O Encontro
Esventra-se a cidade e as casas desalinham-se por ruelas nos bairros mais pobres e ficam, pesadas, nas avenidas de referência. Umas e outras, acabam em canais onde a vida vomita gente e onde a noite a traga para outras lides. As vias vão e vêm. Sobem, descem, cruzam-se e torcem-se, caprichosas, à procura de mais destinos. Não passam de tripas numa digestão de deuses, de gente comum e daquela que, ainda presa aos sonhos, morre por amar. No hálito pesado da noite entre a divagação e os fados presos ao álcool, apareceste a perguntar-me o caminho para a tua alma. Nem sei se a terás, respondi a passear-me, lentamente, por ti, pela tessitura pálida das mãos, pelo recorte do decote onde espreitava a tua sensualidade. Não sei se a terás, repeti, olhando com despudor a tua boca, o limite tenso dos lábios, as narinas de potro ofegante e, finalmente, as duas brasas onde já ardia a tua raiva. - Já não preciso que me digas nada nem me leves a lugar algum, ordinário, tosco, bruto. - Gritaste para, no meio da anarquia dos sons, te fazeres ouvir e ao ódio acabado de surgir. Puxei-te pela cintura, envolvi-te num abraço firme e escutei, acelerado, o teu coração. A seguir limpei-te as lágrimas com os polegares, beijei-te a palma da mão e saímos misturados para sofrer a neblina e as luzes baças da Praça. Quiseste contar-me o tempo gasto e eu sugeri que falássemos antes do futuro. Talvez pudesses sentir-lhe a vibração, o calor de um sol por dentro, um derreter de mágoas. Pronto, chegaste a tua casa e a mim pelo caminho mais desafiador. Se me pedires muito volto a ver-te amanhã.