UM INTRIGANTE MISTÉRIO
 

Gildésio era um escritor sem sucesso, como milhares que andam por ai.

Seus livros ficavam nas prateleiras das livrarias por algum tempo depois eram levados para o fundo da loja, lá onde ficam os livros que ninguém quer comprar.

Apesar de pouco talentoso, porem, era muito dedicado. Criava os personagens e se apaixonava por eles levando-os às mais incríveis aventuras, só que lá pelas tantas perdia o controle da situação, não sabia como conduzi-los por caminhos atraentes, inusitados, fazer com eles alguma coisa que surpreendesse e acabava perdido entre clichês que faziam de suas produções historietas sem sabor daquelas que as pessoas leem até a metade ou nem isso e já deduzem o final e lamentam o tempo perdido.

Mas o nosso escrevinhador não perdia a esperança e não se cansava de tentar ombrear os grandes escritores cujas obras devorava no inútil afã de buscar inspiração para seu próprio trabalho.

Toda sua vida, ou a maior parte dela, passou escrevendo, deletando, repetindo e por fim publicando coisas que ninguém lia e amontoando livros que acabavam sendo doados a pessoas que aceitavam por ser de graça, mas também não liam.

Quando se viu, de repente, no inferno, porém, sua surpresa foi muito grande ao se encontrar com os personagens criados por ele e que agora tinham vida própria, independente dele.

Lá estava Lourenço, um rapaz negro apaixonado pela menina branca enfrentando o preconceito e que, zangado, veio encontrar-se com ele para insulta-lo chamando-o de racista.

—Racista, eu? Se procurei justamente o contrário! Arranjei-lhe uma noiva branca, bonita, filha do fazendeiro rico, só que a estória não convenceu, acabou caindo na mediocridade, não tive culpa se as pessoas ainda não se acostumaram com a mistura das raças.

A mocinha loura fitou-o com seus enormes olhos azuis e, raivosa, o enfrentou:

—Você fez de mim uma figura ridícula, chorona, lamentando um amor perdido e definhando até a morte. Por acaso pensou que alguém ia gostar de ler uma baboseira dessas? E acha que eu ia ficar mesmo lamentando um amor perdido? Eu heim! Ia mais era tratar de arranjar outro.

O namorado volta-se para o infeliz escritor:

—Você foi o culpado! Se havia de deixar quieto o nosso amor precisou jogar aquela zinha no meu caminho para atrapalhar e ainda por cima me levou ao suicídio. Quanta basbaquice!

Atarantado percebeu que estava sendo cercado por mais dezenas de personagens criados por ele e que agora reclamavam sua incompetência para fazer deles criaturas interessantes que teriam vida própria brilhante pelo menos durante o breve tempo da leitura do livro.

E a acusação geral:

—Você é um incompetente! E ainda tinha a pretensão de vender seus livros!

E a revolta:

—Você fez de nós o que quis agora chegou a nossa vez de fazê-lo pagar por cada vexame, cada situação perigosa ou vexatória que nos obrigou a passar.

Atormentado viu aproximar-se uma figura horrenda, a perfeita encarnação do terrível demônio cuja existência ele sempre pôs em dúvida.

Satanás? Será que ele existe? Ou seria apenas um espirito brincalhão querendo passar-lhe um trote?

Mas, por que estou aqui? Será que morri? Será que a morte é assim?

Um desagradável arrepio percorreu lhe a espinha.

Devia ser isso mesmo. Como era um calouro no mundo espiritual estava passando pelo trote que afinal não deixa de ser uma mensagem de boas vindas de mau gosto. ’

Mas como é que indivíduos fictícios, criados por ele, adquiriram vida própria, entendimento, sentimentos e tudo mais?

E porque estariam eles no inferno se não tinham culpa das enrascadas em que ele os metera?

Ou tinham? Lembrou-se de que lera alguma coisa a respeito dos pensamentos terem formas e não se perderem algures. Achou a coisa tão fantasiosa que nem se aprofundou no assunto, mas agora diante do que estava acontecendo quedou-se a pensar:

— Será que os personagens que criamos adquirem algum tipo de vida e se tornam uma responsabilidade nossa?

Se assim for, quanta culpa para resgatar! Já os metera em todas as situações criminosas, sofridas, patéticas, ridículas e agora eles o rodeavam exigindo o pagamento de todo mal que lhe fizera.

Como seria feito esse pagamento? Com que moeda se paga algo tão intangível?

Só pode ser com o sofrimento que dizem que é a consequência do pecado.

Mas será que é pecado atribuir erros e sofrimentos a seres que não têm vida própria?

O diabinho sorriu deliciado com a confusão que criara:

—Você está sob meu domínio. Posso fazer o que quiser com você.

—Mas seu Diabo, deixe que eu volte à Terra e eu prometo que não vou mais me alvorar a escritor. Prometo!

—Não precisa prometer nada. Na outra encarnação você será analfabeto. Não conseguirá escrever uma só palavra mais.

Gildésio esfrega os olhos sonolento.

Que coisa estranha! Será que foi um sonho? Um desdobramento? Alguma dessas coisas que acontecem e para as quais ninguém tem explicação?

É, como já dizia Shakespeare: “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que julga nossa vã filosofia”








Maith
Enviado por Maith em 21/07/2013
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