Um sonho? Meu Deus foi um sonho!

Eu estava saindo do prédio onde eu morava, quando esbarro com alguém. O alguém derrubou meus livros. Esse mesmo alguém tinha os olhos mais límpidos que eu já tinha visto. “Desculpe” ele disse. Eu simplesmente sorri. O alguém me ajudou com os livros e disse que era novo no prédio. Eu adorei aquela noticia. Ele estava apanhando os livros quando nos olhamos. Nossos narizes quase se encostaram. Ele corou naquele momento. Nos afastamos. Eu fui para a padaria e ele subiu. Por um curto momento eu olhei para trás. Vi ele também olhava para mim. Sorri envergonhada. Quando voltei, o elevador estava em manutenção. Subir as escadas para mim era uma tortura. A salvação é que meu apartamento não ficava muito alto. Quando finalmente cheguei, vi o alguém entrando num apartamento vizinho ao meu. Ele sorriu. Ele parecia estar com fome. O convidou para tomar café-da-manhã comigo. O alguém aceitou. Durante a refeição ele me contou que trabalha como escritor. Contou também que tinha mandado o livro dele para várias editoras, e estava aguardando resposta. Conversamos muito. Por último ele falou seu nome: John. Quando ele estava saindo, o alguém me tascou um beijo. Fiquei vermelha por causa disso. E também me apaixonei. Depois do café, fui para a faculdade. Segui meu caminho com nada na cabeça. Não entendi nada do que eu aprendi na faculdade. Voltei para casa com nada na cabeça. De novo. Percebi que eu estava apaixonada pela primeira vez por alguém que não era um astro do rock. Subi pro meu apartamento. Quando cheguei no meu andar, vi que o alguém saía de um apartamento vizinho ao meu. Ele sorriu ao me ver. Estava todo desarrumado. Usava uma camisa que parecia velha e uma calça de moletom. “Você tem internet?” ele perguntou. Eu afirmei. Ele pediu para usar. Afirmei novamente. Entramos. Ele olhou o e-mail enquanto eu guardava minhas coisas Ele admirava não sei o que pela janela. “Bem alto não?” ele disse. Eu concordei. John tinha um olhar melancólico. Não tinha como negar. Eu morava no sétimo andar. Ele abriu a janela. Talvez por que estivesse calor. Talvez por que ele quisesse se jogar. Ele se jogou. Por que ele fez isso? Me desesperei. O que ele viu naquela tela? A caixa de entrada estava quase vazia. Todas as editoras tinham recusado o livro dele. Não era uma explicação muito lógica. Talvez tivesse mais lógica do que meu ato. Me joguei. De vestido azul mesmo. Morri sorrindo. Morri sem ter recebido o beijo tão desejado por nós. Morri com uma loucura extrema. Morri com o amor que comecei a sentir no momento do esbarro, no momento em que vermelho tornou-se a cor predominante no rosto dele, no momento do quase beijo. Morremos lado a lado no chão quente que era feito de piche e de brita. Morremos sendo o centro das atenções. Morremos ouvindo os gritos desesperados de uma senhora histérica. Morri sabendo que poderia gritar de felicidade, pois morri do lado da pessoa que mais me amei. Desculpe mãe. E, quando a ambulância chegou, eu acordei. Acordei esperando que isso acontecesse de verdade. Acordei apaixonada pelo defunto desastrado que quase beijei. E que beijei também. Acordei confusa. Acordei sem saber se aquilo realmente foi um sonho, ou se eu estava no purgatório. Na verdade, eu desmaiei. Pior, quase morri. De infarto precisamente. Mentira. Disseram que a minha pressão baixou. Acordei no hospital. Todos me disseram que ele tinha morrido. Chorei. Sorri. Chorei por ele. Sorri por mim.

Lafayette
Enviado por Lafayette em 02/11/2013
Código do texto: T4553400
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