BRINCADEIRA TEM HORA?

Triste, desanimada e pensativa. Voltava Elisa á casa depois da entrevista para o emprego que fizera naquela grande empresa.

Não conseguia esquecer a vergonha que passara. Estivera boa parte do tempo aguardando o diretor que a entrevistaria sentada à frente da recepcionista.

Considerava-se qualificada para o cargo de secretária para o qual, se candidatara bem verdade, que recentemente se formara e este seria seu primeiro emprego, mas sentia-se capaz de conseguir a vaga. Muitas outras candidatas já haviam sido também entrevistadas, a concorrência podia ser medida pela fila de jovens como ela, que dias antes, haviam deixado também seus currículos.

Recebera, finalmente, o convite. O seu fora selecionado, ela estava entre as escolhidas. Esta seria a última entrevista, e com o diretor, jovem competente que assumira o cargo de Presidente com o falecimento do pai, e seria seu chefe diretamente. A ansiedade, entretanto, certamente a atrapalhara.

Chegara na hora marcada, estava linda, havia gasto o que economizara no salão de beleza, queria marcar presença, sabia que aparência era importante. A recepcionista, uma senhora, a recebeu, pediu que sentasse à poltrona do pequeno hall da recepção. Ela teria que aguardar um pouco. Dr. Moraes telefonara avisando que iria demorar-se, estava preso no trânsito. O hall era decorado com a poltrona onde ela se sentara, uma mesinha de centro à sua frente sobre a qual uma jarrinha solitária, vazia, convidava à brincadeira. Um palhaço, pintado no quadro na parede diante dela, com um enorme sorriso parecia paquerá-la.

O tempo foi passando e, enquanto o homem não chegava, ela resolveu brincar com a jarra. Enfiava-lhe o dedo indicador e tirava, enfiava e tirava, enfiava e tirava até que, empurrou-o um pouco mais e... o dedo ficou preso! Ela puxava a jarra, a rodava, e nada... a jarra não saía. O palhaço agora parecia rir de sua trapalhada, e o diretor estava por chegar. A recepcionista acompanhava a ação olhando por cima dos óculos, e com pena da moça resolveu ajudá-la. Puxa daqui, puxa dali ... e nada a jarra fina e comprida estava definitivamente entalada em seu dedo.

Dr. Moraes chegou, desculpando-se pela demora, estendeu-lhe a mão, e deu-se conta do seu drama. Ela cumprimentou-o tentando manter o bom humor, e até conseguia embora a vontade fosse chorar. Ele, com um sorriso, pediu que fosse até ao lavabo e tentar com sabonete, quem sabe, conseguir retirar o dedo da jarra. Podia-se perceber em seu olhar a admiração pela rara beleza da moça.

A recepcionista, já cheia de pena da candidata, conduziu-a, tendo que passar por um salão enorme, onde vários funcionários em suas mesas, sem entender o que estava acontecendo, viram-na passar com aquele enorme “dedo de vidro verde”, e riram entre si.

O sabonete não resolveu, a essa altura todos estavam solidários com a pobre e davam todo tipo de sugestões. Alguns até tentaram com delicadeza “libertar-lhe” o dedo, mas... nada. Até que o contínuo apresentou a solução; usando um isqueiro aqueceu o fundo da jarra, puxou-a e PUFT! Finalmente o dedo saiu o que foi comemorado com palmas pelos empregados.

Imaginem uma situação assim em um ambiente de trabalho e com o presidente da empresa de pé à porta da seção assistindo a tudo.

Claro que depois disso, seu desempenho na entrevista seria um fracasso, mas Elisa estava tão envergonhada que o emprego já nem mais a interessava. O cabelo despenteara, a maquiagem manchara pela lágrima que vencera seu sorriso amarelo, e lhe escorrera. Embora Dr. Moraes, pedisse que se acalmasse. Ela não conseguiu. A entrevista terminou. Despediram-se - agora sem a jarra entre eles. Ela disfarçando o constrangimento e triste, partiu com a comunicação da senhora, de que aguardasse a decisão do presidente, receberia uma ligação caso fosse a aprovada.

Chegou a casa em prantos, e contou para a mãe o que lhe ocorrera. Havia passado um vexame por causa de sua inoportuna brincadeira. A mãe consolou-a mas repreendeu-a levemente:

- Não chore querida, na vida aprendemos com nossos erros, você devia haver se concentrado na entrevista que faria e lembrado que brincadeira tem hora.

Dois dias depois o telefone de sua casa tocou, era D. Marlene, a recepcionista, ela, apesar de tudo, havia sido a escolhida para o cargo.

A senhora com voz confortante comunicou-lhe:

- Não fique acanhada, Dr. Moraes gostou da coragem e do senso de humor com que você enfrentou àquela situação inusitada. (ela sabia que não fora bem assim).

Dez anos se passaram, e Elisa, agora deitada no sofá com a cabeça repousada sobre a perna do marido, Dr. Orlando Moraes, voltava no tempo e contemplava aquela jarrinha de vidro verde que guardara com carinho em sua estante, e que marcara sua vida para sempre e ao prender seu dedo prendera também seu coração ao homem com quem se casaria. Ali nascera um grande amor.

Só então pode reparar que a pintura do palhaço que também trouxera como lembrança da empresa, da qual agora também era dona, além do sorriso piscava um dos olhos.

Brincadeira tem hora?

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 21/12/2013
Reeditado em 21/12/2013
Código do texto: T4620849
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