O Limbo
O homem, Mem de nome próprio, juntou os pedaços da sua vida sem nexo e saiu batendo a porta da rua. Ninguém o prendia, ninguém o esperava. Isto só acontece a seres do limbo, pensou. Olham-se introspetivamente e o que veem é um deserto. Muita areia, pedras, silêncio. Olham à sua volta e continuam a ver muita areia, pedras e silêncio. Se há erva, árvores, animais, céus e nuvens eles, os seres do limbo, não os sentem. Percebem, antes, a indiferença dos outros e agrada-lhes que não fixem neles o olhar. Ficam a salvo de interesses e curiosidade. Dispensam-se de fazer a barba, trocar de roupa, escovar os dentes. Aprendem a gostar do caos ou nem sequer o percebem. Se não tivessem fome, sede e demais necessidades prementes seriam pedras em tudo iguais às que lhe traduziam a vida e as vontades naquele justo momento. Assim pensava, assim agia, assim sentia Mem quando saiu de casa naquela manhã disposto a ir onde o levasse a estrada, sempre adiante, sempre em frente. O cão não contava. Alguém o livraria do quintal e os gatos não sentem a falta dos donos. E seguiu em frente a fugir de si e do que amava, do deserto que levava consigo e nele persistia e pesava. Depois, viu-a. Ei-la que, pela mesma estrada que fora, ela voltava. Trazia tudo o que lhe levara: a vida, o amor, a luz da alegria. E chorava e sorria. Gargalhava e ria.