Lamento do coração de uma cabocla
Ai Pai do céu!
Oia só que dô danada,Pai do céu!
Dô de amô
Amô do meu Zé
Amô que se foi e nunca mais vortô.
Sabe,Pai do céu,
O Zé queria um fio
E Deus Nosso Sinhô mandô
A nossa vida era só filicidade!
Pá todo lugá que nóis oiava
A filicidade tava lá!
Era no riso do nosso fio,
Era nas fulô do quintá,
Era nas barbuleta,que avuando
Vinha as fulô bejá
Era inté memo na cumida que as vez
Eu dexava queimá
Êta filicidade bôa danada sô!!!!
É...mas um dia...um dia eu sinti que a nossa filicidade tava triste,
Tava doente,tava indo simbora...
O Zé cumeçô a brigá
num quiria cumê
Ficava muntho calado
Num quiria falá
Oiava pá nosso fio e pá mim
E cumeçava a chorà
Eu não pudia fazê nada
Eu só pudia orá
"Pai nosso que está no céu"
Eu sei que não sei orá
Mas te peço meu Paizin
Faz o meu Zé sará.
O Zé tava triste e nóis tamém
Nossa filicidade tava murrendo!
Eu sintia!
Um dia o Zé pegô o caminhão
Foi simbora pá estrada
E nunca mais vortô!...
Mas quando vortô
Foi só pá butá na rua
O fio do nosso amô!
O fio que Deus nosso Sinhô nos mandô
Nossa filicidade murreu
E nunca mais brotô!
O Zé mandô nóis simbora
E outra muié com uma fia que não é dele
No nosso lugá ele butô.
Ai Pai do céu,cumo dói a dô da sodade
A dô do amô!
Na cidade grande
Quase,quase mendiguei
Pão cum água munthas vez nóis cumeu
Pedindo aqui e ali
Minha mão se estendeu
Pá não vê murrê de fome
O fio que Deus me deu!
Dos barracos onde fumo morá
Munthas vez fumo despejado
Mas tamém,cadê dinhero?
Munthas lágrima chorei
E sem dormir
Munthas noite eu fiquei
Pensando,pensando...
Cumo é que nóis vai viver?
Ai Pai do céu,cumo dói,esta dô!
E o Zé cum aquela muié
Era só andá de carro
Cumê do bom e do mió,
E nosso fio magrim,magrim
Incuido no cantinho
Pidindo pão,pãozin
Chorando e chamando o pai
O seu paizin!
Ai,Pai do céu,que dô danada!
Eu sei que o Zé não queria
Matá nossa filicidade
Mas o danado do feitiço
Que aquela muié fez,
Dechô meu Zé doidim,doidim
E inté nosso fio ele abandonô
E aquela que não é dele
Ele criô
Ai Pai do céu,
Oia só que sodade doída!
Hoje...muntho tempo já se passô
Nosso fio tá istudando
Diz que vai sê dotô
Um dia desses ele foi lá
E quando chegô me falô
"Mãe,vamo orá pá Deus do céu
Fazê o meu pai vortá
E naquele nosso cantinho
Nóis torná a morá!
Sabe mãe,inté os mio do quintá
Já vortaro a fulorá
Com os pendão pá riba
Parece que estão a improrá
A Deus Nosso Sinhô
Fazê nóis vortá pá lá
Mãe,vamo nóis tamém orar?"
Cothado do meu fio!
Não sabe que o Zé tá infethiçado
Mas a minha isperança
tamém não murreu,Deus pode tudo.
E todo dia ditardinha
Quando o sól vai se escondendo
Eu me sento na carçada
Os ois grudado lá no finzim da estrada
Bem lá na curvinha
Esperando meu Zé chegá
Orando a Deus nosso Sinhô
Pá fazê meu Zé vortá
E oro
"Pai nosso que está no céu..."
Baseado em um fato real.
23/11/81