ANDANÇAS - A HISTÓRIA DE MALENA (Vida e Superação de Vida) PRIMEIRA PARTE - CAPÍTULO 4

Quando percebi que meus dias começavam a caminhar para a escuridão, esforcei-me no mais que pude para que, o que eu temia, ou seja, entregar-me à ilusão de um benefício material em forma de dinheiro em troca da minha honra e, por extensão, da minha felicidade não se tornasse uma realidade. Naquela época eu não era uma pessoa de muito sair e ter amigas. As poucas que eu conhecia nas redondezas do bairro e do colégio onde eu estudava não teriam jamais condições psicológicas para me ajudar. Não que fossem ignorantes, mas eram por demais inexperientes para me darem um conselho ou sugestão que realmente valessem a pena. Eu sabia disso pelo teor de suas conversas e pela trivialidade de suas preferências.

Éramos todas da mesma faixa etária, porém a diferença em conhecimento da vida entre elas e eu era gritante, o que me desanimava totalmente de sequer tocar no assunto que me afligia enquanto passava com elas. Seria até, para mim, essa simples tentativa arriscada no sentido de elas não compreenderem e até zombarem da minha provável inocência. Como nada entendiam de sexo, até mesmo em teoria, minha confissão tenderia a confundi-las e levarem-nas a achar que eu fosse uma grande sortuda ou privilegiada e isto certamente não faria nenhum bem a minha cabeça.

Hoje, depois de transcorridas todas essas décadas, é lógico e até natural que tenham caído certos tabus e conceitos em relação ao comportamento sexual das pessoas. Penso que se tivesse hoje a idade que tinha então não teria tanta dificuldade em lidar com o problema.

Quero dizer, ainda seria trágico, como sempre foi e será. Mas me refiro à reação de terceiros caso eu lhes levasse o problema. Embora a liberdade sexual tenha alcançado um patamar ousado e mesmo banalizado em muitos aspectos, a proteção ao menor e as precauções tomadas para que não ocorram abusos, como as punições a quem os cometa, inibem bastante os maníacos desejosos de por em prática as suas taras. Leio e assisto diariamente nos noticiários como ainda é grande o número de desequilibrados e como é enorme a preocupação dos pais em verem-se livres de suas investidas doentias. A sociedade honesta e correta em seus princípios é tão ressabiada, e tanto se revolta quando algo dessa natureza ocorre, que não consegue esconder o ódio e a revolta. Ainda bem que as penas são pesadas para esse tipo de crime e quem é pego arrepende-se amargamente de ter cedido à própria tentação da carne.

É realmente isso; acho que o sexo é uma tentação. As palavras bíblicas do apóstolo Paulo de que “é preferível casar a arder em paixão” exprimem exatamente o que penso a respeito do instinto sexual do ser humano. Pode ser que hoje essa conceituação não passe pela minha forma de ver, mas não importa o que eu pense individualmente. As meninas de hoje, como as meninas do meu tempo de infância e adolescência estão sujeitas a serem importunadas, tanto por um padrasto quanto por um pai verdadeiro. Sabemos que isto acontece o tempo inteiro; é uma realidade dura, mas é uma realidade. Significa doença mental e como tal precisa ser tratada. É claro que isso não acontece somente dentro de casa, mas é de lá que surgem quase todos os desvios. Tanto vítimas como agressores sexuais serão estigmatizados; as primeiras por seus traumas que não as deixarão em paz por um bom tempo até que encontrem ajuda e que essas façam o efeito esperado. E os outros pela sociedade, mesmo depois de pagar, por meio da lei e da justiça pelo seu ato impensado.

Quero deixar claro, embora possa não convencer totalmente, que o desejo de me ver livre daqueles assédios constantes do meu padrasto, era de longe, superior à vontade de aceitar suas ofertas monetárias, mas eu tinha que fazer enormes esforços para recusar e cada vez que eu recusava, ele aumentava a quantia na vez seguinte e isto me desnorteava completamente. O pior era o sentimento que me dominava dando-me conta de que eu estaria me prostituindo caso cedesse a um acordo seu. Foi quando, numa manhã, encontrando-me com ele a sós mais uma vez ele veio com uma série de argumentos e propostas que mexeram com a minha cabeça; não pela dúvida em aceitá-las ou rejeitá-las, mas pelo choque ao constatar a que ponto de descaramento ele havia chegado.

