Doutor Sérgio saiu do quarto muito pensativo.                      
Fez questão de encerrar o turno visitando o paciente José.
Havia uma grande tristeza no seu semblante.
 
Sua esposa querida, Maria, serviu uma comida leve e indagou qual era o problema.
 
_ Querida, eu nunca te falei sobre um determinado paciente, mas, se você aceitar, peço os seus gentis ouvidos agora.
_ Claro, querido! Pode desabafar.
 
Segurando a mão da atenciosa companheira, Sérgio começou a falar: 
_ Eu estou acompanhando esse caso há somente uma semana, no entanto uma crescente simpatia me liga ao paciente. O corpo dele está sucumbindo, sem poder resistir às investidas de uma doença rara degenerativa. Com setenta anos, contudo, contrariando a frágil saúde, ele revela um surpreendente entusiasmo e apresenta uma força de vontade contagiante.
Nos últimos dias nós estreitamos os laços, curioso perguntei a origem de tanta determinação e energia. Desejei saber como ele pode superar os limites do corpo o qual praticamente desistiu.
Ouvi a mais linda história de amor já narrada.
 
Não evitando as lágrimas, o solícito médico continuou:
_ Ele, José, me disse que, quando tinha quarenta anos, avistou uma jovem deslumbrante numa praia. Ela e os familiares estavam juntos, porém, nesse momento, a mocinha resolveu dar uma volta solitária, pisando graciosa as areias ameaçadas pelas ondas tranquilas. Existia uma diferença de idade equivalente a vinte ou mais anos, mas um profundo carinho tomou conta da sua alma a partir daquele instante. O que ele sentiu tinha a inspiração dos Céus.
Ele passou a segui-la buscando ser o mais discreto possível.
Todos os domingos a jovem, ao lado dos pais, assistia a primeira missa matinal. Ele começou a assistir a missa também.
Descobriu onde ela morava e costumava fazer compras com a mãe.
A família não retornou à praia a qual ele sempre visitava à tarde.
Essa admiração distante durou cerca de trinta dias.
Num domingo, após a conclusão da missa, ganhando coragem, José decidiu falar com os pais da moça. Queria obter a autorização para conhecê-la, inicialmente acentuando uma amizade e, caso conseguisse entusiasmar a tenra flor, talvez colher um entrosamento mais íntimo.
Surpreso foi informado de que a mocinha viajaria exatamente no dia seguinte. Ela estava matriculada numa ótima universidade localizada na cidade vizinha.
Seus compromissos de trabalho o impediram de viajar. 
Nunca mais escutou notícias da estudante nem tentou pesquisá-las.
A imagem da jovem, entretanto, jamais saiu do seu pensamento.
Principalmente o sorriso dela o guiou cada minuto.
Dez anos após ele passou a morar aqui, na mesma cidade da moça, contudo não quis localizá-la.
Casou, ficou viúvo dez meses depois de forma trágica, não procurou um novo relacionamento. Apenas conservou a imagem do rosto da moça todos os minutos como se fosse o oxigênio o qual não cessa e garante a vida maravilhosa.
Há dois anos experimentou o início dos sintomas da enfermidade que hoje o domina e deve, em breve, determinar sua morte. 
Ele me confessou sorridente que ainda tem a esperança de rever a antiga mocinha.
Antes da viagem derradeira, sonha com essa alegria.
A narração me emocionou demais, querida.
 
Sérgio abraçou a esposa.
Dominada por uma imensa emoção, Maria recordou, com precisão, o quarentão, que, na saída da missa, abordou os seus pais.
Na ocasião, ela não ligou para o assunto.
Agora a incrível coincidência, envolvendo circunstâncias tão especiais, a fizeram voltar ao passado.
Saber que o estranho homem de outrora seguiu a amando até os dias atuais a sensibilizou demais.
Preferindo não revelar a situação ao marido, ela sugeriu:
_ Querido, acho que poderia ser essa moça e oferecer a esse homem a realização de um sonho o qual tanto vai aliviar o seu sofrimento nesse instante delicado.
_ Você acha uma boa idéia?
_ Claro! Ele precisa apenas de um alento. Isso certamente o fará muito bem o liberando para uma morte menos dolorosa.
O marido topou acreditando que o gesto caridoso seria a melhor forma de ajudar o paciente o qual ganhou sua simpatia.
Sem dúvida a ação que combinara funcionaria como uma espécie de bênção final.

