Dois adultos
Ela já está sozinha a muito tempo e ele também, e quando você fica assim é normal os amigos mais chegados assumirem o posto do cupido e apresentarem a alguém que está nas mesmas condições, foi assim que eles se conheceram, a amiga dela falou do amigo do marido, o marido falou pro amigo da amiga da esposa e ficaram de marcar algo, ele se antecipou e a chamou para sair, vantagens das redes sociais e ela aceitou, ela não tinha nada mesmo para fazer, talvez seria bom dar uma chance para si mesma e para o rapaz.
Se encontram em um shopping qualquer em um dia de semana a noite, ela estava apática e foi se arrastando até o local marcado, ele estava ansioso e chegou antes do horário programado, dois beijinhos no rosto amparados por um "tudo bem?! Sou fulana, sou beltrano! Pessoalmente ele não era tão ruim, alto, um rosto bonito, um sorriso largo, era um cara jovem mais estava extremamente mal arrumado, relaxado e acima do peso, ela tinha passado na academia antes, estava regrada e disciplinada na reeducação alimentar e exercícios, os cabelos estavam escovados e preferiu usar uma roupa nova, estar apática e ser vaidosa para ela eram coisas distintas.
A primeira impressão de ambos foi muito diferente, eram adultos e já entenderam que a beleza é muito mais uma opinião particular do que um desejo coletivo, ele viu que ela era mais bonita pessoalmente que nas fotos, e ela olhava o sorriso dele e apenas pensava: Porque? A curiosidade dela foi ativada no level máximo, ela olhava fixamente para ele com aquela interrogação estampada no rosto. Iniciaram a conversa, ela queria saber e estava facilitando o diálogo, ele estava tímido e inseguro, pediram uma pizza e continuaram lá, dois adultos, tentando usar o poder da língua portuguesa sem muito sucesso.
Conversaram sobre os amigos em comum, sobre os lugares em comum, sobre as coisas em comum da vida de um adulto, ele falava, gaguejava, sorria, tentava tocá-la, ela se esquivava, desviava o olhar, respondia e sorria, ela só queria saber, falou abertamente de si e até apresentou para ele alguns de seus monstros, ele ficou pálido e assustado, levou o assunto para outro lado, mastigou seu pedaço de pizza como se ele estivesse com areia, ela era intensa e ele viu que não tinha se preparado o bastante, e ela continuava o cercando e acuando.
Ela estava instigada de porque um cara boa pinta, mais novo que ela, com um sorriso bonito e olhos doces estava naquele estado deplorável, porque tantos quilos a mais? Porque aquele desleixo? Porque tanta necessidade de a tocar? Tanta carência? Ele a quer como namorada? Porque? Ele não sabia, mais ela gosta de ver o lado obscuro das pessoas, ela sempre quer a verdade e ela sempre impõe a sua verdade aos outros, sequelas de uma vida de mentiras e fantasias, ela é assim sempre, intensa, agressiva, curiosa, segura, ela sabe bem dos cantos escuros do seu coração porque sempre está passeando por lá e ela queria ver o que ele escondia, eram dois adultos estranhos.
Mais em um determinado momento da conversa ele se sentiu mais a vontade e viu que era hora de atacar, ele confundiu as estratégias dela com facilidade e tentou abraçá-la, falou com voz trêmula que não queria mais ficar sozinho e perguntou porque ela aceitou conhece-lo, seus olhos estavam cheios de esperança, ela era arredia mais era forte e inteligente, ela afastou seus braços e nos seus olhos e voz só tinha compaixão, ela parou de falar porque finalmente viu e entendeu o que estava no escuro e não era nada demais, como uma criança perdeu o interesse depois de saciar sua curiosidade, ele era só mais um adulto ferido, sem esperanças, vendo numa mulher e em um relacionamento a solução para sua desgraça e tristeza que possivelmente chegou até ele através de outros relacionamentos ruins, ele estava desesperado e ela se lembrou que também já tinha sido assim e não tinha muito tempo.
Ela disse que queria ir embora, ele novamente tentou abraça-la, ela estava se sentindo mal, um amargo na boca, ele estava aflito e não a deixaria ir assim tão facilmente, ela foi ríspida e pediu que ele não encostasse nela, ela não gostava de ser tocada por estranhos, ele insistiu e ela foi estúpida, ela viu ele encolher como um menino com a bronca, ele era fraco e inseguro e ela só queria sair dali e ele não queria a deixar partir, dois adultos perdidos que acharam que aquilo poderia se tornar algo bonito, a realidade é muito diferente da fantasia dos filmes.
Para por um ponto final para o que não tinha começado ela perguntou o que ele queria, ele desconversou e levou o assunto rapidamente para outro lado, ele é experiente em encontros assim ela logo deduziu e então ela falou: Estou feliz sozinha, gosto de minha liberdade de ir e vir sem dar satisfações, acredito que relacionamentos devem ser como a soma na matemática e não como a subtração onde um dá e perde e o outro recebe e retém, ou como a divisão onde um se divide e cobra do outro a divisão também, nem como a multiplicação onde os dois multiplicados por outros acumulam um monte de problemas, eu espero pela soma, eu inteira mais o outro inteiro, quero um total satisfatório, nada mais. Ele não sabia mais as feridas dela latejavam.
Ele estava confuso olhando fixamente para ela, um misto de admiração, de sede, surpresa e medo, e ela olhava pra ele com pena e repudio, as feridas do passado estavam bombando em sua cabeça e amargando a sua boca, eram dois adultos em um encontro arranjando, dois adultos que foram machucados, dois adultos solitários, dois adultos que não queriam mais ficar só, dois adultos que apesar das amarguras e decepções ainda esperavam e acreditavam no amor, porém, dois adultos apenas na data de nascimento, no RG, nas contas e aos olhos dos outros, porque por dentro, no lugar onde estava a resposta para a apatia dela e o anseio dele, ela era a menina precoce muito mais curiosa que solidária que perdia o interesse rápido e ele o menino gordo que tentava comprar um doce que o desafiaram a comprar, ela queria saber e ele tentava provar, se esbarraram no shopping e foram embora para casa após um adeus seco, dois adultos fracassados retornando pelos seus opostos caminhos pensando em si e na desculpa que dariam depois para seus amigos.