ANDANÇAS - A HISTÓRIA DE MALENA (Vida e Superação de Vida) PRIMEIRA PARTE - CAPÍTULO 3
Foram muitas as vezes em que ele me fornecera dinheiro daquela forma. Lembro que em uma ocasião até aceitei de bom grado a oferta e até agradeci por ela. Mas fora aquela a derradeira vez em que me ofereceria dinheiro em troca de nada. Neste dia, não deixei que jogasse sobre o móvel; estiquei a mão e recolhi a quantia. Eram cento e vinte reais. Ele preferia fazer essas ofertas sempre que nos encontrávamos a sós e com o intuito de me dizer algumas gracinhas que eu fingia não ter escutado ou sorria por achar engraçado e oportuno, mas jamais dava a ele qualquer esperança e se tentasse se aproximar de mim eu o rechaçava com ameaças verbais.
Mamãe tinha ciência do fato, como eu nunca escondi dela que recebia dinheiro do meu padrasto. Depois disso, semanas se passaram sem que nada me desse ou oferecesse. Cheguei a ficar preocupada e senti mesmo falta das quantias que recebia com certa frequência e já me acostumara com elas. Comprara belas roupas e alguns perfumes e, somente por esse fato, me sentia feliz. Foi quando, já não suportando a dureza, cometi o descuido de lhe pedir dinheiro.
Quando me refiro à repulsa que passei a ter por dinheiro logo depois que saí de casa o faço não para levar a quem me lê a ideia de que o dinheiro seja uma coisa ruim ou nefasta. Muito pelo contrário. Ter dinheiro e fazer dele um bom uso; aplicando-o em ações louváveis e que tragam o bem estar a nossa sociedade como às pessoas que amamos é uma das melhores coisas da vida. Felizmente para mim e por causa da busca por melhor compreensão da vida que sempre fizeram parte do meu caráter, não levei muito tempo para reverter as minhas ideias em relação ao dinheiro e, como resultado desse meu estado de espírito ele passou a jorrar abundantemente em minha vida.
Mas isto faz parte de fatos que deixarei para tratar mais tarde com maiores detalhes. O que quero dizer é que passei uma longa fase de carência financeira ao ter que morar e me virar sozinha e isto me fazia pensar ainda mais negativamente em relação ao dinheiro. Acabei criando um círculo vicioso do qual custei muito a me livrar. E hoje sei que a razão de tudo isso foi aquele período infernal por que passei com o meu padrasto.
Uma noite, enquanto jantávamos perguntei-lhe se poderia me arranjar alguma quantia, pois que muito precisava para acertar umas contas. Ele não se negou. Na verdade não disse nem que sim nem que não, mas que eu voltasse a lembrar disso a ele no dia seguinte. Eu tinha certeza de que falara aquilo porque sabia que estaríamos sós em casa pela manhã. Eu não me apoquentei muito, pelas razões já citadas, mas sabia que teria que me acautelar e que, se ele parara de me fornecer dinheiro era porque estava tramando alguma coisa. Logo nas suas primeiras palavras já deu para perceber o que ele queria.
- Por que tenho que continuar dando dinheiro a você em troca de nada; por que não me agrada um pouquinho? – Eu, como estratégia, fingi inocência.
- O que o senhor está querendo dizer com ‘agradar?’
- Você sabe de que estou falando; não se faça de inocente. Vamos; deixa-me fazer um carinho – e deu alguns passos na minha direção.
Algo fez com que eu continuasse parada, em pé, a alguns passos dele, sem esboçar reação. Ele se aproximou e eu permiti que me abraçasse.
Ele me apertou com muita força e eu senti sua respiração ofegante em meu pescoço. Quando deu prosseguimento as suas carícias, alisando e apertando os meus seios, eu senti o meu corpo tremer e um medo estranho e insuportável apoderou-se de mim. Quando desceu as mãos e apertou minhas nádegas, começando a fazer subir meu vestido livrei-me do seu abraço e corri para o meu quarto, trancando a porta atrás de mim. Daí, senti seus passos se afastando e ouvi do portão, o barulho.
Custei a me refazer das emoções que me oprimiam e, por muito tempo fiquei ali, sobre a cama pensando o que seria da minha vida daquele dia em diante. A impressão que eu tinha é que entrara em um imenso túnel e dele não via nenhum sinal de luz ou claridade. Fiquei envolta em meus pensamentos, procurando, por todos os meios atinar com uma saída que me trouxesse de volta a paz e a felicidade. Eu era muito nova; uma menina virgem, na flor da idade.
Como poderia permitir que, já ali, no introito da minha juventude minha felicidade se desvanecesse? Se eu levasse até mamãe o que estava acontecendo seria o caos; pelo menos eu julgava dessa maneira. Por outro lado, ficando calada eu sofreria muito mais e poderia ter, por isso, afetadas minha estrutura física e psicológica. Aceitar o comportamento do meu padrasto seria a perda total da minha identidade e a minha ruina na vida.
É primordial que as meninas da nossa sociedade não se deixem enredar por galanteios baratos e conversinhas maliciosas, principalmente por quem tenha se instalado em nossas casas e não seja de inteira confiança da família. Isto só o tempo dirá. Mas, mesmo tomando essas precauções e mantendo a naturalidade e o respeito, ilusões como o dinheiro fácil podem levar a becos estreitos e sem saída; por isso é preciso muito cuidado em toda e qualquer situação.
Saí finalmente do quarto, depois de muito pensar e não encontrar uma solução para o meu caso. Quando olhei para cima da estante da sala, lá estavam, tinindo de novas, três notas de cem reais esperando que eu as apanhasse; era muito dinheiro para ser recusado, especialmente por mim que nunca vira nem tivera aquela quantia. Apanhei-as e levei-as para o meu quarto, guardando-as na bolsa. Durante toda aquela semana pouco nos falamos e não coincidiu de ficarmos um dia sequer a sós dentro de casa.
Contudo, seus olhares em minha direção, durante as refeições ou em outros momentos eram tão excessivos e constantes que eu estive para morrer de medo de que mamãe desconfiasse de alguma coisa. Confesso que me sentia culpada de ter permitido aquela aproximação e só o fato de pensar o que os dias vindouros guardavam de surpresa e dúvidas fazia-me alucinada.
Para quem me lê poderia parecer muito fácil acabar com aquela situação; tudo o que eu tinha a fazer era não permitir suas investidas e, mesmo sem contar nada a mamãe, mantê-lo afastado como, de fato, eu já houvera conseguido durante uma boa fase de nossa convivência. Isto seria mesmo a melhor solução e tenho a certeza de que daria certo e ele me esqueceria de vez como alvo dos seus desejos. O problema todo está em resistir a ter dinheiro e poder fazer com ele o que quiser sem ter que trabalhar para isto.
Olhando agora para o meu passado e por toda experiência que adquiri na vida sei que não é por aí; e o quanto a ilusão é perigosa e nos coloca invariavelmente em maus lençóis se não soubermos lidar com ela. Mas tentar colocar isso na cabeça de uma menina de quinze anos, cheia de sonhos é que representa o grande problema. Quero acrescentar que muito me esforcei para isto, mesmo sendo muito nova e sem qualquer experiência. Consegui ficar mais de um mês sem um centavo sequer e repelindo a minha maneira as suas investidas. Quase não lhe dava oportunidades de me oferecer dinheiro e muito menos de ficarmos a sós. Eu procurava sair de casa antes dele todas as manhãs em que mamãe precisasse se ausentar. Até que a falta de dinheiro, sempre o dinheiro, me fez ceder novamente