O príncipe e a menina
Reza a lenda que o príncipe encantado é aquele homem corajoso, que lutará contra dragões, bruxas e florestas sombrias na tentativa de libertar a princesa de algo mau. Ser homem já não deve ser uma tarefa muito fácil e ser o príncipe encantado, dotado de infinitas qualidades e que tenha o super poder de suprir as exigências femininas, deve ser ainda mais complicado. Sonhamos, sonhamos e sonhamos mais um pouco com o inesquecível momento em que o príncipe aparece, nos salva de todo mau e amorosamente nos beija, mas o que fazer quando é o príncipe que precisa de ajuda? Gritar por socorro talvez não seja a melhor das ideias, pois pode acordar o dragão! Agir segundo instintos pode aborrecer ainda mais a bruxa e piorar a situação do príncipe, ou seja, essa tática não deve ser umas das primeiras da lista. Numa situação de perigo, por mais difícil que seja, é melhor pensar para agir corretamente. Vale lembrar, que pensar demais também não é uma boa tática, uma vez que pode dar tempo para o despertar do dragão, a bruxa que já é impaciente, ficará enlouquecida de raiva e o príncipe ficará ansioso, roendo as unhas tentando entender o que se passa na cabeça da princesa! Para evitar tais transtornos, é importante agir com cautela, amor e precisão, da mesma forma que nossos amados príncipes costumam fazer. Alice, uma doce camponesa, viu-se diante dessa situação. O que ela fez? Vamos descobrir...
Netterland sempre fora um reino muito próspero. A respeitosa família Netter já estava no trono há oito gerações e era aclamada pelo povo em todos os lugares. George, o Bom Rei, como era conhecido, estava no poder há anos e via seu reino crescer próspero e feliz a cada amanhecer. Sua esposa, Elizabeth, era adorada pela generosidade e pelo cuidado com todos no reino. Philipe, o príncipe, era o menino de ouro, inteligente, educado e companheiro para todas as horas. O mocinho vivia correndo, fazendo artes pelo castelo e embora tivesse apenas 11 anos, já era apaixonado pelas letras. Ele assumiria o poder somente aos 16 anos, mas já tinha zilhões de planos que beneficiariam todos de Netterland. O reino não tinha inimigo, mas por precaução, era protegido por um exército com mais de 4 mil homens, todos comandados por Petrônio, o guardião. Ele era um homem invejoso, cruel, mas sabia cuidar de seus homens como ninguém. Sempre almejou o trono de George, mas sabia que enquanto ele vivesse, jamais haveria alguém com tanto amor, prestígio e liderança para com o povo. Foi com esse pensamento que ele resolveu dar um fim ao reinado do Bom Rei.
Netterland fazia fronteira com uma antiga e sombria floresta. Petrônio deu cinco moeda de ouro a um cidadão de moral extremamente duvidosa, para que ele preparasse uma emboscada que tirasse a vida de George. O plano foi cuidadosamente colocado em prática e o rei foi encontrado morto na manhã em que completaria seu quadragésimo nono aniversário. A notícia deixou Netterland de luto. Quem reinará enquanto Philipe espera a sua maioridade? Um pleito foi realizado imediatamente à morte de George e o guardião assumiu o poder. A bondade para com a família enlutada durou pouco mais de um mês, até que ele mesmo despejou-os do castelo real, mandando-os para uma casa no meio da aldeia.
Petrônio desprezava o povo e só tinha interesse em encher os bolsos com as moedas do trabalho alheio. Moedas que eram gastas em bailes reais de muito luxo e na compra de ceroulas novas, já que um rei do seu nível precisava estar sempre impecável diante das raparigas que ele conhecia. Aos poucos o reino foi se transformando e a alegria do sorriso, simplesmente desapareceu. As pessoas trabalhavam dia e noite para comprar seus mantimentos e já não podiam mais fazer festas para comemorar a alegria em fazer parte do povo de Netterland, simplesmente por que Netterland não existia mais.
Quando Philipe completou 15 anos, o povo voltou a sorrir. Faltava pouco para o reinado daquele que seria o salvador do povo, mas Petrônio resolveu agir. O rapaz gostava muito de ir ao banco, uma vez que Cléssius, o velho banqueiro, era muito amigo de seu pai e também adorava ler. Eles conversavam por horas e viajavam para lugares mágicos com o virar das páginas. Era uma aventura melhor que a outra!
