Falar de cartas de amor me traz certa melancolia, antiga conhecida minha. Desencadeia nos recôncavos da memória, fatos marcantes que me deixaram a dúvida: a que ponto chegam vidas destruídas pelo medo?
 

Uma moça sonhadora, aos vinte anos, cansou-se dos trabalhos na roça e de esperar pelos braços de um príncipe, que viria num cavalo branco para resgatá-la. Resolveu tomar uma atitude que mudasse sua vida, naquele tempo em que a moça tinha que esperar namorado e marido passivamente, na saída da igreja ou até mesmo de um acordo dos pais.
 
Ana, era o nome da leitora voraz de fotonovelas, numa atitude ousada respondeu a um anúncio publicado na seção: “Encontre sua alma gêmea”. Arranjou um correspondente! Rapaz de longe, mais precisamente de Londrina, Paraná.   
 

Cartas ansiosamente aguardadas, tal espera transformou-se em seu maior prazer. Acreditava no amor como algo especial e poderia muito bem começar de longe, pois, era importante se conhecer primeiro a alma, depois o corpo.
 
Correspondência semanal, o namoro entre Ana e Elias ficou sério. À luz da lamparina, a moça escrevia em papel florido, aspergia gotinhas do seu “Promessa” e delicadamente dobrava, endereçava o envelope e ia a agência dos Correios na cidade, enviar sua carta e receber a do rapaz.
 

 As cartas dele eram simples em papel branco e tinta preta, a caligrafia de traços grandes e precisos. Algumas falavam da vida na cidade, das estações, das músicas da época, outras de poetas e dos versos que eles escreveram. Às vezes o sobrescrito incluía um livro ou um desenho feito com os mesmos traços firmes de sua escrita.
 

 Aquela menina da roça escondia-se entre as árvores do pomar, para reler com avidez as cartas do namorado e voar na imaginação. Sabia de memória as formas da letra dele, a textura do papel. Cresceu a intimidade entre ambos e começaram a falar de amor como se não houvesse distância entre eles.
 

  Ana nunca recebeu nenhuma foto de Elias, apesar de ter lhe enviado uma daquelas em forma de binóculo, usando seu vestido mais bonito.

 Imaginava que ele seria um moço feio, talvez calvo, ou mais baixo que ela, porque lhe parecia impossível que tanta sensibilidade e inteligência, viessem de alguém atraente aos olhos. Tentava desenhar em sua mente uma imagem, mas quanto mais defeitos lhe juntavam, mais o amava.
 

 O brilho do seu espírito encontrado em suas palavras era o mais importante, a única coisa que resistiria à passagem do tempo sem se deteriorar e que iria crescer com os anos. A beleza dos galãs das revistas não tinha mais qualquer valor e até podia tornar-se motivo de frivolidade, concluía a moça, embora não pudesse evitar uma sombra de inquietação. Perguntava a si mesma se estava à altura dele, sendo uma pessoa tão simples e com tão pouco estudo.
 

Ao final de dois anos sua alma estava totalmente entregue. Ana guardava uma mala de papelão, repleta de cartões postais, livros e cartas com juras de amor eterno.
 

   Com um par de alianças no bolso, Elias viajou de carro mais de mil quilômetros, para conhecer a sua namorada. Foi recebido com surpresa pelos pais de Ana, que pouco havia contado à família sobre seu namoro por correspondência.
 

Gostaria tanto que essa história tivesse tido um final feliz! Eu com uns dez anos na época e sendo a única amiga e confidente de Ana, seria sua dama de honra quando se casasse com Elias.
 

Numa manhã chuvosa, Ana apareceu em minha casa
trazendo nos braços aquela mala colorida. Seus olhos abriam-se num mar de choro convulsivo, onde suas lágrimas deslizavam pelo rosto molhado misturando-se com a chuva.  Chorara o que alguém podia chorar. Seus olhos estavam cheios da tristeza que não podia conter.
     
Ouvi apenas um sussurro quando me entregou a mala:
 

— Guarda as cartas. São suas. Não posso levar comigo, amanhã me caso com o primo Tonico.
 

— E o Elias?
 

— O pai não deixou, mandou Elias embora, nem quis conversa. Me disse que prefere me ver morta do que junto com um homem desquitado.
 

Saiu correndo debaixo da chuva sem olhar para trás. Queria se afastar o mais rápido possível das cartas que não conseguiu destruir, das palavras que escondiam um amor impossível.


* Para Ana, onde estiver:
 
Minha amiga. Nunca mais soube notícias suas, depois que se mudou para outro estado. Espero que não tenha ficado magoada comigo. Eu não quis ser dama de honra do seu casamento com o Tonico. Eu era criança, mas não quis compactuar com o que achei que seria sua infelicidade.
Ainda guardo duas revistas de fotonovelas que você me deu. Fiquei triste quando perdi suas cartas numa mudança feita em dia chuvoso. Eu reli todas, sonhei receber cartas parecidas, mas quando cresci acho que haviam saído de moda. Espero que tenha encontrado a felicidade em sua vida. 
Se ler esse texto vai se reconhecer, mas fique tranquila, mudei seu nome e também faz tantos anos... Só eu sabia que as lágrimas derramadas no dia do casamento não eram de alegria.  

Abraço carinhoso de sua amiga
:

Mariinha.
  
               

Esse texto foi escrito para o Exercício Criativo. Leia os outros participantes. Acesse o link:

http://encantodasletras.50webs.com/cartasdeamor.htm

 
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 25/11/2013
Código do texto: T4585612
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