Será que eu te odeio mesmo?

“Eu te odeio.” Ela sempre dizia isso a ele. Dizia mesmo sendo mentira. Eles estudavam juntos desde a alfabetização. Se deram bem durante um tempo, mas brigaram feio. Na quinta série se separaram. Na sétima voltaram a estudar juntos. Um sentava na frente do outro e todos diziam ser destino. Eles odiavam aquilo, mas no fundo, no fundo mesmo eles se gostavam. Um pouco. Mas se gostavam. Na oitava série, houve um baile. Ele a convidou. Ela disse que precisava pensar. Ela nem pensou. Meu Deus como ela queria ir com ele! E foi. Ela pensou que ele quisesse namorá-la. Não. Ele estava fazendo uma aposta. Contra a própria vontade. A aposta era o seguinte: alguém escolheria a menina menos popular da sala. Escolheriam também alguém que a chamasse para o baile. Na noite do baile, a pessoa escolhida teria que escutar um textinho a humilhando. Ele aceitou. Como ele poderia fazer isso com ela? Não se sabe.

Na noite do baile, cada um foi com os pais. Foi dançada uma valsa. Duas na verdade. Uma com o pai, outra com o acompanhante. O salão se encheu de gente. Parecia véspera de Natal na 25 de março. No ápice da valsa com o acompanhante, ele disse o seguinte: “Você é a pessoa mais asquerosa que eu já conheci. Te convidei por pena. Eu sabia que você não seria convidada. Você nunca vai se casar. Se chegar a isso, o noivo vai fugir da igreja. Eu te odeio. Pior, todos de odeiam.” Ele a olhava nos olhos. Olhos cheios de lágrimas, decepção, raiva.

Ela uniu a mão com a cara dele. A mão era pesada, forte, dura, fazia doer. Foi bem na bochecha. Ficou a marca. Ele a olhava com arrependimento. Pensou em segurá-la. Mas, o que adiantaria? Nada.

Ela foi chorar longe dali. Sentia tudo de ruim. Sentia amor. Um amor que devia morrer cruelmente. A partir daquele dia, eles nunca mais se encontraram. Talvez eu tivesse errada...

Uns dez anos depois, ela tava num bar. Chovia muito lá fora. Ela bebia várias tequilas. Tinha sido demitida. Alguém, uma pessoa familiar, entra todo encharcado. Os olhares dos dois se encontraram. Eles se reconheceram na hora.

Ele sentou do lado dela. “Oi!” ele disse. Ela o olhou com desdém. Ele pediu desculpa, perguntou como ela estava... A resposta? Nada.

Ela saiu. Embriagada. Ele foi atrás. Queria falar a verdade a ela. Ela não queria ouvir. O moço a puxou pelo braço. Os dois eram corpos molhados pedindo o calor um do outro. Ele se declarou. “Eu te amo. Eu sempre te amei. Na oitava série foi só uma aposta. Me arrependo até hoje. Por favor, acredite em mim. Sempre disse te odiar, mas, no fundo sempre gostei de você. Eu te amo.” Pouco ela ouviu. Gritava “Mentira!”. Repetia. Ele segurou o rosto da moça. Ela chorava de raiva. Chorava por lembrar-se das palavras. Ele calou seu choro.

“... E foi assim que eu vi que a vida colocou ele/ela pra mim...” Talvez, essa música definisse esse momento.

Talvez eles tivessem feito as pazes. Talvez ela tivesse metido a mão na cara dele. Talvez eles tivessem voltado pro bar. Talvez ela tivesse ido embora pra sempre.

Talvez, talvez, talvez... Que sou eu pra definir o destino?

Lafayette
Enviado por Lafayette em 02/11/2013
Código do texto: T4553396
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