Epifania mortal
Aquela dor no peito era um dos efeitos colaterais do amor. Era mais uma dor psicológica, um peso sobre as costas que o atormentaria enquanto ele não tomasse coragem e fosse à mesa ao lado falar com a moça. Junto à dor, vinham os pensamentos inconstantes.
Sentado ao ar livre naquela mesa do restaurante, indagava-se se a moça ao lado acharia-o interessante e legal. Ou seria ele entediante? Será que pareceria um bobo vindo falar com aquela garota que sempre observara?
Em um relance, pôde notar que a moça lia um livro de poesias de Camões. Ele sempre gostou de poesia e naquele momento a frase mais clichê e famosa do escritor português ecoou em sua mente: amor é fogo que arde sem se ver. E era mesmo.
Poderia falar com ela sobre Camões! Uma fagulha de esperança acendeu em seu coração, mas logo perdeu o brilho. E se ela não gostasse de ter sua leitura interrompida? As perguntas que rodeavam sua mente eram todas acompanhadas do prefixo "e se...?"
Em meio a tantas suposições, um fato se concretizou. A menina fechou o livro e levantou a mão, pedindo a conta. Ele logo fez o mesmo. Observou-a levantar-se da cadeira e sair do local aberto. Parou no cruzamento, aguardando o semáforo se abrir.
Ele apenas queria ser feliz, mas tinha medo. Mas como alcançar a felicidade? Ela dependeria de suas ações. Ele mesmo a forjaria. E uma oportunidade de ser feliz se encontrava a poucos passos de distância. Tudo o que ele tinha que fazer era agarrá-la.
Tomado por uma súbita coragem, deixou a covardia na mesa e saiu correndo em direção à ela. Ela já estava do outro lado da rua quando ele abriu a boca para chamá-la.
Todo o sentimento não falado e guardado morreu junto com ele quando o carro à 240 km/h o atropelou.