O Bilhar
Parado na esquina da sala de jogo junto á porta dos lavabos, Bento também contornava a mesa de bilhar e apreciava, sempre do melhor ângulo, as tacadas. Nunca falava, nunca comentava, nunca conversava com ninguém. Não se sabia dos seus afetos nem que jogador lhe merecia mais respeito. Rondaria os sessenta e vestia o mesmo fato elegante, Príncipe de Gales, camisa de algodão em branco ou tons sóbrios, botões de punho de ouro e gravata invariavelmente garrida. Naquele dia o lugar junto à porta estava ocupado e a quantidade de assistentes dificultava a caminhada para procurar o melhor lado da tabela. Sentou-se com o copo de branco na mão e ficou, absorto, no enfiamento das nádegas do jogador. Estava alheio ao jogo, ao barulho, aos vivas e palmas. O jogo era uma final e a aposta choruda mas, daquele lugar, apenas via costas, braços, nucas e traseiros. Pousou o copo vazio no peitoril da janela e tentou sair dali para fugir ao ambiente de ruído e fumo. Caiu no início da escada de mármore e viu-se, mole, a escorregar suportado por braços peludos, até à mesa verde onde ficou a baloiçar as pernas até à chegada do enfermeiro. Cheirou amoníaco, levou duas bofetadas e abriu os olhos para evitar novo castigo. Já estou bem, disse, recusando o copo de água. Quando ela chegou, determinada mas nervosa, todos se afastaram . Agarra-te bem a mim, isso mesmo, vamos, Bento, disse ela e prosseguiu: hoje ficas na minha casa. Não me interessa o que digam. Eu assumo a nossa relação e tu? Bento, sorriu, meteu a mão na algibeira, e mostrou-lhe um par de alianças. Saíram era hora de jantar e ventava.