Começou com leves rodeios a respeito da simpatia que sentia por mim; que eu era para ele muito mais do que uma filha e que, se eu o entendesse e aceitasse, um pouco que fosse, os seus carinhos, teria muito a ganhar já que, em se tratando de dinheiro, ele estava se tornando uma pessoa abastada em sua profissão. Nesse ponto eu tinha que concordar ao ver nossa vida familiar estabilizar-se completamente, pois tínhamos de tudo, o melhor dentro de casa.

À medida que ele falava seus olhos vasculhavam meu corpo de cima a abaixo. Nas raras vezes em que me deixava dizer alguma coisa eu procurava lembrar-lhe do amor que mamãe tinha por ele e que, uma vez descoberto o seu comportamento ela odiá-lo-ia para o resto dos seus dias. Eu firmava sempre no aspecto da traição, que é a maior covardia que um homem pode cometer contra a companheira que lhe dedica total confiança. Ele não retrucava, apenas sorria aquele risinho maroto de sempre. Usava-o como um disfarce, já que não tinha argumentos contra minhas colocações.

Ainda assim continuava com suas promessas mirabolantes. Insistia em garantir que ninguém precisaria saber de nada que ocorria entre nós dois; dizia que, se até ali nada ficaram sabendo seria certo que tudo continuaria igual. Eu tergiversava, afirmando que, se não sabiam era graças a minha intuição feminina de que aquilo seria o nosso caos familiar e que o meu amor por mamãe é que me estava tolhendo de revelar-lhe toda a verdade. Ele voltava a sorrir sardonicamente e respondia, com todas as letras, que tinha a convicção que jamais eu abriria a minha boca e que esse tipo de ameaça já não o assustava mais.

Conversávamos na sala quando, em determinado momento ele se levantou e pediu que lhe acompanhasse até o quarto, pois queria mostrar-me algo. Sem adivinhar ou antecipar qualquer malícia da parte dele, me levantei e o segui. Ali pegou, de uma das gavetas da cômoda, um maço de notas de cinquenta e de cem reais. Disse não desconhecer que, certamente eu estava precisando de algum dinheiro, por já estar bem crescidinha e que eram tantos os sonhos e as necessidades de uma adolescente. Folheou rapidamente as cédulas como de propósito, na intenção e fazê-las ainda mais chamar a minha atenção e despertar o meu desejo por elas. Em seguida recolocou no lugar parte do dinheiro, mantendo na mão algumas notas de cem que contou para que eu soubesse a quantia; contei com ele quinhentos reais. Eu me mantive ao seu lado sem esboçar palavras ou gestos.

- É todo seu; sei que está ávida por ele e muito necessitada.

Ele sabia que aquele era um dos dias em que mamãe tão cedo não chegaria em casa. Ao terminar aquelas palavras, pousou sobre a cômoda o dinheiro e achegou-se a mim que já me encontrava bem próxima dele. Deixei que fizesse comigo uma série de carícias, mais ou menos íntimas e demoradas. Quando se sentiu saciado deixou-me e, minutos depois saía para o trabalho. O que ele não fez, por saber que eu jamais permitiria, foi utilizar a cama do casal para as suas carícias. Pelo menos isto me deixou aliviada, o que teria tornado muito maior o meu sofrimento.

Quando queria algo comigo eu já sabia e pressentia, pois acordava um pouco mais tarde que o de costume e dava um pretexto, compreensível e aceitável para mamãe, para ter que ir mais tarde ao trabalho. Pedia, por exemplo, para que ela deixasse a louça por conta dele a fim de se poupar para o dia intenso que teria pela frente. Num desses dias ele foi direto ao meu quarto, quando todos já haviam saído. Eu já tinha tomado meu banho e café e estudava naquele momento. Ele entrou, mas deixou que a porta permanecesse aberta, pois assim poderia ouvir o barulho do portão e sair normalmente dali caso alguém aparecesse. Felizmente, para ele, ninguém surgiu e ele deu início as suas carícias até determinado ponto permitido por mim e que ele respeitava. Nesse pormenor ele era obediente, pois mesmo louco de desejo de realizar certos atos ele respeitava o meu desejo de não avançar. Ao final ele saiu, colocando em minhas mãos seiscentos reais

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 29/11/2013
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