Fisicamente, Regis é um homem conservado, mais para feio do que bonito. Tem 43 anos, uma esposa com 54, um filho de 21 e uma filha de 17. Casou-se muito cedo, encantado com aquele corpão claro cheirando a rosa, uma escultura. Muita areia pro seu caminhão, repetia sempre. Enlouquecido, enroscou-se naqueles cabelos loiros de sereia ou de Eva, sabe-se lá o que passou pela sua cabeça mais pra garanhão do que romântico. Tudo o que mais desejava era enforcar-se naquela crina cheirosa. O que fez mesmo, literalmente. Se aos 19 começava a vida, a esposa era mais experiente, pois de casamento fracassado trazia um filho. Amou os dois à sua maneira, mas amou.
Mirtes assume hoje um corpo avantajado. Exibe voz macia de mulher acomodada a um casamento do qual não sabe se gosta ou não, mas consciente de que “sem ele seria muito pior”. Exibe um louro menopausa aos cabelos (não sei qual a razão que leva a maioria das mulheres de uma certa idade a pintarem o cabelo da mesma cor) e corta-os bem rente à nuca. Vende produtos de beleza, mas quem paga as faturas é sempre o marido, do qual reclama ao primeiro que se torna um pouco mais íntimo. Nesses momentos, Regis cala-se. Se há coisa que nunca fez foi desvalorizar a mulher em público, na sua frente ou por detrás.
Carlos, o filho, é um bon vivant. Diferente do pai, tem porte alto, bonitão e musculoso. Aos 10 anos de idade ninguém mais o controlava, sempre acobertado pela mãe. Antes dos 15 envolveu-se com drogas causando grande sofrimento à família. Não estuda, não trabalha e agora resolveu ser jogador de futebol de salão. O rapaz é bom, mas nesta idade é difícil fazer carreira.
A filha Fernanda é o anjo da casa. Sua pele clara e os cabelos longos quase negros realçam olhos negros e grandes. O corpo escultural rebola gentilmente ao seu caminhar. Linda e estudiosa é a paixão do pai, que a vigia dia e noite por medo dos gaviões que voam ao redor da sua casa.
Regis é motorista particular, dirige todos os dias, mas não o faz por prazer. É bacharel em Direito há 15 anos, devidamente registrado na Ordem dos Advogados. É pós-graduado, também. O que fez com o diploma e o certificado e a razão de não ter seguido em frente, se é falta de opção, comodismo ou motivo de sobrevivência, ninguém saberá além dele mesmo. Se perguntado diz que gostaria mesmo de estar em casa, sentado numa varanda de frente para o mar, lá pela Avenida Vieira Souto, no suntuoso apartamento da sua patroa, saboreando coquetéis e mordiscando salgadinhos caros, recheados dos recheios mais caros. Dirige uma Mercedes Benz SLR Roadster McLaren conversível e faz questão de especular sobre o quanto seria maravilhoso ”pilotar” a patroa que, “com todo o respeito”, é outra Mercedes Benz. Homem alegre, namorador, sempre muito cauteloso "porque respeita a esposa". Oras, se toma todo o cuidado do mundo para que ela de nada saiba, é porque a respeita.
Esse é Regis. Entre tantos cidadãos brasileiros que não souberam e não sabem o que fazer com um diploma, se diz “Vítima do Sistema”.
Outro dia encontrei-o num quiosque, na orla de Ipanema, com um copo de água mineral na mão. Meneou a cabeça, quando me aproximei.
- O que faz a esta hora, por aqui?
- Esperando minha patroa, que está numa reunião ali naquele hotel - respondeu-me, apontando um enorme prédio do outro lado da rua.
Ao perceber que trazia olhos caídos, perguntei-lhe a razão da tristeza. Regis, em silêncio, procurou a carteira no bolso, retirou um pequeno papel bem dobrado e entregou-me. Abri e li:
"Nada posso fazer, senão te amar em silêncio. Nada posso fazer senão açoitar esse desejo que me estrangula os órgãos entre as pernas, me fazendo gritar a dor que corrói o peito! Não consigo mais ser outro além daquele que te ama e te deseja, o tempo todo; não posso respirar longe do seu sorriso; só consigo me alimentar do cheiro da sua pele e saciar minha sede na saliva que molha a sua boca! Nada mais sei de mim. Não posso adormecer ao lado de outra mulher, sem me sentir um animal asqueroso e sujo; não posso enganar quem me ama, bem sei. Não tenho ninguém nesse momento de desespero, no qual o simples fechar de olhos é tortura. Chego a sonhar acordado com meu desejo! E, você não me quer, eu sei! Ouvir a fala dos teus amores passados, dos teus bajuladores de agora e dos teus futuros planos! Ouvir a voz que em meus ouvidos você treina para enfeitar a noite de outro homem! Esse desejo me destrói, me faz assassino de mim e me deixa menos homem do que sou! O que faço? O que faço, se tenho medo do que sou e do que posso fazer? Tenho muito medo... Eu e nada somos o mesmo."
Acabei a leitura, surpreso! Olhei para Regis cabisbaixo. Nada perguntei. Não era o momento.