Confiança
Depois de mais alguns riffs, ele encosta a Les Paul na parede, desliga o valvulado e vai até a janela. Respira fundo e mais uma vez pensa nela. Lá embaixo, na rua, algumas moças caminham felizes, carregando suas bolsas escolares e exibindo suas pernas depiladas que as saias colegiais não tapam. Uma delas é muito parecida com sua paixão. Ele sente o coração pulsar por um instante, mas percebe não ser ela, após a moça virar o rosto.
Sim, não poderia ser. Até porque, àquela hora era pouco provável dela aparecer por aquelas bandas. Mais desiludido do que antes, ele se vira para dentro do quarto e resolve ligar o CD player. Das caixas de som, surge o rock n’ roll de sempre, porém com mais ímpeto. As vísceras vibram com os riffs gravados. Tantas vezes a mesma música tocou, mas nunca fez tanto sentido quanto agora.
Ele é durão, não quer chorar. Sente raiva, ódio, culpa e até pena. Se faz de forte, mas a vontade é de chorar. Sim, ele ainda a ama. Mas a dor é pertinente. A cada compasso que é executado na música, ele sente uma pressão em seu peito. Dói demais.
Ele ainda a deseja. Mas o orgulho é grande. A ver beijando outro foi o cúmulo. Mesmo assim, ele se culpa. Achava que a conquistava a cada desprezo. Mas não era exatamente o que a atraía. Agora ele tem certeza. Toda falta de carinho dele pra com ela, trouxe a pior das consequências.
Ele ouve a letra da música:
“Novamente ela repete: "vamos ser" amigos / eu sorrio e digo, "sim" / outra verdade se distorce eu devo confessar”.
Por quê? Ele pergunta falando com o travesseiro. Por quê? Ele pergunta olhando para o espelho. Ele sente não haver mais esperança. Apesar de todo sentimento contrário, ele a ama e sente sua falta.
Ele ouve:
“Meu corpo dói com os erros / Traído pela luxúria / Mentimos uns aos outros tanto que em nada mais confio”.
E canta buscando forças:
“Deus me ajude, por favor, nos meus joelhos / Traído pela luxúria / Mentimos uns aos outros tanto / Agora não há nada que confio.”
E sussurra:
"Como isso pode estar acontecendo comigo / Eu estou mentindo quando digo "confie em mim" / Eu não posso acreditar que é verdade / Confiança dói / Por que a confiança é igual a sofrimento”.
Depois de desabafar, ele e sente os acordes progressivos invadirem seu ser. O solo sentimental da guitarra o transporta a fazer o que era relutante. Ele chora, chora de soluçar. Afinal, está sozinho. Ninguém vai ver sua fraqueza. Ele é durão, mas não resiste. As lágrimas rolam. O rosto dela surge em sua memória, sorrindo. Os olhos dela, envoltos no negro maquiado trás de volta as lembranças boas. Ele a quer, afinal, ainda a ama...
A música acaba e antes de outra começar, ele percebe uma presença ao seu lado. Levanta o rosto molhado e avista em sua frente a mulher de seus pensamentos. Alguns segundos em silêncio, ele pensa ser um sonho. Mas percebe a realidade. Em um instante, o som feminino da voz decidida expressa: - Me perdoe!
(Trechos da canção Trust, da Banda Megadeth)