AS TENDAS
(In memoriam de uma vida em comum que parece ter sido em outras vidas, de tão longínquo que tudo semelha estar, meu sempre caríssimo ex-companheiro – espero que estejas bem)
Na manhã de 30 de dezembro de 2013
“Eu ouvia versos dos Cânticos dos Cânticos e a minha alma e o meu corpo eram cântaros à tua espera. Ele estava sobre um cavalo branco que cintilava à luz do deserto; nele, neste cavalo, ele, o homem que se tornaria meu companheiro e que do deserto me devia levar àquele que, com todos os seus direitos, me esperava na cidade, em seu palácio muito longe das tendas. O cavaleiro dava voltas e voltas ao redor da tenda que me guardava; dava voltas indagando ao Deus, ao seu Deus Supremo, enquanto eu rezava numa Língua estranha, para que todos se quedassem protegidos. Jamais cheguei ao palácio que me aguardava.”
“Lembro-me do que foi meu companheiro, do cavaleiro que entrou na tenda e me tomou para si. Lembro de fala de texto seu: “Alah, el onisciente, nunca duerme.” O Senhor à minha espera em seu palácio, esperou-me em vão. O soldado tomou-me, no deserto, para si.”
“Perdoai-me, perdoai-me, eu pedia, enquanto o cavaleiro sobre o cavalo branco continuava a dar voltas ao redor da tenda, ao redor do deserto de enigmas, essas para sempre ruas sem saída.”
Ahah, o onisciente, não dorme nunca. E todos pagamos, e como! Todos continuamos a pagar. E como!
Perdoai a si mesma, passageira de tão estranho destino. Perdoai a si mesma. Por todos os desencontros, fracassos, perdas. Perdoai a si mesma. Não esperai perdão que, mesmo que alguém vos haja perdoado, ninguém jamais dirá que vos perdoou. Ninguém, ninguém, ninguém dos seres de vossa vida, estes seres que também têm do que pedir perdão, que também têm muito a se perdoar a si próprios.
REPUBLICAÇÃO, COM ALTERAÇÕES E ACRÉSCIMOS.