VIDA BREVE
Ele acordou meio grogue, não tinha noção de quanto tempo passou desacordado. Suas vagas lembranças eram que tinha tido um mal-estar devido ao estado avançado da sua doença no pulmão. O câncer estava controlado devido aos medicamentos e o tratamento de radiologia e quimioterapia. Tantos furos nos braços e tanto veneno no corpo com efeitos colaterais dos mais diversos. Sofrimento era a palavra, ele estava acostumado com a dor que só era aliviada com altas doses de morfina e outros remédios importados.
Quando ele sentiu-se mal não acreditou na volta para casa. Foi levado com urgência para o hospital com dores intensas e dificuldade de respirar. Depois de alguns dias em coma acordou, viu que estava na UTI, sendo transferido para o quarto. Os familiares ainda tinham um fio de esperança. Ao seu lado estava a mãe e os irmãos. Heitor percebeu as lágrimas no rosto deles parecendo a hora da partida, a despedida de quem amava a vida. No seu estado "normal" Heitor se cansava com facilidade, faltava-lhe ar, conseguia dar alguns passos carregando um pequeno cilindro de oxigênio e o cateter conectado nas narinas. Era jovem, quando não tinha a doença nunca fumou e nem experimentou drogas.
No começo sentia dores de cabeça e falta de ar. Depois dos exames teve a triste notícia. Antes do diagnóstico ele era divertido, querido por todos, uma pessoa daquelas que se pode contar na hora do aperto. Mas o destino mudou tudo. Os seus amigos de verdade ficaram por perto, a maioria se afastou. Trancou matrícula na faculdade, perdeu a namorada, teve de deixar o emprego. Não saía mais de casa, se isolou de tudo, preferindo ficar no seu quarto assistindo TV e lendo livros pra poder viajar nas histórias. Sua existência se resumia as idas e vindas do hospital. Por causa do seu tratamento a família vendeu dois imóveis na cidade e a casa da praia.
A mãe inconformada segurava a mão dele tentando passar de alguma forma a energia que faltava naquele corpo magro estendido na cama. A vida que ela amava tanto parecia estar partindo...só tinha 22 anos, era ex atleta. A irmã mais nova, Laís, ficou na sala de espera aos prantos, ela tinha perdido as esperanças de uma melhora, não suportou ficar vendo o irmão naquele estado, amigos e parentes a consolavam. Heitor, sempre que estava no hospital para tratamento ou no quarto da sua casa tinha pedido para manter a TV ligada, ele não queria sentir-se sozinho...fosse qual fosse seu estado de saúde. Sua mãe entendeu. De repente, ele com esforço apontou para a TV ligada pedindo para aumentar o volume.
_Vejam ...sussurrou...A TV noticiava....
"Ao menos 70 pessoas morreram quando um homem-bomba provocou uma explosão em um funeral xiita em cidade no sul do Iraque neste domingo (27). A explosão trouxe abaixo o teto da mesquita em Mussayab, localizada a 60 quilômetros da capital Bagdá. Segundo a polícia, ainda há corpos presos sob os escombros e pelo menos 90 pessoas ficaram feridas, muitas foram mutiladas no ataque..."
Com dificuldade Heitor começou a falar com voz baixa....todos permaneceram calados.
_Nunca...entendi essa cultura devastadora escondida detrás dessa atitude insana...inacreditável...Pessoas doutrinadas...(pausa)..para matar, pondo em dúvida a verdadeira face do Islã.... Sendo feita lavagem (pausa, dificuldade na respiração) cerebral deixando claro... nas mentes que a única solução é matar a si mesmo... ( recuperando o fôlego) e...destruir...acabar... com o maior número de pessoas que estiverem por perto... em nome de Alá. Líderes agindo como deuses... pregando ...(pausa)...que o simples ato... será lembrado como heroico pelo povo fanático...Crianças e jovens treinados...até mulheres para realizarem ataques terroristas...com promessa de irem para uma vida plena de felicidade no paraíso.Tudo por causa do motivo que se julga inspirado por uma divindade...
A mãe notou o cansaço na voz dele e falou mansamente...
_Meu filho...não fale tanto, procure descansar um pouco...(lágrimas)
Com os olhos cheios de lágrimas e com esforço Heitor continuou...
_Olhem para mim...sou um homem-bomba...não tenho hora pra ser detonado.. dentro de mim...estou explodindo aos poucos, sou uma bomba de efeito retardado, estou na contagem regressiva, um segundo para mim equivale a uma eternidade. Eu sempre imaginei um mundo de desejos e realizações, sempre busquei melhorar como pessoa, fiz amigos, lutei, estudei, acreditei...hoje vejo que meu tempo é breve, minhas células...quando eu explodir...ah, eu sei que vou atingir corações...causar danos...vou provocar...choro (pausa) sofrimento, angústia...não queria que fosse...assim, mas o Destino quis...dessa forma...sou uma bomba...os detonadores estão dentro do meu corpo...preparados...meus órgãos, ah...alguns...já foram detonados...(respiração profunda) ...eu vejo no mundo gente matando por motivo fútil, gente se matando por motivo religioso...eu queria tanto, mas tanto...viver mais um pouco...
Silêncio... (" A lágrima mais pesada é aquela que não cai...")
Heitor... partiu.
