PORTO ESPERANÇA:

PORTO ESPERANÇA:

Daquele velho cais, partiam os barcos e seus tripulantes em busca da pesca farta, em cada coração um sonho e uma esperança. O mar bravio a desafia-los ou as longas calmarias era suas rotina.

Gaivota era uma traineira ligeira, quarenta toneladas quando carregada, dez tripulantes experientes,

Mestre Fortunato, completava o quadro de pescadores, pois mesmo o chefe de maquina e o cozinheiro também nas horas de precisão também lidavam com a pesca.

Naquela manhã de agosto, o sol se fazia pleno e majestoso ao surgir no horizonte, o mar calmo era propicio a uma pescaria farta e lucrativa; Mestre Fortunato virou a proa para o nordeste e pediu toda maquina, queria chegar logo no pesqueiro onde acreditava as anchovas seriam presa fácil e logo, logo, poderiam retornar ao porto com carga completa; depois de navegarem umas dez milhas náuticas avistaram o cardume de anchovas a brilhar refletidas pelo sol da manhã, era um cardume grande com certeza, todos a bordo alvoraçaram e rapidamente prepararam a rede para o cerco e captura do pescado.

O dia começara bem, o velho Mestre satisfeito com o primeiro lance que quase completara a capacidade do barco; mais ou menos havia pescado mais de vinte toneladas de peixe; seguiu atrás do resto do cardume para com outro lance completar a carga do barco, o que foi realizado com êxito.

A ordem de retorno foi dada, a traineira com carga máxima singrava o mar com a quilha na linha d’água, todos a bordo contentes, foram saborear a primeira refeição do dia preparada por Negão Dario, o cozinheiro Angolano de dois metros de altura, uma montanha de músculos, mas de uma paciência de Jó e afável e companheiro de todos e admirador e fiel amigo de Mestre Fortunato.

Naquele dia a comida foi anchova assada no forno acompanhada por arroz e farofa com cebolas e pimentão, servidas com uma caneca de vinho rascante, este sempre que no mar era racionado para que não houvesse excessos e cabia a cada um apenas uma caneca para que se mantivessem aquecidos, ninguém desrespeitava essa norma era uma questão de segurança que todos cumpriam religiosamente.

O mais glutão era Schneider o pescador maquinista, alemão de origem, fechado, não era de muitas conversações, e não se envolvia nas costumasses brincadeiras jocosas que aconteciam amiúde entre os tripulantes que em função da convivência constante e muitas vezes longa no mar em busca do sustento de suas famílias, haviam de alguma forma criado laços não só de cooperação no trabalho, mas sim de uma família unida e solidaria entre todos, e não poderia ser diferente, pois nas imensidões oceânicas cheias de riscos e perigos o homem encontra sua força no companheirismo e solidariedade e aqueles com quem convivem tornam-se parte de suas vidas de forma muitas vezes quase como se fossem parentes consanguíneos.

Cosme e Damião, como os nomes sugerem eram os irmãos, gêmeos, mulatos fortes e bom de trabalho eram os mais novos tripulantes embarcados no Gaivota, Mestre Fortunato gostara deles embora em principio tivesse algum receio de contrata-los, pois tinham apenas dezoito anos, mas já com experiência em pesca, eram filhos de pescador e afeitos as lidas do mar desde meninos, além disso, a tragédia da perda do pai, seu Onofre, velho Mestre como ele; morrera num naufrágio e comovido com o acontecido resolvera aceitar os dois rapazes, o que hoje era motivo de satisfação, pois os dois corresponderam plenamente às necessidades do pesqueiro, eram jovens porem responsáveis e tranquilos apesar da pouca idade.

