Depoimento de uma nuvem

Tenho um sentimento apertado que se afrouxa em pequenos intervalos. Essa vontade vai além de mim, porque não significo nada nesse momento. Tento encontrar algum tipo de ideia que me faça desligar os pensamentos anteriores. E essa é a verdade: Entro pela porta eletrônica. Minhas mãos soam, semi-serro os pulsos. Aperto um dedo contra o outro a fim de controlar o nervosismo. Vou em direção as escadas. Minha nuca gela, salpicando pequenos calafrios pela meu corpo. Soou. Piso na escada eletrônica. Meus pés pesam. Sinto vontade de correr até em casa sem olhar para trás. Nesse momento sou o desconhecido. Primeiro piso - sou um cara desajeitado. Segundo piso - ainda sou o mesmo cara desajeitado. As pessoas exploram o lugar. Entram e saem das lojas, não se olham, mas sorriem umas para as outras. Trocam moedas, cédulas, coisas. E eu de longe te avisto e te exploro, enquanto tento me esconder por trás de uma pilastra. O sentimento se afrouxa um pouco mais. Você não imaginaria o que se passa na minha cabeça. Tomo coragem para continuar com passos largos. Continuo em sua direção, tentando desviar das mesas que estão no caminho. Sou o mais desajeitado. Você sorri. Você então pede, quando chego perto, que eu o espere na varanda do terceiro piso. Sim. Subo. Penso que seus dentes são lindos. Você diria que são extremamente tortos, e eu diria que são perfeitos porque te imputam características inesquecíveis. Ponho os fones. Não presto atenção na música porque me sinto como um idiota desajeitado, e penso que poderia ter feito melhor. Te vejo passar. Você vem até onde estou, e diz que sairá às nove horas. Não demora muito e volta ao trabalho. Espero. Você tem procurado por mim há algum tempo. Mas a realidade é que eu não escolhi ser envenenado desse jeito. Fechar as portas pro mundo, e esperar que alguém venha com uma armada para abater meus soldados. Você sabe que alguém residiu em mim pouco tempo. Nesse momento ainda reside. Sinto meu estômago queimar. O número desconhecido me liga novamente. Hesito em não atender. Não posso, porque você não ficará por muito tempo. Você está se aproximando e peço que espere por um momento. Você me vê discutindo de longe, e seu rosto feliz vai se desfazendo. Não se sente mais confortável. Desligo.

Você me leva até a escada de incineração. Tem vontade de me jogar fogo a dentro. Não pode. Estou ao seu lado, então você volta a sorrir. Peço desculpas. Você diz que não tem problema. E então, começa a falar. Diz que pensou em mim por um longo tempo. E que está certo da necessidade. Necessidade? Pergunto. E digo que a necessidade está onde queremos que esteja. Um lugar cheio de necessidades é um lugar egoísta. Você ri e pede para que eu pare de falar. Me calo. Você se inclina e me rouba alguns beijos. Sou mais desajeitado ainda. Sinto meu rosto aquecer, minha mão extremamente molhada, e um ar de felicidade artificial. Então entra um colaborador. Pele para que saiamos da escada por motivos de segurança. Vamos para a varanda do terceiro piso, você disse. Passamos algum tempo por lá. Ficamos lá até às dez. Você diz que precisa me acompanhar até o ponto. Andamos por algumas ruas, e você me mostrou sua nova casa. Num momento de pensamento desacordado, você me puxou e me colocou contra a parede. Não me deixou pensar por muitos segundos. Me senti extremamente feliz. Algumas pessoas passavam, e de alguma forma, fingíamos ser um casal normal. Algumas pessoas acreditavam, apesar de eu ser mais alto que você.

Na semana seguinte você me fez ter a mesma sensação. Só que dessa vez, não precisamos mais nos esconder. Você me beijou no ponto de ônibus, e todos podiam ver quem eramos. Pedi que parasse porque todos estavam olhando. E você disse: "E dai?". Eu realmente precisava ouvir que alguém não se importava, e queria se arriscar por mim.

Às vezes finjo que momentos assim possam acontecer. Mas a realidade é que digo que não se importem comigo. Mas algumas consequências são transformadas pelo tempo.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 29/08/2013
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