A mágoa de Marília

Essa história aconteceu há algum tempo, não me recordo exatamente quando. Era para ser apenas mais uma história de amor proibido, daquelas como a de Romeu e Julieta, porém, não foi bem isso que aconteceu.

O dia amanheceu aparentando ser mais um dia tranquilo como qualquer outro na pequena cidade de Castela, uma típica cidade do interior onde todos os moradores se conheciam e se cumprimentavam cidadezinha onde nascera e crescera a bela Marília, a nossa Marília, porém não era como a famosa Marília de Dirceu apesar de seu nome ser em homenagem a famosa personagem de Tomas Antônio Gonzaga, de quem seu pai, o fazendeiro mais rico e poderoso da cidade Coronel Miranda, era grande admirador, é bem certo que a época dos coronéis já havia passado há anos, mas ele fazia questão de ser assim chamado.

Todos os olhares dos rapazes da cidade voltavam-se para a bela Marília quando de vez em quando ela resolvia dar o ar de sua graça ao caminhar pelas ruas da pacata Castela. É importante dizer duas coisas sobre Marília, primeiro desde sempre ela estava prometida em casamento para Álvaro, filho mais velho do delegado da cidade, Lúcio Velozo, segundo ela não fazia tanta questão assim de disfarçar seu olhar apaixonado quando voltava seus belos olhos cor de mel para o jovem Alexandre, filho do seu Baltazar, humilde comerciante da cidade.

Os dois jovens se viram pela primeira vez na quermesse anual da igreja do padre Osvaldo, fora exatamente como nos livros de romance que Marília costuma ler antes de dormir, no primeiro instante em que os olhares dos dois se cruzaram ela exclamou baixinho:

- Com ele eu passaria feliz o resto dos meus dias!

Ele pensou meio alto:

- Com essa bela jovem eu me casaria hoje mesmo!

Pronto, estava feito, surgira ali mais um amor proibido daqueles que se lê nos romances, a filha do fazendeiro rico, prometida em casamento se apaixona perdidamente pelo filho de um homem humilde.

Desde o dia em que vira Alexandre pela primeira vez a nossa bela Marília não parava um só segundo de suspirar pelos cantos e sonhar acordada:

- Meu Alexandre, onde estarás e no que pensarás nesse momento? Será que pensas em mim como eu penso em ti? Prefiro acreditar que sim, pois só de pensar que podes não me amar como eu te amo, meu coração fica em pedaços.

Em seus suspiros Marília tinha razão em acreditar que seu amado também se apaixonara, os sentimentos do humilde rapaz eram tão fortes que ele não podia mais se contentar em vê-la apenas em seus sonhos. Foi pensando nisso que ele resolveu pedir ajuda a sua irmã mais nova Clarice. Ele escrevera um bilhete para Marília dizendo:

‘’ Minha querida Marília, encontre-me hoje ao pôr-do-sol na igreja próximo ao altar de velas.

Com amor, Alexandre ‘‘.

E pedira para Clarice ir até a fazenda do Coronel Miranda entrega-lo á sua amada. Assim que recebeu o bilhete Marília quase não conseguiu conter-se de felicidade, seus lindos olhos cor de mel brilhavam como estrelas, o sorriso largo em seu rosto, as borboletas no estômago, o nervosismo. Sem dúvidas o que ela sentia por Alexandre era amor, um amor igual aos de seus romances de cabeceira. Ela disse a Clarice que estaria à espera de Alexandre na hora combinada.

A tarde pareceu mais uma eternidade para Marília, as horas não passavam, as borboletas voavam cada vez mais rápido em seu estômago e suas delicadas mãos estavam frias e trêmulas como nunca estiveram antes. Contudo, ela fez o que pode para não transparecer sua felicidade e ansiedade, afinal seu pai jamais poderia sequer desconfiar que ela se encontraria com Alexandre.

Pouco antes do pôr-do-sol Marília mandou que selassem seu cavalo e sem demora partiu em direção á cidade. Deixara um bilhete para seu pai, que fora visitar uns amigos horas antes.

“Meu pai, fui á igreja me confessar. Não demoro.

Beijos Marília.”

Ao chegar á igreja, de longe Marília pode avistar a figura de Alexandre, bem próximo ao altar de velas. Seu coração disparou, sua respiração falhou, as borboletas em seu estômago pareceriam querer sair voando para fora de seu corpo. Quando Alexandre ouviu os passos aveludados e cuidadosos da amada ele virou-se de imediato para contemplá-la, seu olhos brilharam ao ver Marília, ele ficou imóvel, seu coração batia tão rápido que dava a impressão de que a qualquer momento arrebentaria seu peito magro. Tudo o que conseguiu dizer ao vê-la aproximar-se foi.

- Minha bela Marília.

- Alexandre. – a jovem disse quase como um sussurro.