Numas das idas ao banco, Philipe foi cercado por quatro soldados que cumpriam uma ordem maluca do rei. Ele foi levado para um castelo abandonado, que ficava no meio da antiga floresta. Ele estava fechado há séculos, pois era considerado amaldiçoado. Um estudioso viveu lá por anos enquanto estudava os mistérios da floresta, até enlouquecer e se jogar do alto da torre. Segundo os mais fuxiqueiros do reino, ele foi seduzido por uma mulher que também vivia na floresta, mas que desapareceu sem dar explicações ao estudioso. A solidão foi demasiado forte que ele enlouqueceu, mas antes de se jogar nos braços da morte, ele fez um feitiço para que sua alma ficasse no castelo à espera da misteriosa mulher que voltaria para juntos, viver um grande amor. Philipe foi jogado no salão escuro do castelo e a porta foi imediatamente fechada. Ao seu lado, estava uma cesta com pouca comida e roupas quentes para enfrentar as frias madrugadas que estavam por vir.
Petrônio desejava que o rapaz morresse aos poucos, sozinho, no escuro, sem ninguém para ouvir ou ajudá-lo. Não queria, em momento algum, ter o sangue de mais um inocente escorrendo pelas suas mãos.
Na aldeia, os soldados contaram que viram o rapaz ser raptado por ladrões que rodeavam o reino, mas que nada puderam fazer para impedir o ocorrido. Elizabeth ficou sem ar, sem chão e com o coração na mão. Sofrera duas perdas irreparáveis e nada poderia acalmá-la naquele momento intenso de dor. Para se certificar que Phelipe morreria no castelo, Petrônio ordenou que dois soldados ficassem de campana nos portões vigiando tudo e todos. Com medo da maldição que rondava tudo ali, eles não se importaram em rondar também os muros do castelo, ficaram apenas nos portões, exatamente como ordenara o rei.
Num dia qualquer, os soldados se deparam com barulhos de passos perto do castelo. Eles conheciam muito bem a lenda da alma do estudioso e ficaram com receio de que ele estivesse incomodado com dois homenzarrões atrapalhando a chegada de sua amada. Tiraram na sorte quem iria procurar o dono dos passos, mas eles simplesmente sumiram.
Os passos pertenciam à Alice, uma jovem camponesa que adorava frequentar o castelo para tentar encontrar a alma do estudioso. Ao contrário da maioria do reino, a menina gostaria de conhecê-lo, afinal, era a única forma de saber se a história era real ou não. Alice ajudava sua mãe nas tarefas de casa e cuidava dos dois irmãos pequenos. Por conta disso, ela não ia ao castelo com tanta frequência. Esperta, a jovem nunca usara a porta como passagem, isso poderia despertar a atenção de alguém. Ela costumava usar uma janela que ficava nos fundos da cozinha. Ao adentrar o castelo, ela fez o mesmo percurso de sempre. Passou pelos corredores frios, pelas salas de jantar, pelo imenso e sombrio salão de festa e quando ia subir as escadas que a levariam a uma biblioteca cheia de pó e com as pesquisas do falecido estudioso, viu que algo estava diferente. Avistou sobre uma das mesas um papel grande e foi pegá-lo para ver do que se tratava. Para sua surpresa, era uma linda poesia. Alice não sabia que o estudioso também escrevia poesias, nunca ninguém havia comentado nada sobre o lado poético dele. Resolveu ler para ver se descobria o nome da misteriosa mulher...
PRECE
Vago pelos corredores ao teu encontro
Jamais senti tamanho Amor, mas sei que estou pronto
Arranque essas correntes, quebre o cadeado
Liberte-me e permita-me viver ao seu lado
Deixe-me tocá-la, anseio teu calor
Vivo sozinho e suplico, não quero mais essa dor
Com a sua chegada fortaleceram-se nossos laços
Eu quero e preciso viver entre seus braços...
É, ele amava mesmo a tal mulher. Escreveu uma poesia implorando socorro, implorando que ela o libertasse de anos de espera, pensou Alice. Logo ao terminar o pensamento, o barulho de uma porta fez à jovem pular de medo. “Será que o falecido acha que sou a tal mulher?” Alice ficou branca de medo e se escondeu atrás das compridas cortinas que cobriam a janela principal da sala de recepção.
