Precisamos fazer isso mais vezes

Frank Millard colocou a cabeça para fora da janela do Humber Super Snipe e perguntou:

- Vocês vão, ou vou ter que chamar os segundos colocados?

- Pode chamar os segundos colocados - provocou Peggy. - Nós vamos à pé.

Priscilla olhou firme para Peggy e depois inclinando-se, beijou-a em ambas as faces.

- Peggy, a gente se vê amanhã de manhã?

- Claro que sim!

Priscilla olhou sério para Simon, que apenas disse:

- Não me espere. Quando chegar, eu como alguma coisa.

Priscilla deu-lhe um beijo no rosto e entrou no Humber, sentando-se no banco do carona. Millard deu a partida, mas antes de partir, esticou novamente a cabeça para fora:

- Vocês me decepcionaram! - Reclamou, com ar gaiato. - Esse carro ficou um ano parado na garagem e justamente quando chega o grande dia de poderem dar uma voltinha, resolvem fazer uma caminhada noturna?

- Caminhar faz bem! - Retrucou Peggy, rindo.

E Simon, dedo em riste:

- Ei! Cuide bem da minha irmã! Direto daqui para casa!

- Sim, Monsieur le Capitaine! - Respondeu Millard, batendo uma continência à francesa.

- É "tenente", para você - corrigiu Simon.

Millard arrancou com o Humber e parou alguns metros mais à frente, na saída do salão de baile da prefeitura. Duas moças e um rapaz apertaram-se no banco de trás do carro e ele seguiu adiante, dobrando na primeira esquina à esquerda.

- Bem, enfim sós - disse Simon, enlaçando Peggy pela cintura.

- "Enfim sós" no meio da rua, com um monte de gente circulando em volta? - Inquiriu Peggy com ar de troça.

- Vamos andando - comandou Simon.

A lua surgiu dentre as nuvens, lançando reflexos prateados sobre a neve fresca que cobria as ruas.

- Bonito, mas frio - suspirou Peggy, colando ainda mais seu corpo ao de Simon.

- Frio? - Retrucou ele. - Eu não sabia o que era frio até ir servir na Noruega!

E depois, inclinando-se para beijar os cabelos dela:

- Como vou sentir falta desse calorzinho gostoso quando estiver lá de volta!

- Eu também vou sentir falta do seu calorzinho gostoso - disse ela. - Vou ter que me virar abraçando o travesseiro...

Simon riu.

- Precisamos fazer isso mais vezes! - Exclamou.

- Como na canção?

- Como na canção.

- Essa noite nós nos fizemos rir... - cantarolou ela.

- Essa noite nós nos fizemos cantar... - completou ele.

Fez-se então silêncio, enquanto caminhavam abraçados pelas ruas agora desertas, entre fileiras de casas escuras com as luzes apagadas. Ambos mergulhados em seus pensamentos, sobre o que o dia que começava lhes traria.

- Eu não queria ter que ir embora - disse ele finalmente. - Ainda mais agora, que...

E parou, engasgado.

- Eu sei - respondeu ela com tristeza. - Eu sinto a mesma coisa.

E depois, olhando nos olhos dele com determinação:

- Mas nós temos trabalho a fazer. Eu vou me alistar na ATA.

- A ATA? Eu não sei... me parece perigoso - ponderou ele.

- Eu gosto de voar... talvez tanto quanto você!

- Esse gostar deve ser contagioso - disse Simon, sorrindo. - Mas eu não a culpo por isso...

E depois, quando atravessavam uma avenida deserta:

- Mas talvez eu preferisse vê-la programando máquinas tabuladoras até o fim da guerra... ou no controle das Torres Elétricas.

- O controle das Torres Elétricas - Peggy fez uma careta. - Escondida num buraco no chão sem poder ver a luz do dia?

- Bem... pelo menos dizem que é seguro. E o meu tesouro ficaria oculto, esperando o meu regresso!

- O seu tesouro ficaria enterrado, isso sim - pilheriou ela, esticando-se para beijá-lo no rosto.

Haviam chegado à esquina da rua dela e pararam. Não havia vivalma em lado nenhum.

- Chegamos - disse ele. - Eu vou te acompanhar até a porta de casa e depois...

- Não - respondeu ela, em tom firme. - No futuro, eu não vou querer me torturar por não ter feito o que meu coração deseja.

- Peggy...

- Você vai entrar e eu vou fazer um chá. Tem até um pouco de açúcar que guardei para uma ocasião especial - como essa.

- Peggy... a sua mãe...

- A minha mãe tem sono pesado - retrucou ela, pondo um ponto final à discussão.

[30-09-2013]

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