Amado Morto

I. À SOMBRA DE UMA CRUZ

Estava frio, uma brisa arrepiante e atroz envolvia o jazigo do poeta.

Sabia da morte, mas seu coração só acreditou quando os olhos viram.

O túmulo era branco, junto ao pó que as centenas de anos tratavam de deixar,

o epitáfio era doloroso e mentiroso, enganava que um dia ele amara alguém.

II. O CANTAR DA LIRA

A moça ajoelhou-se diante do lugar onde todas as suas tristezas estavam debulhadas,

e não chorou, fez o que ele pedia em um de seus poemas, e docemente, cantou.

As mágoas abafavam sua triste melodia, a lua nem podia iluminá-la,

decidiu esconder-se entre as nuvens para não ver o momento que mais temia.

Todos os pássaros da noite voaram, nenhuma das criaturas aguentava tamanha morbidez.

Tirou um dos livros que guardava coberto de pó,

e tentou declamar os versos mortos que o jovem fez.

Uma lágrima atreveu-se a rolar e o soluço pôs a lira daquelas palavras para tocar.

III. VIGÉSIMO TEMOR

Vinte gotas de tristeza caíram,

vinte gotas dos anos vividos de seu amado que por vez nunca a conhecera.

Em meio a uma das frases, a moça sentiu que a atmosfera fria aumentara.

A neblina cemiterial quase apagava as letras da lápide, o medo mais uma vez poderia cercá-la.

Agora era diferente das vezes que se escondeu em seu quarto para fugir do temor.

Não teria como fugir, estava em frente ao lugar de onde vinham todas aquelas sombras.

Mais uma vez a sensação de que não poderia se mover aterrorizava.

IV. LÂMINAS ESQUECIDAS

Esta estrofe poderia ser cortada de todas as histórias de amor já escritas,

todavia, não foi tirada da memória de nuvens que a presenciaram.

Ela se virou, sua palidez foi ofuscada por uma ainda maior.

Fixou prontamente aquelas lâminas.

Aqueles olhos tinham uma cor negra demais para que pudessem ser chamados de castanhos,

tinham cor de angústia, de mágoa, de uma eternidade a esperar.

V. SERENÍSSIMO

Seu desespero queria correr, mas suas pernas não deixavam.

Mesmo presa pela escuridão, não parava de encarar aquela expressão.

Expressão esta que gostaria de descrever em belas letras, mas não poderia.

Algumas medíocres tentativas poderiam dizê-la como fria, uma vontade imensa de nada.

Sim, nada. Um nada por qual vivera toda a sua breve vida.

Sereníssimo, começou então a enroscar seus dedos nos cabelos da moça.

Ela fechou os olhos, e tremendo levou suas mãos para tocar-lhe a face.

VI. A QUEDA E O ALIVIO

Quando enxergou novamente, ele desapareceu.

Junto ao escritor desapareceram todas as suas últimas razões para viver.

Decidiu assim, junto ao seu amado morto, morrer.

Como se o desejo pela primeira vez se consumisse em ordem,

aquele sepulcro serviu para findar estes terríveis e reais devaneios.

E como nos contos que o mancebo admirava,

a donzela passou a sonhar com ele em todas as noites de seu eterno sono,

Sem mais quedas e alívios alheios.

Laís Debastiani
Enviado por Laís Debastiani em 18/10/2013
Reeditado em 18/12/2013
Código do texto: T4530282
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