Maria, sem João
Deitada sobre a cama, um leve desconforto não lhe permite qualquer acomodação. Nada de inverídico com o colchão, pelo contrário, a espuma aconchegante e a textura gelada do lençol eram convidativas. Um quarto pequeno e sem muitos adornos, mas acolhedor e elegante por sua simplicidade. Era ali onde sua amargura se tornava a mais forte das dores, mas para Maria, nenhuma cura havia naquele momento.
Olhava para o quarto, mas sem enxergar. O que sentia não se podia relatar com palavras, desenhos, gestos ou de qualquer outra forma. Lastrava por todo o corpo, cabeça, peito, barriga. Mas para sentir a fórmula era certa: amar com alma e corpo, depois perder.
O ambiente era escuro diante sua visão, nada tinha sentido, um vazio preenchido por ira e saudade. Não sabia o porquê de tanto sofrimento, já que João destruiu dentro dela qualquer possibilidade de poder confiar, entregar e apaixonar novamente por outro. Inconformada com sua angustia, se torturava ao imaginar o que havia feito de errado para merecer tamanha ingratidão daquele a quem confiou toda sua lealdade.
As horas passavam, o desespero aumentava. Retorcia-se na cama, mas com isso mais lembranças a importunava. Embora racional e ciente de toda situação não compreendia por que seu corpo reagia de forma tão hostil. Achava-se incapaz de encontrar uma pessoa tão celeste quanto João lhe parecia antes das descobertas. A história de amor que havia existido entre os dois se desolou, tudo se transformou em mentiras.
Do lado direito de sua cama, o criado mudo sustentava um formoso arranjo de tulipas vermelhas e seu celular, portador de lembranças azucrinantes, mas que virava aos poucos um vício. Ninguém podia lhe ajudar naquele momento, qualquer palavra de apoio seria em vão, nada a confortaria. O que lhe intrigava é que mesmo com repulsa no coração, esperanças de receber uma última mensagem a tocava todas as vezes que observava aquela peça. Mesmo apetecendo extirpar toda e qualquer condição que lhe fizesse lembrar-se de tudo o que passou, não deixava de espiar qual horário o indivíduo havia visto pela última vez o whatsApp, mas o desgosto em imaginar que a outra poderia estar conversando com ele só piorava a situação.
Sentou-se, dormir era utópico. Debutou a pensar em tudo o que aconteceu decidida que seria pela última vez, mesmo sabendo que quem rege os pensamentos é um impulso esfíngico, incapaz de ser controlado. Sim, traição! Repetia em sua mente para conter qualquer chance de reconciliação que pudesse devanear. O que não compreendia já que ele sempre lhe pareceu um ser incapaz de errar dessa forma, continuamente com um discurso similar e inflexível de aversão aos que cometeram o mesmo erro.
O cansaço consumia seu corpo, mas continuava a refletir. Sentia-se feia, incapaz, já não tinha alto estima. Lembrava-se de como a outra era deslumbrante, com um belo sorriso, olhar sedutor, de pele e corpo invejáveis. Amiga de todos, estava sempre presente em festas. Maria se guardava, na certeza de agradar e se preservar somente para aquele a quem havia se consignado, mas que não soube reconhecer seu valor.
A incerteza que tinha um dia de que não saberia viver sem João se concretizava. Seu mundo havia perdido a cor, nada tinha sentido, não possuía anseios. Revoltada, jurou convalescer. Intrigada com tamanha frieza do sexo oposto decidiu que não teria sentido padecer, já que João poderia estar bem e feliz por estar livre para se relacionar com a outra. Mas no fundo, Maria não odiava a mulher com quem seu grande amor se envolveu, o rancor era exclusivo de João, pois era o único comprometido. Lembrava-se sempre de uma frase dita por ele “nenhum homem é beijado contra vontade”, reforçando sua disposição em ficar solteira.
O desejo de chorar havia sido vencido pela exaustão. Seu corpo pedia descanso. O lamuriar era substituído pela taciturnidade. A serenidade regia novamente, mesmo que circundante. Maria dormia, uma noite havia sido vencida. Mais um passo para buscar o júbilo, mesmo este estando a uma distancia desconhecida.
Um barulho invade o silencio inesperadamente acordando Maria. Um tom baixo e conhecido, capaz de despertar grandes sensações. Com um movimento ágil pegou o celular. Sim, era João. Incapaz de esconder o contentamento olhava para objeto sem saber o que fazer. Por segundos havia esquecido tudo o que aconteceu, mas seu orgulho fez questão de lembrá-la. A curiosidade era inegável, com mãos tremulas temia ler belas palavras que se convertiam em impecáveis declarações, mas receava por seu coração vulnerável. Deliberada, apagou.
Maria deitou-se, apesar da angustia se sentia bem com a postura tomada. Percebeu que o essencial em um relacionamento não foi algo possível. Amor, cumplicidade e lealdade eram coisas prezadas por ela, não podia exigir de ninguém. Agora já não era necessário nada que viesse de João. O sofrimento seria curado pelo tempo, tempo esse que a fez dormir e a fará amar novamente.