Com muita cautela, Philipe desceu degrau por degrau da imensa escada, tentando avistar de onde viera o barulho. Olhou na mesa da recepção e percebeu que o papel com a poesia havia sumido. Todas as portas e janelas estava fechadas, já faziam 5 dias que ele estava ali e ninguém entrava no castelo, como a folha poderia ter sumido? Desde o momento em que fora jogado na sua prisão, Philipe procurou alguma saída, qualquer buraco por onde ele pudesse escapar. Todas as janelas eram fechadas externamente com tábuas de madeira, o mesmo acontecia com as portas. A única opção seria a janela de Alice, mas logo ao sair, ela fechava tudo novamente para que ninguém descobrisse suas idas ao castelo amaldiçoado. Philipe ficou com medo, ele já estava fraco, com frio, não seria interessante ter alguém ali para ter que enfrentar. Alice ficou espantada. Ela reconheceu o príncipe! Eles nunca conversaram, ela jamais chegou perto dele, mas via-o ir ao banco quase todos os dias. Ele tinha olhos lindos, indefinidos que oscilavam entre o verde e a cor de mel. Foi tentando enxergar a alma através dos olhos dele que ela inalou tanto pó que começou a espirrar desesperadamente caindo no chão. Numa mistura de medo e curiosidade, o rapaz ajudou Alice a se levantar do chão e sentou-a no sofá ainda mais empoeirado.
- O que você está fazendo aqui? Quem é você? O que você está fazendo com a minha poesia? Perguntou o príncipe.
- Eu sempre venho aqui, mas o que você faz aqui? Na aldeia todos pensam que você foi raptado, respondeu a menina com olhar de dúvida.
- Eu sei, Petrônio me trouxe aqui. Ele quer me ver morto para reinar tranquilamente, os próprios soldados disseram isso.
- Caramba, pelo visto isso não está muito longe de acontecer, você está definhando, disse a jovem com um olhar triste.
Por um breve momento, eles ficaram em silêncio. Foi nesse instante que Alice rompeu o silêncio com um simples e rápido “preciso te tirar daqui, mas como?!”. Com os soldados vigiando os portões seria perigoso, eles seriam pegos facilmente e o príncipe seria novamente jogado no escuro castelo. Alice disse que pensaria em alguma coisa prática e eficaz, mas que antes de qualquer coisa, ela precisava ter a certeza de que o príncipe estava bem para poder fugir. A camponesa correu até a cozinha, pegou o pão e a maçã que trouxera e entregou a Philipe. Ela sempre trazia algo para comer, pois costumava passar um longo tempo no castelo. O príncipe estava faminto e devorou o lanche em um piscar de olhos. A jovem estava com o coração na mão. Como alguém teve a coragem de aprisionar um príncipe com Philipe? A menina saltou do sofá dizendo que precisa ir embora, mas que voltaria no dia seguinte com um plano, comida e roupas limpas para o príncipe de olhos claros.
Ao sair do castelo, Alice percebeu que apenas um soldado estava vigiando o portão principal. Ficou com medo de que o outro estivesse rondando a floresta, mas ao chegar à aldeia, ela avistou o alto soldado na venda do Sr. Alfredo. Imediatamente, ela pensou que eles se revezavam durante a noite, mas foi apenas um pensamento, era preciso confirmar isso. No dia seguinte, Alice foi novamente ao castelo. Como prometera, levou bolo, pão, suco, leite e roupas limpas que roubara de seu pai. Todas ficaram largas, mas estavam limpas e isso era o mais importante. Eles conversaram sobre um possível plano, mas Alice pediu só mais uns dias, pois ela não queria que eles fossem surpreendidos no meio do caminho de volta à aldeia.
Novamente, ao chegar perto do portão principal do castelo, ela avistou o outro soldado e concluiu que eles se revezaram, é claro que sem o menor consentimento do rei. Quando Alice saiu do castelo, a noite já estava nascendo e com cuidado, ela chegou à aldeia sem ser notada por ninguém.
A menina não conseguia dormir e ficava acordada a noite toda, repassando todos os detalhes do plano. Dias se passaram e a camponesa resolveu agir.
No dia combinado, logo ao amanhecer, a jovem pulou da cama e começou a executar sua rotineira faxina. O dia parecia normal, mas o pensamento da menina tinha apenas uma preocupação, salvar o rapaz poeta. Na hora combinada, Alice entrou no castelo e deu início ao plano de fuga. Os dois pularam a janela, mas precisaram esperar o soldado ir para a aldeia para agirem de modo mais tranquilo. Como Alice constatara apenas um soldado fazia o serviço durante a noite. A menina então pulou o muro e se escondeu na floresta, dando cobertura para o príncipe que vinha em seguida.
