Bárbara em... Lambuzada de sorvete
Imagine você em pleno século XXI morar em uma casa sem TV, sem acesso a internet e o único celular da casa indo privada abaixo, sem telefones, sem paciência, isso só poderia ser coisa dela, a tal da Bárbara. Mesmo que sem sentido, dessa vez não era por tristeza, acordou feliz, resolveu tomar um sorvete, na praia, em um parque, qualquer sabor, ainda que sozinha, dessa vez não ligava, estava feliz. Isso bastava. Demorava horas para se arrumar, caprichos, -- típicos e necessário das mulheres, mais necessário do que típico – a menina era simplesmente linda, roupa nenhuma mudaria isso, mas ainda estava se livrando de um complexo de inferioridade, que a fazia provar diversos modelitos, inúmeras vezes, até que se achasse, ‘apresentável’. Bobagem, estava linda como esteve em todas as roupas que experimentou. Coisas de mulher, procurar autoconfiança nas roupas, maquiagem, enquanto poderiam facilmente encontrar dentro delas. Maquiou-se toda, como fazia muito bem, quem a via, imaginara tudo, menos que ia sozinha tomar um sorvete no meio do nada, em uma pracinha, em um lugar onde tipicamente as pessoas frequentavam de chinelo, camiseta, shortinhos, que é usual das cidades calorentas. Acompanhada de sua felicidade que não via há tempos, carregava na bolsa a carteira e um batom, já que o celular havia ido ao lixo, nem ligava, caminhava como se o mundo enfim a ela pertencesse. Passos firmes, despertando olhares, desejos, tudo que a jovem menina não tinha fazia tempos, porém não ligava muito para isso, estava concentrada em seu sorvete, no seu momento de felicidade. Quem diria, no bairro, onde todos a tinham como maluca, por seu semblante sempre triste, sua casa obsoleta, sua solidão conhecida, e seus ataques de insanidades comentados, embora muito mal conhecidos, passara a ser o centro das atenções naquela manhã de sábado. Manhã que o sol nasceu diferente para doce menina, pedia um sorriso, uma maior entrega para buscar a sua tão desejada felicidade. Comprado o sorvete sentou-se em um banco na praça com um livro no colo; ‘Meia noite em Paris’, escolhido por acaso, e agora lambuzado pelo sorvete que caíra no livro e na sua saia branca, sujando também sua blusa de cor clara, para desespero e destempero da menina, que agora estava furiosa. Bárbara era assim, tudo havia de ser muito perfeito, ou então estava tudo muito errado, havia uma linha tênue entre seu sossego e sua insanidade, agora ela estava entregue a sua incerteza, a sua fragilidade, de uma menina que há tempos não era feliz, e a qualquer momento poderia surtar... Implorando por atenção, para ficar sozinha, a menina é completamente confusa, insana, por amores e falta deles, isso fazia com que a qualquer instante perdesse a razão, fosse por uma roupa suja, um sorvete, fosse pelo que fosse. Enquanto esbravejava consigo mesma, por seu desastre, mais um deles, um rapaz fascinado por sua beleza, seu ar de mistério, no instante seguinte pegou uns guardanapos com o vendedor de sorvete e lhe ofereceu: -- ‘posso ajudar?’ E lá foi Bárbara agindo pelo destempero, que já era sua marca; -- ‘Sim, preciso de um beijo, um abraço, um bom amigo, um livro novo, e alguém que cuide dos meus ursos de pelúcia enquanto não estou em casa, agora talvez precise de um telefone novo, ou de pessoas novas para me ligar, e de uma blusa nova, ou limpa!’, dizia com uma ingenuidade em um tom de desabafo, as palavras lhe saíram cortando a boca como se não falasse há tempos. Sorrindo o jovem deu-lhe os guardanapos, dizendo; --‘ talvez eu possa providenciar alguns desses itens, te emprestar alguns livros... Eu te conheço... Você não mora... ’ Enquanto falava a menina levantou tomada de raiva, de posse dos guardanapos, e sem mais delongas, sem muita paciência, disse; ‘Já ajudou com o guardanapo, tenha um bom dia’, foi embora sem dar mais uma chance a ninguém, a si mesma, a sua felicidade, que durou menos que uma casquinha de sorvete. Agora com passos sem certeza alguma, cabisbaixa e lambuzada, e quem a desejava pela ida, zombava ora não entendia sua volta, tão cedo, como quem não tivesse feito nada, sem sorvete, sem felicidade. O menino ainda encantado, perguntava para o sorveteiro quem era, se muito frequentava aquela praça, qualquer coisa que o levasse uma segunda chance, sem sequer ter havido uma primeira. Bárbara era assim, as coisas terminavam antes de começar, antes do beijo ela já namorava, e antes de namorar já chegava a separação, voltava para casa pensando em comprar um celular novo, o livro ainda tinha jeito, bastava limpar a capa, já seu coração, sua felicidade, quem sabe... Se não resolver restaurá-la logo, talvez depois possa ser tarde demais, tarde para um sorvete, um passeio, um sorriso, um desejo, uma segunda chance, tarde para ser feliz.