Os outros seis tripulantes eram homens maduros e acostumados às lidas marítimas, velhos conhecidos do Mestre Fortunado, estes eram embarcados e desembarcados de acordo com as safras dos pescados em suas respectivas épocas. Onofre, Djalma, Oberdã eram cariocas e sempre voltavam ao sul para trabalhar, pois apesar da pesca no sul se dar mais no inverno do que no calor dos mares do sudeste, norte e nordeste do Brasil ela aqui era mais lucrativa e farta principalmente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Completavam o quadro os Gaúchos, Artur, Wilson e polaco Mario, assim era chamado o mais agitado e brincalhão de todos os tripulantes daquela sui generis e diminuta comunidade de homens do mar.

Sempre ao adentrar os molhes da barra de Rio Grande, no extremo sul do Brasil, ultimo porto marítimo do litoral Brasileiro, porto este além de pesqueiro, atracadouro de grandes navios por onde escoa a produção de soja, arroz, carnes e outras mercadorias diversas do estado e também dos Países vizinhos do MERCOSUL, além de ser o comando do quinto distrito naval da Marinha Brasileira. Sempre ao voltar ao porto, Mestre Fortunato deixava-se abater um pouco por saudades e melancolias, principalmente quando se lembrava da sua idolatrada Dora, levada pelas mãos do destino ainda tão jovem e cheia de vida, por uma doença rápida e fulminante, após o fato que o prostrou e deixou-o para sempre; assim pensava um lobo marinho solitário e triste, embora não fosse infeliz, pois os poucos anos que viveu com Dora, sua doce Dora foram os mais felizes de sua existência e hoje mesmo só, sentia-se compensado por tudo que vivera até ali, e agradecia sempre aos céus por sua vida produtiva e rica em experiências.

Mestre Fortunato, após a morte de sua amada, passou um tempo sem rumo, pois seus planos inclusive o de se estabelecer em terra firme e poder ter uma grande família tinha se perdido com o desaparecimento de Dora. Mas como na vida tem um tempo de dor, um tempo de conformação com as perdas e depois um tempo de renascimento, Mestre Fortunato assim como a maioria dos fortes e determinados, resolveu viver como sempre vivera no mar onde se sentia livre igual ave marinha em busca do alimento a suprir-lhe as necessidades básicas da vida, seu mundo, cheio de perigos e mistérios onde se deixava levar pelas imensidões de céu e mar muitas vezes com o olhar perdido no horizonte longiguo, sem voltar-se para a esteira que o seu barco deixava ao singrar aquelas aguas às vezes plácidas outras vezes turbulentas, esteira esta que ele mesmo comparava as coisas deixadas no passado e seguia em frente colocando seu destino na mão generosa do criador de todas aquelas belezas com que era contemplado todos os dias de sua profícua vida.

SEGUNDA PARTE:

A NOITE NO CAIS:

Há muito tempo que Mestre Fortunato, não se dava o prazer de bebericar com os amigos e ouvir musica boa como costumava fazer no tempo de Dora, quando regressava das longas jornadas de pesca em alto mar; mas naquela noite foi diferente, Oberdã o havia convidado para espairecer e descansar do trabalho, pois vira que o velho Mestre estava precisando, há dias vinha notando uma melancolia não muito normal no velho marinheiro e isto não lhe pareceu bom, para sua satisfação o Mestre aceitou o convite e lá foram os dois em busca de aventura, agora não no mar onde lhes era tudo simples e familiar e sim na noite cheia de mistérios e prazeres inimagináveis com riscos bem maiores, pois eram riscos que muitas vezes atingiam o coração dos desprevenidos e solitários como os dois homens do mar.

O pequeno regional, composto de um violão, um cavaquinho uma flauta e um pandeiro davam o tom e o ritmo aquele lugar aprazível e musical, as musicas eram na sua maioria sambas canção, boleros e volta e meia um tango para homenagear Gardel, pois no sul as culturas muitas vezes se misturam, não faltava as milongas e xotes, musicas bem locais e com ritmos dançantes.