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Ele acordou meio grogue, não tinha noção de quanto tempo passou desacordado. Suas vagas lembranças eram que tinha tido um mal-estar devido ao estado avançado da sua doença no pulmão. O câncer estava controlado devido aos medicamentos e o tratamento de radiologia e quimioterapia. Tantos furos nos braços e tanto veneno no corpo com efeitos colaterais dos mais diversos. Sofrimento era a palavra, ele estava acostumado com a dor que só era aliviada com altas doses de morfina e outros remédios importados.
Quando ele sentiu-se mal não acreditou na volta para casa. Foi levado com urgência para o hospital com dores intensas e dificuldade de respirar. Depois de alguns dias em coma acordou, viu que estava na UTI, sendo transferido para o quarto. Os familiares ainda tinham um fio de esperança. Ao seu lado estava a mãe e os irmãos. Heitor percebeu as lágrimas no rosto deles parecendo a hora da partida, a despedida de quem amava a vida. No seu estado "normal" Heitor se cansava com facilidade, faltava-lhe ar, conseguia dar alguns passos carregando um pequeno cilindro de oxigênio e o cateter conectado nas narinas. Era jovem, quando não tinha a doença nunca fumou e nem experimentou drogas.
No começo sentia dores de cabeça e falta de ar. Depois dos exames teve a triste notícia. Antes do diagnóstico ele era divertido, querido por todos, uma pessoa daquelas que se pode contar na hora do aperto. Mas o destino mudou tudo. Os seus amigos de verdade ficaram por perto, a maioria se afastou. Trancou matrícula na faculdade, perdeu a namorada, teve de deixar o emprego. Não saía mais de casa, se isolou de tudo, preferindo ficar no seu quarto assistindo TV e lendo livros pra poder viajar nas histórias. Sua existência se resumia as idas e vindas do hospital. Por causa do seu tratamento a família vendeu dois imóveis na cidade e a casa da praia.
A mãe inconformada segurava a mão dele tentando passar de alguma forma a energia que faltava naquele corpo magro estendido na cama. A vida que ela amava tanto parecia estar partindo...só tinha 22 anos, era ex atleta. A irmã mais nova, Laís, ficou na sala de espera aos prantos, ela tinha perdido as esperanças de uma melhora, não suportou ficar vendo o irmão naquele estado, amigos e parentes a consolavam. Heitor, sempre que estava no hospital para tratamento ou no quarto da sua casa tinha pedido para manter a TV ligada, ele não queria sentir-se sozinho...fosse qual fosse seu estado de saúde. Sua mãe entendeu. De repente, ele com esforço apontou para a TV ligada pedindo para aumentar o volume.
_Vejam ...sussurrou...A TV noticiava....
"Ao menos 70 pessoas morreram quando um homem-bomba provocou uma explosão em um funeral xiita em cidade no sul do Iraque neste domingo (27). A explosão trouxe abaixo o teto da mesquita em Mussayab, localizada a 60 quilômetros da capital Bagdá. Segundo a polícia, ainda há corpos presos sob os escombros e pelo menos 90 pessoas ficaram feridas, muitas foram mutiladas no ataque..."
Com dificuldade Heitor começou a falar com voz baixa....todos permaneceram calados.
_Nunca...entendi essa cultura devastadora escondida detrás dessa atitude insana...inacreditável...Pessoas doutrinadas...(pausa)..para matar, pondo em dúvida a verdadeira face do Islã.... Sendo feita lavagem (pausa, dificuldade na respiração) cerebral deixando claro... nas mentes que a única solução é matar a si mesmo... ( recuperando o fôlego) e...destruir...acabar... com o maior número de pessoas que estiverem por perto... em nome de Alá. Líderes agindo como deuses... pregando ...(pausa)...que o simples ato... será lembrado como heroico pelo povo fanático...Crianças e jovens treinados...até mulheres para realizarem ataques terroristas...com promessa de irem para uma vida plena de felicidade no paraíso.Tudo por causa do motivo que se julga inspirado por uma divindade...
A mãe notou o cansaço na voz dele e falou mansamente...
_Meu filho...não fale tanto, procure descansar um pouco...(lágrimas)
Com os olhos cheios de lágrimas e com esforço Heitor continuou...
_Olhem para mim...sou um homem-bomba...não tenho hora pra ser detonado.. dentro de mim...estou explodindo aos poucos, sou uma bomba de efeito retardado, estou na contagem regressiva, um segundo para mim equivale a uma eternidade. Eu sempre imaginei um mundo de desejos e realizações, sempre busquei melhorar como pessoa, fiz amigos, lutei, estudei, acreditei...hoje vejo que meu tempo é breve, minhas células...quando eu explodir...ah, eu sei que vou atingir corações...causar danos...vou provocar...choro (pausa) sofrimento, angústia...não queria que fosse...assim, mas o Destino quis...dessa forma...sou uma bomba...os detonadores estão dentro do meu corpo...preparados...meus órgãos, ah...alguns...já foram detonados...(respiração profunda) ...eu vejo no mundo gente matando por motivo fútil, gente se matando por motivo religioso...eu queria tanto, mas tanto...viver mais um pouco...
Silêncio... (" A lágrima mais pesada é aquela que não cai...")
Heitor... partiu.
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