Doutor Sérgio esclareceu que José já estava cego e com o braço esquerdo paralisado, deixando Maria consciente sobre o quadro do paciente.

Maria optou por não contar a verdade ao marido, pois teve medo de despertar um ciúme tolo e desnecessário. Não valia a pena diminuir o tamanho do afeto que o marido desenvolveu.
Se, até a atualidade, os nomes José e Maria ficaram desconhecidos, por que enfatizar essa informação agora?
No futuro era revelaria a história completa ao médico. Ele entenderia.
 
Na manhã posterior, Sérgio preparou José para o contato com Maria, inventando que descobriu, após efetuar uma pesquisa, a localização da moça que arrebatou o coração do seu estimado paciente.
O ancião, cada vez mais débil, reuniu as últimas forças para esperar a visita mágica ainda lúcido.
Maria, adentrando o quarto, pediu que Sérgio saísse.
 
Percebendo um perfume gostoso no ar, José falou:
_ É você, encantadora menina?
_ Sim, sou eu.
Ao lado da cabeceira da cama, Maria auxiliou José a perceber a silhueta do seu rosto com o braço direito.
Muito emocionado, o homem disse:
_ Obrigado, minha doce menina Maria!
Maria chorando perguntou:
_ Por que o senhor me agradece?
_ Por você ter despertado a vida em mim. Foi depois daquela minha visão na praia, quando notei a sua existência, que carreguei a chama a qual motivou minha caminhada futura. Mesmo estando você numa outra cidade, distante, longe, o sincero sentimento estimulou todas as minhas alegrias e gerou o doce consolo nas horas difíceis que enfrentei.
Fazendo um esforço tremendo, José continuou:
_ Você sempre esteve comigo, Maria! E agora, que estou morrendo, eu preciso te agradecer, pois você é o meu farol e a minha luz. Eu te amo, minha querida!
Maria beijou suavemente a testa de José.
_ Você tem uma vida feliz, Maria?
_ Sim! Eu sou uma mulher bastante feliz.
_ Que bom!
_ Mas saiba de uma coisa, José! Você também despertou a vida em mim. Descobrir que alguém me amou tanto, sem qualquer interesse, me faz querer ser a melhor pessoa do mundo, me incentiva a tornar o resto da minha vida uma fonte do bem onde não há espaço para tristezas nem lamentações. Muito obrigada!
Com a voz atrapalhada pelas lágrimas, Maria concluiu:
_ Eu também te amo, meu querido!
 
Maria outra vez beijou a testa de José.
Naquele beijo ela colocou a ternura a qual ofereceria ao filho que não conseguiu ter.
Vertendo suaves lágrimas, ela segurou a mão direita de José.
José não disse mais nada.
Maria esperou o homem adormecer nutrindo um sorriso de paz.
 
Durante a madrugada, o estado físico de José provocou uma ou duas crises, porém dessa vez o paciente de Sergio não resistiu.
Não era mais necessário resistir.
 
Na tarde seguinte, Sérgio e Maria organizaram o sepultamento daquele homem tão solitário e tão deslumbrante.
Após a simples cerimônia fúnebre, Maria se sentia aliviada e feliz.
 
Ela pôde ratificar o significado da vida de José desde que a conheceu.
Amá-la foi a grande escolha dele, não pedindo nada em troca.
Revê-la, durante os últimos suspiros, fez esse insuperável amor ganhar um sentido maior e provar sua força gigantesca, porque foi capaz de vencer as barreiras do tempo e espaço, também iluminando a morte.
 
Maria era a mulher mais feliz do planeta.
Ela tinha a enorme afeição do adorável marido ao lado e a sustentação do sentimento sublime de José o qual, igual ao Sol vigoroso e carinhoso, nunca deixou de estar presente.
 
Só restava agradecer bastante emocionada.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 10/12/2013
Reeditado em 10/12/2013
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