O lugar era conhecido como o cabaré da Picucha, velha cafetina muito conhecida e conceituada na orla marítima e com fama internacional, pois lá no seu cabaré imperava a ordem e o respeito e as damas da noite eram a principal atração e todas sem exceção de uma discrição e profissionalismo exemplares o que fez com que o local adquirisse fama além fronteiras o que atrai navegantes e homens do mar de todas as partes do mundo.

Na época, bebia-se muito Cuba-Libre, vinhos e champanhe, um ou outro freguês, na maioria estrangeiros preferiam o uísque às mulheres na maioria delas apenas acompanhavam tomando Rum com guaraná, sempre noventa por cento de guaraná, era regra da casa, para evitar qualquer acidente etílico entre as meninas da Picucha.

Oberdã costumava frequentar o local seguidamente, sempre que estava em terra, esporadicamente tinha a companhia de Negão Dario, Artur e Wilson, mas hoje eles não puderam vir, pois negão Dario havia ido ao seu centro de Umbanda e levara com ele os amigos que se disseram precisado de ajuda espiritual, pois seus relacionamentos familiares andavam com certas atrapalhações e resolveram apelar ao companheiro Dario que também era Pai de Santo no terreiro de Mãe Jurema de Iansã.

Os outros tripulantes e amigos mútuos não costumavam sair junto, pois todos casados e com famílias a cuidar, mesmo Onofre e Djalma naturais do Rio de Janeiro como Oberdã, eram bastantes responsáveis e como tinham família grande a sustentar evitavam gastos desnecessários e seus divertimentos resumiam-se as partidas de futebol ou fitas cinematográficas, pois o que ganhavam enviavam tudo para casa e suas respectivas esposas e filhos, não gastavam nada em noitadas. Já os irmãos Cosme e Damiao eram crentes e namoravam firme com moças da igreja que frequentavam e não participavam por questões religiosas de festas daquele tipo, não que fossem preconceituosos, mas sim por uma questão de coerência e princípios de formação familiar, pois sua mãe viúva de seu Onofre era presbiteriana e educara os filhos com seus preceitos de fé.

Polaco Mario por sua vez se enrabichara por Neuma e vivia nas nuvens atrás da rapariga espevitada e dez anos mais nova que ele e por isso deixara de frequentar a noite para decepção de Oberdã que gostava da companhia do amigo extrovertido agora ausente das baladas noturnas.

TERCEIRA PARTE:

A CRONER DE OLHOS VERDE:

Mestre Fortunato, havia tomado duas taças de champanhe e sentia-se leve, ao começar o shou ao vivo com a croner Olga, bastante afamada na noite, pois dotada de uma linda voz e uma beleza exótica e estonteante, era sem duvida a mais importante atração daquele ambiente noturno em toda a orla do porto da cidade marítima, a casa lotada aquela altura da noite tinha seu ápice com a entrada da citada cantora, ovacionada como sempre de principio ao fim de sua apresentação, Olga também se valorizava mantendo certa distancia dos habitues do local, fazendo com isso surgirem especulações sobre sua situação romântica; pois nunca era vista com homem algum e muitos por influencia dos contumazes mexeriqueiros comentavam que era lesbica ou frigida e por isso nunca se envolvera com nenhum frequentador do lugar, outros até comentavam que ela pelo lugar de destaque que ocupava era filha de Picucha que a proibia de namorar ou manter qualquer tipo de relacionamento naquele lugar que de certa maneira era um ambiente pouco recomendado para romances duradouros porque ali era mais um lugar onde as relações aconteciam de forma passageira e fugaz sem prováveis amanhãs.