A noite estava iluminada, a Lua brilhava poderosa no céu. Estava tudo perfeito para o plano. Nesse momento, Alice correu pela floresta dizendo ser a mulher misteriosa que procurava desesperadamente o homem estudioso. Gritava que estava se aproximando e que jamais fugiria novamente. Ao ouvir os gritos, o soldado ficou tremendo de medo. Nunca enfrentara nem mesmo um briga de bar, agora teria de enfrentar uma mulher misteriosa? Será que ela estava viva, ou era sua alma que vagava pela floresta aterrorizando-a o tempo todo? Sem pensar duas vezes, o soldado fugiu para a aldeia e só parou de correr quando já estava trancado em casa. Phelipe então fugiu do castelo e se refugiou na casa de Alice. No dia seguinte, os soldados voltaram ao trabalho como se nada tivesse acontecido. Dizer ao rei que uma mulher estava chamando o estudioso no meio da floresta seria algo problemático, então o soldado medroso deixou tudo em silêncio. Poucos dias depois, Petrônio voltou ao castelo, queria ver com os próprios olhos o que restara do príncipe, mas se assustou quando entrou e não viu nada, nem sinal do jovem príncipe. O soldado rapidamente disse que numa noite muito sombria, uma mulher dizia estar à procura do estudioso e ficou rondando o castelo. Era um fantasma, ele garantiu ao rei, mas disse também que como se tratava de um ser do além, ele não pode capturá-la e foi até a aldeia pedir socorro. Todavia, ao chegar ao castelo, a mulher havia sumido. Petrônio ficou contente e imaginou que a tal mulher tenha se encantado com Phelipe, já que ele era um rapaz muito inteligente e tenha-o levado para o além também! “Menos mau, já nem preciso me livrar do corpo”, pensou ele.
Ao adentrar a aldeia, o rei foi recebido com repulsa pelo povo, mas não entendeu nada, pensou que se fosse uma rebelião da classe inferior. Foi quando ao longe, ele avistou o menino príncipe. Petrônio tremeu de ódio, teve vontade de ir até o rapaz e eliminá-lo com as próprias mãos, mas sabia que aquilo seria seu fim. Tudo o que importava era o reinado e ele faria tudo para não deixar Philipe assumir o trono. Resolveu desafiar o rapaz. Iriam duelar e quem vencesse, tomaria o trono como prêmio.
Philipe guardava a espada que pertencera ao pai e foi com ela que ele derrotou Petrônio, deixando-o de ceroulas no meio da aldeia. Petrônio foi tomado pela inveja e decidiu sair do reino, abrigando-se no antigo castelo amaldiçoado. No mesmo dia, o rapaz fora coroado rei. Elizabeth estava radiante, seu filho estava de volta e bravamente conseguiu recuperar o reino da família.
O novo rei assumiu o poder e recuperou todo o dinheiro que Petrônio havia roubado do povo. Com ele, o rapaz pode fazer reformas no reino e aos poucos Netterland voltou a crescer. Tudo estava bem, mas Philipe sentia que estava faltando alguma coisa. Numa de suas idas ao banco, ele encontrou Alice. Depois do duelo, os dois pouco se encontraram, pois o reino precisava muito do novo rei. Ao fitar os olhos castanhos da menina, Philipe entendeu que era ela, era a presença dela que estava faltando ao seu lado. Sem demora, ele a pediu em casamento. A camponesa não sabia o que dizer, ela também sentia Amor pelo rapaz, mas não se achava digna de ser a esposa de um rei como Philipe. Pensou em recusar o pedido, mas quando foi responder, seus olhos encontraram os dele e ela pode enxergar a alma do jovem rei. Foi um momento mágico e ela não conseguiu dizer não. Duas semanas depois, Philipe e Alice se casaram.
O céu estava inteiramente vestido de estrelas. A lua brilhava intensamente, como nunca antes fora visto, de modo que tempo depois, estudiosos suspeitaram que ela estivesse assistindo ao casamento na companhia do Sol. Cometas cruzaram o céu e após o tão sonhado e emocionante beijo, eles se abraçaram. Nesse instante, Alice avistou uma estrela cadente, fechou os olhos e falou baixinho ao ouvido de Philipe “eu quero e preciso viver entre seus braços!”. Naquele instante, o Universo parou e o Amor viveu se apogeu naquele que seria o mais-que-perfeito (re)encaixe de duas almas que jamais deveriam ter sido separadas. A partir daquele dia, a prosperidade tomou conta de todos no reino. Alice conhecia a necessidade do povo, pois sempre morou na aldeia do reino e ajudou a Philipe a reinar de modo semelhante ao Bom Rei. Netterland viveu anos de glória durante o reinado de Philipe. O rei então entendeu que melhor que governar sozinho, seria ter sua amada Alice ao seu lado, para que juntos eles pudessem viver eternamente o Amor a eles destinados.