Nós sempre teremos Paris

Aurelia estava entrando no Café Bar du Brésil, em Marais, quando foi literalmente abalroada por um homem que saía. Com o choque, sua bengala voou longe e teve que segurar os óculos escuros, para que não tivessem o mesmo destino.

- Merde! - Gritou o grosseirão. - Não vê por onde anda?!

Faces em fogo, Aurelia abaixou-se e começou a tatear o chão, procurando a bengala, enquanto um alarido erguia-se ao seu redor.

- Não vê que ela é cega, seu estúpido? - Ouviu gritar às suas costas. Em seguida, alguém lhe estendeu a mão e a ergueu.

- Desculpe, mademoiselle - ouviu o grosseirão murmurar.

O homem que a chamara de "cega" entregou-lhe a bengala e perguntou, com um sotaque eslavo:

- Sente-se bem? Como se chama?

- Eu estou bem. Meu nome é Aurelia, monsieur...?

- Dmitry Alekseev, ao seu dispor. Permita-me que a leve para dentro, isso aqui está cheio. Aliás, tem certeza de que quer entrar? Não prefere ficar numa mesinha na calçada?

- Eu marquei um encontro com uma amiga; creio que cheguei antes da hora e ia entrar para saber se ela está lá dentro...

- Eu a acompanho, então. Se a sua amiga não estiver lá dentro, eu a coloco numa mesa aqui fora.

"O lugar está cheio e ele vai me conseguir uma mesa na calçada?", pensou Aurelia. Em seguida, sentiu que ele a puxava pelo braço.

- Monsieur... - disse ela. - Não precisa me arrastar. Basta segurar no meu braço, eu o acompanho pelo movimento do seu corpo.

- Oh, pardon - disse ele. - Confesso que não tenho nenhuma experiência em guiar cegos.

E depois, rapidamente:

- Cuidado com o degrau!

Ela já havia percebido o desnível através da bengala, mas ergueu o pé e entrou no bar.

- Estamos dentro - anunciou ele desnecessariamente. - Como é a sua amiga...?

- Na verdade... - começou a explicar Aurelia, mas Dmitry Alekseev a interrompeu:

- Pardon! Pardon! Nem mesmo perguntei se é cega de nascença; talvez nunca tenha visto a sua amiga...

- Sim, sou cega de nascença, monsieur. Mas acho que já chamamos tanto a atenção que, se ela estivesse aqui, já teria me visto...

Ele deu uma risada.

- Aprecio mulheres com senso de humor, Aurelia! Posso arranjar-lhe uma mesa na calçada?

- Bien sûr, monsieur!

- Guido! - Ouviu Dmitry Alekseev gritar. - Une table à la terrasse!

- Oui, monsieur Siyankovsky! - Respondeu um dos garçons.

- Estamos saindo - anunciou ele. - Cuidado com o degrau!

Voltaram à calçada e ele a conduziu com segurança até uma mesa próxima da entrada. Em seguida, perguntou meio sem jeito:

- Bem... estamos em frente à mesa. Mas como faço para que você se vire e sente-se na posição correta?

- Monsieur... basta que coloque a minha mão no espaldar da cadeira. A partir daí, eu assumo o controle.

Ele tomou-lhe a mão educadamente, e fez como ela havia dito. Aurelia sentou-se e dobrou a bengala, colocando-a no colo.

- Monsieur? - Perguntou ela, não sentindo mais o contato com o braço dele.

- Estou parado na sua frente, - ouviu-o responder - esperando que me convide a lhe fazer companhia. Enquanto sua amiga não chega, naturalmente. Depois, sigo o meu caminho.

- Asseyez-vous, s'il vous plaît - disse ela, dando-se por vencida. E também, estava curiosa para saber o que fazia aquele estrangeiro em Paris. Estrangeiro como ela própria, aliás.

- Merci! Agora, estamos sentados frente à frente.

- Bien... o que faz em Paris, monsieur?

- Estou de férias. Eu sou, ah... cosmonauta.

- Um cosmonauta! Que interessante! Trabalha no Traversier Lunaire?

- Um pouco mais longe do que isso, mademoiselle - riu-se ele, sem acrescentar mais nada. E ela resolveu não insistir.

Nesse instante, um carro que parara em frente ao café começou a buzinar: um toque curto e um longo. A sequência repetiu-se até que Aurelia voltou-se na direção do som e acenou, sorrindo. Um homem colocou a cabeça para fora do veículo, como que para conferir se estava tudo bem, e depois o carro arrancou.

- Quem era? Seu namorado? - Perguntou Dmitry Alekseev.

- Non - disse Aurelia, ainda sorrindo. - Meu motorista. Estava procurando um lugar para estacionar. Pelo visto, já encontrou.

- Quem é você, Aurelia? - Indagou Dmitry Alekseev.

- Apenas uma americana em Paris - respondeu ela, sem deixar de sorrir.

[15-11-2013]