Buscando fôlego do fundo de seus pulmões Alexandre enfim conseguiu iniciar uma conversa.

- Tinha medo de que não viesses. Quase não acreditei quando minha irmã disse que virias. – disse docemente, entre inevitáveis sorrisos.

- Como poderia deixar de vim, meu amado. Depois de receber seu bilhete foi difícil me conter.

- Amado? Que meu querido Deus seja louvado! Tu me amas também. – a felicidade na voz de Alexandre era visível.

- Desde o dia em que vi seu rosto pela primeira vez, amo te com todo o meu coração.

- Não imaginas o quanto tenho sonhado em ouvir essas palavras saindo de seus belos lábios. Ah minha bela Marília, não fazes ideia do quanto amo te.

E antes que Marília pudesse dizer mais alguma coisa, o jovem completou.

- É uma pena enorme estás prometida a Álvaro Velozo... – sua voz de repente tornou-se triste.

- Mas eu não o amo Alexandre, tu és meu amor, minha vida, meu ar. Álvaro não significa nada...

- Ele é seu noivo Marília, é rico, estudado. Eu sou apenas o filho de um humilde comerciante.

- És meu amor Alexandre, és quem eu quero como marido, como pai dos meus filhos. Não me importa o dinheiro, os estudos. Tudo o que me importa é o amor, o amor que sinto por ti. Fuja comigo Alexandre. Vamos embora dessa cidadezinha, vamos para a cidade grande, onde ninguém nos conheça, começaremos uma vida nova, juntos. – sua voz começou a falhar, as lágrimas davam sinal em seus olhos.

- Não entendes Marília, não podemos fazer isso. Álvaro nos perseguiria até o fim do mundo se for preciso. Ele ama-te Marília. Sem dizer que eu não tenho nada a lhe oferecer, nada. Com que dinheiro fugiríamos, como começaríamos uma vida nova sem um tostão no bolso? Estás maluca Marília. Maluca.

- Maluca eu? Não Alexandre, eu estou apaixonada. Não posso e nem quero viver sem ti... Já lhe disse o dinheiro não me importa, nada me importa. Para o diabo Álvaro, o meu pai, o dinheiro deles, o delegado, o mundo! – as lágrimas em seus olhos rolavam, sua voz foi ficando cada vez mais falha.

- Não podemos fugir juntos, Marília. – disse Alexandre caminhando em direção á porta da igreja.

Marília desabou em lágrimas, sentou-se no banco mais próximo, pois já não se aguentava mais em pé. Estava sem forças, seu coração doía, o corpo todo doía. Ela até tentava, mas não conseguia entender a atitude de Alexandre... Pouco depois de dizer que a amava com toda doçura, mudara o jeito e até mesmo a fisionomia, quando dissera que não podiam fugir juntos. Se ele realmente a amava como disse, por que ele não aceitava fugir com ela? Por quê?

Ao chegar a sua casa Alexandre com lágrimas nos olhos foi logo em direção ao seu quarto, bateu a porta com força e desabou na cama. Clarice ao ouvir a porta bater foi sem demora ao quarto do irmão.

- O que houve meu irmão? – indagou preocupada.

- Marília quer que fujamos juntos. – disse Alexandre entre lágrimas.

- E por que estás aqui a chorar ao invés de estar arrumando a mala e planejando a fuga?

- Estás louca Clarice? Não posso fugir com Marília. Sou pobre, ela é rica. Amo-a demais para ser tão egoísta a ponto de tirá-la do conforto de sua casa, de sua vida e leva-la daqui. Jamais poderei dar a ela a vida que merece ou a vida que está acostumada. Não posso ser egoísta com Marília, ela é tudo o que me importa nessa vida.

- O que estás dizendo meu irmão? Desde quando querer estar com a pessoa que amas é egoísmo? Tenha a santa paciência, é por isso que espero nunca me apaixonar. O amor confunde a cabeça das pessoas, elas ficam estúpidas. – disse a jovenzinha saindo do quarto, indignada.

A noite caiu, Marília ao chegar a casa deparou-se com o delegado Velozo e a família sentados á mesa junto a seu pai.

- Que raio de confissão mais demorada minha princesa! – exclamou o Coronel Miranda.

- Será possível que uma moça tão pura tenha tantos pecados que confessar assim? – perguntou irônica a senhora Velozo.

- Minha doce Marília não tem pecados, é um anjo. O mais belo anjo do mundo! – exclamou Álvaro amoroso.

Todas essas exclamações, perguntas e ironias pareciam mais sussurros aos ouvidos de Marília que nem lhes dava atenção. Mesmo assim ela viu-se obrigada a dar uma resposta, pelo menos ao pai.

- Desculpe a demora meu pai. Andei um pouco pelas lojinhas da cidade. Se me dão licença vou lavar minhas mãos para jantar. – disse a jovem indo em direção ao banheiro.

