Sol Azul

Eu não sei comprar tintas. Da mesma forma eu não sei conectá-las. Eu espero construir um corpo negro, limitando os rios, construindo barreiras até o pensamento desse corpo negro. O fluxo interrompido por algumas satisfações, as mãos cobertas por um olhar de conforto, domínio das brechas do tempo. Não espero que você entenda. Eu quero desenhar algo que não precise de título. Quero poder jogar algo nessa pintura e manipular o som saindo dela. Você nunca entenderá, e então me perguntará, do por que estou sempre sorrindo, ou nesse momento específico. Eu vou continuar sorrindo. Tomarei um banho. Recolherei o material. Prepararei algo pronto, feito para comer e se estragar dentro de mim. Mas no final a pintura manchada não alcançará seu objetivo. Será estragada numa sala vazia, se destacando nas paredes brancas. E a pintura sem título vai a única coisa sem resposta nessa sua conquista miserável.

Você pode começar a entender que não sou um oceano de amor. Você não precisa de mim. Você não precisa das barragens construídas de pedaços seus. Você não precisa dessa madeira pessimamente que você insiste em dizer que é seu banco de entulhar coisas. Não precisa acordar no meio do dia e se sentir no direito de tomar café fresco. Você esquecerá do dia anterior e do outro que ainda virá, porque você precisa de alguém para se sentir poderoso. Não como um super herói, mas como alguém que possa ligar a tevê quando o controle estiver sem pilhas. Ou, quando você estiver preso no engarrafamento e precisar que alguém tome o controle e grite para que os carros saiam da frente.

Você mastiga pequenos pedaços de verduras que você odeia e come porque tem medo que eu vá embora. Você planeja meu tempo como se pudesse fracioná-los quando quiser. Você me faz sorrir e ter vontade de gritar. E então você me pergunta do por que estou sorrindo, ou, do por que estou gritando. O mundo não precisa me ouvir. Você abre o armário e não vê mais meus casacos, não vê meias, calças, nada que te identifique através de mim. Eu não posso ser uma mulher ruim. Eu vou amar esse amor para sempre, porque faz parte de uma pintura sem título.

Isso é melhor do que você pode suportar. Você não come, não toma banho, não mastiga o vento de boca fechada. Você emagrece, e todos vêem que você não anda comendo. Então você senta em um café e não pede nada. Sente medo de que ninguém entre. Finalmente pede café com gotas de chocolate. Você sempre precisou ser descolado. Entro. Não te vejo. Você mastiga o vento. Penduro meu quadro sem título. Tem algo que não foi manchado. O pendurei no lugar em que deveria estar o "escada para o céu". Não me sinto confortável tendo algo titulado por você. Quando finalmente te vejo você começa a se esconder. Reparo que está deixando a barba crescer. Não sei se devo falar qualquer coisa que vá além de um cumprimento. Saiu. Entro no carro e vou até a loja de tintas. Você volta para a casa. Ainda não voltei, nunca voltarei. Você deita, sente o vazio, compreende por que não devo voltar. Permanece deitado.

Chego bem próximo do rio. Surpreendo meus pés na água. Vejo através da sua janela meu sol azul.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 07/12/2013
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