Fidelidade

Em solidão, sinto mais o tempo, a cidade e os outros. Abri as janelas e entrei nesta noite que cresce para lá do largo e das escadinhas que me levam ao nada. Chegam aqui o aroma das tílias e as vozes de quem ainda circula à procura de alguém para se acompanhar. É tarde e demoras. Quando, enfim, rangeram as tábuas do sobrado o meu coração acelerou de comoção mas percebi, pelo pesado dos passos, que não podias ser tu. Recordei, a seguir, que nunca mais voltarias e que só por isso eu estava instalado naquela pensão de cariz familiar por já nada restar da nossa casa. Quando saíste da minha vida o que não levaste nada valia sem ti. Até o coração continuou a sonhar com os teus beijos e a fazer estremecer o meu corpo. Precisava de ti. Precisava, urgentemente, de ti. Por isso saí para a rua, ergui a gola do casaco, puxei o chapéu para o rosto e, anónimo, entrei na taberna quase escura. Com álcool e fado pude achar-te noutros braços, receber de outra boca os teus beijos e sentir, naquele corpo abandonado, um eco de ti.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 27/11/2013
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