Mãos e rosto devidamente lavados, Marília voltou à sala de jantar e sentou-se ao lado de Álvaro, onde estava colocado seu prato. Seu pai deu a ordem e o jantar foi servido. Lombo ao molho de abacaxi, um dos pratos preferidos de Marília, que mesmo assim apenas ‘’ciscou’’ a comida, estava sem fome. Na garganta tinha um nó enorme, não conseguia engolir sequer o vinho...

- [...] diga-me compadre Velozo, esse casório sai ou não sai ainda esse ano? – indagou o pai de Marília.

- É claro que sai compadre, estivemos hoje cedo na igreja, Álvaro e eu, marcamos para o próximo mês. Dia 10.

Ao ouvir a data, Marília que estava envolta em seus pensamentos logo despertou.

- Dia 10 do próximo mês? – perguntou espantada.

- Sim, meu amor. Não vejo a hora de fazê-la minha esposa. – respondeu Álvaro pegando a mão da jovem.

- Mas está muito próximo, não terei tempo de cuidar de todos os preparativos.

- Isso não será um problema Marília, eu cuidarei de tudo. O que cabe a ti é apenas a escolha do vestido. Nada mais. – respondeu de prontidão a senhora Velozo.

Meu senhor todo poderoso, como posso me casar com Álvaro daqui a apenas um mês? Eu não o amo. Era isso que Marília indagava todas as noites. Não podia crer que seu casamento estava tão próximo.

Por vezes até tentou escrever um bilhete a Alexandre, mas não conseguia, apesar de amá-lo com toda a sua alma, ele ferira seu coração. Isso a impedia de pegar a caneta e o papel e escrever um bilhete contando ao amado que se casaria com Álvaro daqui a um mês...

O mês passara voando e o grande dia chegara, a cidade estava em festa. O tão aguardado casamento de Álvaro Velozo e Marília Miranda aconteceria, finalmente. Alexandre mal conseguira dormir á noite, seus olhos estavam inchados de tanto chorar. Ele chegara a pensar em não ir á cerimônia, mas sua ausência seria notada por sua amada Marília. Antes de se vestir para o casamento, ele teve uma última conversa com a irmã.

- [...] ainda há tempo Alexandre, roube-a da igreja, arranque-a dos braços de Álvaro, faça alguma coisa!

- Eu farei Clarice... Sentar-me-ei em um dos bancos da igreja e assistirei ao casamento da mulher que amo e que nunca poderei ter. – disse Alexandre com a voz triste.

- És um covarde meu irmão! Um covarde! – exclamou Clarice, quase que gritando.

A casa principal da fazenda dos Miranda estava na maior mexida, cabeleireiro, costureira, alfaiate, uma confusão e animação só. A única que não partilhava da mesma animação era a noiva, Marília estava tristonha, mas ainda tinha esperança de que Alexandre pudesse vir a fazer algo, rapta-la na porta da igreja, parar o casamento... Algo que impedisse aquela insanidade, aquele casamento absurdo.

Quando pronta, devidamente vestida e penteada, Marília estava deslumbrante... Seu vestido branco todo de renda, seus cabelos presos em um coque, o longo véu que se encontrava com a calda do vestido...

Na igreja Álvaro não se aguentava de ansiedade, o grande dia chegara, o dia que ele sempre sonhara o dia de seu casamento com Marília, sua doce e amada Marília. As badaladas do relógio avisaram que era chegada a hora, a igreja já estava completamente cheia, a cidade toda fora convidada, esse era o evento do ano na pequena Castela.

As portas da igreja se abriram todos se levantaram Marília de braço dado com o pai adentrou pelo corredor, todos ficaram boquiabertos... Marília parecia uma princesa, uma princesa de verdade... O olhar dela cruzou o de Alexandre, uma lágrima brotou nos olhos dos dois. Álvaro ansioso e deslumbrado não conseguia tirar os olhos de sua noiva. Marília sempre fora linda, mas naquela ocasião ela estava mais do que linda, Álvaro enxergava um verdadeiro anjo vestido de branco, caminhando até ele. Ao passar pelo banco onde Alexandre estava Marília sussurrou o mais baixo que pode para ele “Eu te amo”. O rapaz não conseguiu conter as lágrimas que desceram suavemente por seu rosto...

O padre iniciou a cerimônia, lágrimas desciam pelos rostos de Marília, de Alexandre e até mesmo de Álvaro, que era o único que chorava de emoção. A celebração seguiu como de praxe e quando chegou a hora da famosa frase “Se alguns dos presentes têm algo que impeça a realização desse casamento, que fale agora ou cale-se para sempre.”, Alexandre fez que ia se levantar, mas não conseguiu... Agora era definitivo, ele perdera para sempre o grande amor de sua vida. Marília a partir daquela data tornara-se Marília Miranda Velozo, a esposa de Álvaro Velozo, advogado recém-formado e filho do delegado.