O Lenço Numerado
Campos a perder de vista. Por eles passara o fogo e a terra, crestada, vestira-se de negro macio. Cheiravas a chuva. Grudados em ti os panos de algodão estampado ainda te moldavam os volumes firmes. Ancas, ventre, o peito que ofegava no teu silêncio... A agonia do sol a baixar dourando os arbustos tisnados, desenhando as voltas de um carreiro por onde a fila das mulheres chegava da lavra. As trabalhadoras vinham em grupo, sinal que aguardaram juntas o fim da chuvada. Em breve o capim rebentaria da renda das cinzas e, então, voltaríamos a ver-te a conduzir as cabras pelo campo agreste. Naquele dia trazias a roupa engomada que dispuseste na mesa da cozinha. Camisas, calças, as fardas de caqui e a roupa interior. Aceitaste sentar-te e serviste-te de café. Sorrias. A seguir puxaste-me para dentro e, como das outras vezes, juntaste-te a mim. Há meses que partilhávamos a alegria de estar juntos mas sabíamos que seria por pouco tempo. Hostilizados por brancos e negros, éramos um mau exemplo para todos. A mim destacavam para o outro lado do Rio agora sem ponte e a ti mandava o teu pai que fosses, com os animais, para Sul. Passaram alguns meses. Alguém me trazia, da tua parte, recado. Voltarias se eu quisesse. Que, se eu te aceitasse em minha casa, enviasse pelo portador um lenço daqueles em que havias costurado o meu número. Meti a mão ao bolso e entreguei o lenço ao portador. É hoje que chegas. Chove mas vou esperar-te ao caminho.