O FIM

Lucas acordou assustado. Perdera a hora. Mas como? Sempre foi pontual. Chegar atrasado ao trabalho não era algo que gostasse de fazer. Mas custara muito a dormir, pensando no quanto fora injusto com Julia. Ela era doce, meiga, sempre sincera e parceira. Mas ele estava estressado, sentia que o desinteresse aumentava e se perguntava o que causara tudo isso.

Há anos estavam namorando e nunca tivera qualquer aborrecimento com ela, que era uma pessoa que lhe dava espaço, não cobrava nada, tinha seus próprios interesses e era discreta. Escândalo? Nunca seria capaz de fazer.

Mas algo mudara dentro dele, sentia-se vazio, oco, triste. Por que? Não havia resposta. Isso tirara seu sono, pois não sabia como deveria agir. Dizer à ela? Deixá-la? Continuar, mas sem nada sentir? Não, ele era honesto e não poderia permanecer se não existiam mais sentimentos. Porque não havia mesmo, acabara, sem aviso prévio, sem o menor sinal de que estava acontecendo.

Bem, não era momento para pensar nisso. Estava atrasado e não poderia se demorar mais. Lucas tomou banho, se arrumou e saiu.

Ao chegar na firma onde trabalhava, era nítido que ele não estava bem. Todos o percebiam cabisbaixo e sem a alegria de sempre. Dera somente um seco bom dia à secretária, porteiro e todos os outros. Tentou se concentrar no trabalho, mas não conseguia. Seu problema era sério demais, pois era uma relação de muitos anos e sempre harmônica. Não podia negar que havia planos para morarem juntos, construir um lar e uma família. Será que Julia entenderia?

Não tinha mesmo cabeça para trabalhar. Alegando não estar sentindo-se bem, ele saiu mais cedo e foi procurar a namorada. Ela ainda estava em casa, pois teria ainda muitos livros para ler, já que era crítica literária. Julia o recebeu normalmente, como sempre fazia, cheia de atenção. Mas não era tola e logo percebeu que havia algo estranho no ar. Como era uma mulher direta e que odiava que as coisas não fossem sempre claras, perguntou: Lucas, o que está acontecendo?

Ele estava muito tenso e pediu que ela sentasse com ele para conversarem. Tentou fazer rodeios, mas ela foi enfática: Por favor, vá direto ao cerne do problema. Ele titubeou, mas acabou falando que não entendia o que estava acontecendo, mas que havia notado que seus sentimentos por ela haviam mudado repentinamente e nem ele sabia explicar o motivo.

Julia ficou estática com o choque daquelas palavras. Por ser uma mulher sensata, disse: Lucas, eu acho que não existem explicações para esse tipo de coisa. Talvez eu o tenha decepcionado de alguma forma ou não posso ser o tipo de mulher que realmente você deseja ter ao seu lado.

Mas, em seu íntimo, ela sentia-se devastada. Só que aprendeu que, na vida, ninguém é dono de ninguém e não se deve tentar reter quem não a deseja mais.

Enquanto isso, Lucas sentia-se miserável. Ele não mais sentia nada por ela, mas levara anos nesse relacionamento que se tornara o centro de sua vida. O fim do caso lhe causaria um imenso vazio existencial. Mas precisava se dar o direito de não viver algo que já morrera.

Julia não estava suportando a dor, que jamais demonstraria, e disse: Vá, Lucas, por favor. Creio que não temos mais nada a nos dizer. Obrigada pela sua sinceridade.

Lucas tentou argumentar, mas ela foi incisiva: Vá, por favor! Eu tenho o direito de querer ficar só neste momento.

E ele se foi!

A dor dos dois era imensa, mas não havia como tentar consertar o que não tinha conserto. Como ela lera, há muitos anos atrás, em um livro da Nélida Piñon, O Calor das Coisas: "Não ria, por favor, se me perderes uma vez, perderás para sempre. Eu nunca voltei igual para os objetos quebrados. Ajudo a reconstruí-los, para benefício de minha memória e de meu futuro, mas aos meus olhos são jarros enterrados na terra.”. E ela acreditava nisso de uma forma incontestável. Lera isso em um momento como este, de ruptura. Naquela época se agarrou nestas palavras para sobreviver. Mas agora sentia que a dor era mais profunda. Ela sentia-se perdida, sem rumo, sem saber o que fazer da vida. Não iria questionar seu próprio comportamento, pois de nada valeria. E também não o faria em relação a Lucas.

O caminho não era esse. Mas e a dor? O que faria com essa dor lancinante que lhe rasgava o peito? Extremamente fechada, não tinha o hábito de se abrir com ninguém. Não havia uma amiga, ninguém a quem recorrer. Força interior? Teve vontade de rir. Que força interior seria capaz de tirar o sofrimento de seu coração?

Emborcou em cima da cama e chorou durante horas. Levantou-se, tomou um longo banho, olhou-se no espelho e disse a si mesma: Meu Deus, eu sou bonita, inteligente, tenho caráter, sou carinhosa, sincera e dedicada. Portanto, eu posso tentar me reerguer, acreditar que existe alguém, lá na frente da estrada, para mim. Julia foi até o seu armário, escolheu um jeans bem confortável; uma blusinha delicada; colocou o colar de cristal, os anéis; maquiou-se suavemente, enfatizando os olhos; escolheu uma bolsa, colocou os documentos e cartões de crédito, seu MP6, um livro e o celular. Ao chegar à porta, olhou para trás firmemente e pensou: Preciso arrumar outro lugar para morar, há lembranças demais por aqui. Bateu a porta e saiu. Foi até à beira mar e novamente se deslumbrou com aquela poderosa amostra da força divina. Saiu caminhando e respirando profundamente. Decidiu que não dormiria no seu apartamento, não naquela noite, e rumou para um hotel.

Não possuía bagagem. Saiu, comprou algumas coisas que precisaria para, pelo menos, uns três dias fora de casa. Fez um lanche na rua e voltou para o hotel. Tomou um comprimido para dormir e ficou fumando e esperando o sono chegar. Dormiu decidida a dar a volta por cima.

Lucas saíra desesperado daquele apartamento. O que fez? O que houve? Por quê? Perdido em seus pensamentos, ele não viu um carro em alta velocidade e, pronto, fim da angústia. Ele morreu sem entender o que havia mudado dentro dele.

No dia seguinte, Julia saiu para comprar o jornal e leu: “Executivo é atropelado e morre na hora”. A foto estava ali. Era ele. Quanta angústia vira naquele rosto no dia anterior! Agora acabou. Ele se foi para sempre, levando sua imensa dor interior. Criada em um ambiente espiritualista, ela acreditava que uma pessoa poderia pressentir a morte. Talvez isso o tenha feito sentir o vazio e ele confundiu tudo, talvez tenha deixado de amar para morrer em paz, talvez tenha se despedido dela da melhor forma possível, libertando-a.

Ela derramou algumas lágrimas e repetindo o poetinha se perguntou: “... Se foi pra desfazer, porque é que fez?”.

E eu, agora, me pergunto: por que as dores? Por que os términos? Por que não podemos ser felizes?

Campos dos Goytacazes, 7 de janeiro de 2014 – 23:37 horas

Emar
Enviado por Emar em 08/01/2014
Reeditado em 27/08/2015
Código do texto: T4640792
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