Ventos do leste

Confortavelmente acomodado na cadeira do analista, Eleutério, que há mais de dois meses vinha às seções de psicoterapia, falava abertamente e sem reservas ao doutor:

- Às vezes, um vento que vem do leste me sussurra palavras às quais respondo com uma pergunta:

Quem é você?

E parece que ouço em resposta uma frase que só eu sei o que quer me dizer. Quando dou por mim, percebo que foi imaginação. Fértil imaginação, aliás, essa dos que sonham acordado.

Assim como foi outro dia, aconteceu hoje e quando a voz cessou a doçura do tom e conteúdo, meu coração de sobressalto me acordou. Foi quando atravessei a rua e mudei de calçada. Os carros vindos do sinal seguiam a direção do vento, indiferentes a ele que me foi tão singular e assoprou saudades em meu ouvido.

- Meu caro Eleutério, - interpelou o doutor – o que mais teme? Que essa voz que vem e que some como o vento, lhe deixe louco?

- Não, doutor. Meu medo é que o vento portador dela nunca mais volte. Pois se a realidade por um lado tem a vantagem de existir, por outro, é mais triste que a melancolia, tão vazia quanto uma saudade, bem mais fria que o dorso de um peixe.