Em seu vestido vermelho, longo com uma pequena abertura que subia do meio da perna ate a altura da coxa, deixando transparecer a pele branca e lisa de maneira sutil e delicada, a emoldurar pernas perfeitas e longilíneas, faziam-na uma verdadeira e magnifica escultura grega e a completar este quadro de formosura impar, um rosto expressivo e carismático a fitar com seus magníficos e penetrantes olhos verdes, profundos igual os oceanos a esconder mistérios mil,

Foi esta a primeira impressão que Mestre Fortunato teve de Olga, agora mais atento ao cantar da moça, que interpretava uma canção de Ângela Maria como se a própria fora, pois sua voz era bastante versátil e conseguia de certa maneira passar a emoção da própria interprete original das musicas que cantava em seu repertorio.

EPILOGO:

O relógio na parede do cabaré marcava duas da manhã daquele frio e seco mês de agosto, mesmo mês que o povo atribuía, desgostos e tragédias, o que de certa forma realmente acontecia, governos foram derrubados neste mês, presidentes se suicidavam, era também conhecido como o mês do cachorro louco e tantas outra crendices e realidades acontecidas, outras meras coincidências que a fantasia popular costumava aumentar em intensidade com sua natural criatividade e necessidade atávica pelo mistério.

Schneider, o velho maquinista Alemão, chegara a pouco, ele também era assíduo habitue do local, embora sempre se isolasse em uma mesa discreta onde ficava a conversar com a Dona do ambiente sua velha amiga Picucha que raramente se dava ao desfrute de sentar a mesa com um frequentador, mas Schneider era um caso a parte, velho amigo dos tempos iniciais do pôs guerra merecia sempre esta deferência e privilegio.

Mas aquela madrugada estava fadada a ser diferente e Schneider sentou-se a mesa com o seu amigo e Mestre Fortunato, pois sua consideração pelo velho marinheiro era também uma imensa gratidão por ter-lhe dado trabalho numa época que ainda colocava os imigrantes Alemães principalmente daquela idade, como suspeitos de pertencerem ao eixo nazifascista e serem talvez fugitivos e criminosos de guerra aqui homiziados; não era o caso de Schneider, chegara ao Brasil antes do inicio da segunda guerra e nunca fora simpatizante do terceiro reich e de seu nefasto líder Adolfo Hitler;

Mas mesmo assim era grato ao Mestre por nunca ter-lhe indagado sobre sua vida pregressa.

A vida nos prepara surpresas, boas ou más, naquela etapa da vida Mestre Fortunato não se preocupava muito com esses detalhes, vivia o momento e nunca supusera que depois de sua Dora seria atingido novamente pela frecha certeira de Cupido, mas aqueles olhos verdes fora como um raio fulminante em sua carência e abandono atual, em seu coração explodiu uma paixão avassaladora e naquele momento o mundo todo a sua volta deixou de existir e só conseguia vislumbrar aqueles lindos olhos verdes que o arremessavam ao despenhadeiro da loucura dos sentidos reprimidos, pensou em sua desvairada loucura momentânea, estava ali o sentido do renascer novamente, seria possível um novo amor, perguntava-se a si mesmo.

Sim tudo isso seria possível, pois a outra parte, aquela Vênus de formosura, perdida na noite do porto da esperança também sentia a mesma atração inexplicável e como num passe de magica ao ser apresentada por seu Pai Schneider e sua mãe Picucha, ao homem maduro e de porte nobre com seus cabelos grisalhos a completar aquele rosto queimado pelo sol e maresia oceânica a fita-la com seus profundos olhos negros que carregavam todos os mistérios dos mares profundos, soube que ali naquele momento naquele lugar enfumaçado começaria uma história de amor e paixão sem limites que os levariam ao êxtase total e cumplicidades plenas.

Isto não é um final mais sim um recomeçar, de uma ou mais historias onde sempre haverá portos de esperanças, sempre haverá oceanos a serem explorados, onde sempre haverá mares turbulentos e mares de calmaria, onde sempre haverá vida em abundância, desde que se acredite no amor.

Valmirolino.

valmirolino
Enviado por valmirolino em 28/07/2013
Reeditado em 28/07/2013
Código do texto: T4408553
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