Fantasias e Ironias
De fato, tenho que concordar quando João Pedro diz que para ser morador de vila é preciso paciência e vocação. Morador de vila compartilha tudo que a vida oferece de bom ou ruim e há quem diga que somos quase ou mais que parentes. Estamos presentes em todos os momentos uns dos outros, do nascimento, do batizado, do casamento, divorcio, velório... E, não há quem conteste o fato.
Um motivo ou uma novidade, qualquer que seja, vira motivo pra conversa fiada nas portas e o vento da imaginação basta pra soprar o barco para longe e toda semana tem um na berlinda. Sophia, a manicure da casa 5, é a bola da vez. Desde que conheceu seu novo namorado, um tal de João Borges, um uruguaio, vendedor de enciclopédias que o povo não descansa. Ele conseguiu acesso a vila, fez algumas vendas nas redondezas do bairro… Mas, dizem que o estrangeiro se encantou mesmo foi pelos olhos castanhos de Sophia, e desde então, de quinze em quinze dias, ele retorna, adentra à vila carregando um pequeno ramalhete de flores, uma garrafa de vinho tinto e um olhar faminto de amor.
A noite cede o palco para que os amantes vivam suas fantasias de amor.
O aroma do vinho, e o perfume das flores contaminam o ar da vizinhança que suspiram ouvindo os gemidos deleitosos de Sofia, fazendo transpirar as paredes vizinhas.
Dona Vera disse que vale a pena perder uma noite de sono ouvindo-os na intimidade amor mais íntimo que sentem. Verdade ou não uma coisa é certa, as noites dos amantes são mágicas, delirantes, contagiantes e terapêuticas. Por causa deles o casamento de Jussara e Hamilton que já descia a ladeira da separação, reatou, e hoje segue forte a todo vapor.
Santo Expedito que me perdoe, é tudo casa geminada, parede com parede é fica impossível ignorar a vida do outro lado. Eu até tento, mas tudo que presta e o que não presta, viola o reboco fino e me surpreende roubando o ar.
Até confesso que as noites idílicas oferecidas pelo casal tem tornado minhas noites mais excitantes também. Mês passado encenaram o tal de “vampiro tarado". Borges parecia até ator de verdade. Imitava com perfeição a gargalhada do Conde Drácula, que até me arrepiou ouvir sua voz grossa intimidando a amante indefesa prestes a ser cravada pelos dentes caninos afiados, em seu pescoço. Só de ouvir me fez corar e imaginar coisas que nunca pensei ser capaz. Daty, a vizinha da direita, disse que até teve febre naquela noite. A verdade é que a gente só prega os olhos amanhecendo o dia seguinte. Melhor que seriado de tv. E Borges, talentoso que só, está ganhando fãs pela redondeza. Semana passada foi o conto da Chapeuzinho Vermelho. Encenaram a trama do clássico infantil no pequeno quintal entre as samambaias e suculentas. O silêncio esplêndido garantia que todas as casas da vila ouvissem e participassem do show em silêncio. Inclusive, nessa noite, Sampaio, chegou cansado. Tomou uma ducha fria, se encharcou de perfume de alfazema, dispensou o jantar e foi se sentar na sala. Enquanto desfolhava o jornal, comentou que vira o Borges passar indo em direção a casa de Sofia, carregando uma máscara de lobo. Meu coração acelerou de alegria, que nem deu pra disfarçar.
_ Mulher...Contenha-se! Falou abandonando o jornal sobre a mesinha me chamando pra sentar em seu colo. Fui, dei-lhe um xero no cangote e disse que estava muito cheiroso.
Ele deslizou os dedos por entre meus seios olhando firme nos meus olhos que o ato me roubou o ar. Sorri disfarçando a face rubra que me traía.
_ O que será que Sofia e Borges vão inventar dessa vez? Perguntei curiosa. Sampaio sorriu-me com um olhar safado e respondeu baixinho:
_ Seja o que for, a nossa noite promete!
Marisa Rosa Cabral.