagarinho, a lua iluminava a estrada de ferro por onde ela caminharia retornando até encontrar outro vilarejo. Começou a sua caminhada sem saber onde e nem quando iria chegar, só sabia que queria sumir daquele lugar o quanto antes.
Horas depois com o sol ofuscando a vista e as pernas não aguentando mais, ela levou a mão ao bolso da mochila procurando o celular para ver as horas. Não encontrou, procurou por tudo e se deu conta de que havia esquecido. Achou que assim foi melhor, nada de lembranças e menos sofrimento. Continuou e logo a frente avistou uma estação de trem um alvoroço, porque o trem já iria partir, tentou andar depressa, mas caiu de fraqueza, as pessoas viram e socorreram-na levando até o trem e acomodando no banco. Lhe deram de comer pois estava fraca e faminta, quando perguntou as horas, ficou assustada em descobrir que por 4H e 30MIN andou sem parar.
Horas mais tarde já estava na cidade pegando um ônibus de volta a sua casa. Tarde da noite estava destrancando a porta do seu apartamento, se jogou no sofá, ligou a secretária e ouviu as dezenas de mensagens deixadas, a maioria da sua mãe, e o resto eram mensagens cortadas porque com certeza Bianca só conseguia ligar de telefones públicos. Tentou ligar para o celular da amiga e nada de chamar. Bateu a solidão e a tristeza novamente.
Por uma semana ela ainda teve a esperança de atender o telefone e ser ele, ou Bianca, mas nenhum dos dois ligou. Ainda faltavam 2 semanas de férias, para ela seriam 2 semanas de sofrimento e solidão.
Numa sexta-feira de manhã, que estava fria e nublada tocou a campainha, ela pensou: -É Bianca!!! Deixou o copo de leite na pia e foi atender. Para sua surpresa era o entregador do seu celular que disse:
-Achei que você não iria querer se desfazer das lembranças dos nos nossos dias juntos.
Sem pensar, ela se jogou nos braços dele, que retribuiu em sentimento e desejo. Tiveram o primeiro final de semana juntos, (de milhares deles), e o resto das férias na montanha.
Na segunda-feira, quando ela já entrava no carro para rumar as montanhas com Jorge, lá dentro do apartamento o telefone toca até a secretária atender, era Bianca:
"-Amiiiga, a única ligação sua que recebi foi uma chamada do seu celular. E para espanto meu, uma voz de homem, e que voz! estava desesperado atrás de notícias suas, do seu endereço. Só depois que ouvi parte da história é que mandei ele aí. O que você andou aprontando nestas férias, hein? kkkk. Quero a história completa quando voltar...te amo, beijo, beijo, beijo."
Homenagem feita por Bianca à sua amiga Marília, que partiu hoje, 26/04/2077, aos 96 anos, 1 ano após a morte do seu amado esposo Jorge, com quem viveu e continuará a viver, como sempre repetiu ela, por toda eternidade.
Eu Bianca, nunca vivi um amor assim, mas fui imensamente feliz, por saber que alguém que tanto amo pode desfrutar do amor mágico, puro e sincero.