ESCUTANTO A VOZ DO CORAÇÃO
Odir Milanez

(Após estágio literário com a poeta Ysolda Cabral)
 

 
               Domingo, logo cedinho, saímos para passear. Eu estava feliz com você ao meu lado.  Dirigia devagar, bem devagar, sentindo as suas coxas como o volante fossem, apesar do despudor dos vidros abaixados - baixando a bolinação bacântica do vento atrevido, assanhando os seus cabelos somente para me provocar e me instigar a uma parada em um ponto poético qualquer. Não lhe dei trela. O nosso passeio nos bastava, transcorrendo leve, livre e pleno de felicidade - eu me sentindo um homem completo, separado do senso de ser sozinho, e voando você o voo vadio das borboletas abarrotadas dos beijos às flores! Passavamos por lugares que nunca passei sendo eu e você. Eles agora me parecendo inesquecíveis, muito mais interessantes do que aqueles por onde vaguei o vazio de mim. Tudo era novo, bonito, e eu, todo emoção, me sentia qual um garoto apaixonado que, no primeiro encontro, tudo faz para impressionar a sua amada.
               A preocupação para que o nosso passeio fosse perfeito me deixava tão tenso, que as mãos ao volante transpiravam além do comum dos dias, seguindo, cria eu, a tensão provinda de todo o resto de mim.
               Você, linda, sorria sorrisos a todo instante. E como era bonito ver você sorrir! Sorriso franco, de covinhas no rosto, confiante na vida e em mim. Como se houvesse evocado o dom dos deuses das estórias infantís, senti-me, por um átimo de segundo, um super- homem de olhos azuis, peito de aço, capa esvoaçante, mas de braços abertos e  abrandados por seus abraços, evidentemente.
               Ah, naquele instante eu seria capaz de fazer qualquer coisa acontecer como possível. Traria-lhe a lua, as estrela mais brilhantes do céu,  dedicar-lhe-ia os versos mais perfeitos do parnaso, mesmo sem ouvir a voz do vento - apenas a voz do meu coração, bastando, simplesmente,  que você ma pedisse!
               Falavam alto os meus pensamentos. Tão alto que foram por você ouvidos:
               - Meu amor, meu amor, meu amor, escuta! – a sua voz me fez voltar a ouvir a voz da brisa que brincava de remoínhos em seus cabelos. - Eu não quero lua, nem estrelas, e de seus versos você depois me fala. O que eu quero nesse instante, só e tão somente, é uma água de coco!
                De supetão, freei o carro, debreei e parei junto ao calçadão da beira-mar, ao lado de um  moço de bermuda florida, que  caminhava sem saber para onde. Chamei-o e lhe perguntei onde poderia encontrar coco.
                Apontando com o indicador, ele me mostrou um coqueiro, bem à nossa frente. Mais que depressa apelei para o cordato que parecera notar em um dos cantos de sua boca:

                - Você pode subir e pegar um coco para a minha namorada?
               - Suba você, meu chapa! A namorada não é sua?
                 - ''Chapa'' é a senhora sua mãe! O que custa você fazer esse pequeno favor? Além do mais, não seria favor: eu o pagaria por isso!
                Ele não me respondeu. Só me mostrou o maior de todos os seus dedos e nos deu as costas, voltando, sossegado e sem culpa, à sua caminhada. Foi quando saí do carro, pronto para lhe dar a maior lição de sua vida:
               - Você vai engolir o que disse e o gesto que fez agora! – tudo em um só grito e com direito ao ranger de dentes, tipo pitbull.
                Ele correu. Corri-lhe atrás. De repente, ouço os seus passos pertos dos meus e a sua voz vozeando a velha valsa da vida:
               - Amor, não faz assim!!! Amor, não faz assim!!! Amor...
               Olhando para o caminho por onde você corria, não vi o poste à minha frente. A batida foi inevitável. Perdi os sentidos. Acordei de ponta-cabeça, ao rés do chão, o restante do corpo de bruços sobre a cama...
 
 
JPessoa/PB
27.10.2013
oklima
 
 
oklima
Enviado por oklima em 27/10/2013
Reeditado em 28/10/2013
Código do texto: T4544401
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